Também do segundo disco de Bob Dylan, este exemplar de talkin´ blues. Vai-se contando uma historinha, acompanhada de música, de modo informal, como uma conversa entre amigos. Mais um exemplo da capacidade de Dylan para apoderar-se de estilos musicais, e recriá-los como coisa sua.
É um estilo bem raiz, um Dylan caipira, do seu meio oeste profundo. Na letra, as apreensões dos americanos crescidos à sombra da guerra fria: enfrentamentos com os russos, aniquilação nuclear. No (ótimo) documentário de Martin Scorsese, No Direction Home, sobre o início da carreira de Dylan, este recorda em entrevista o clima de paranóia nas escolas, onde as crianças simulavam as medidas a serem tomadas no caso de um ataque nuclear. Parece que foi uma experiência marcante.
Daí esta letra, ao mesmo tempo assustadora, melancólica, e irônica. Fazendo galhofa da paranóia. Rir é o melhor remédio. O sujeito que conta ao psiquiatra um sonho que teve, em que era um dos poucos que sobravam depois da bomba. Dylan improvisou boa parte da letra na sessão de gravação. Foram apenas cinco takes até que se mostrasse satisfeito com o resultado. Esta capacidade de repentista, esta criatividade, dão mostra do talento do jovem Dylan, e injetam autenticidade ao estilo popular da música. Explicam também a letra um pouco incoerente, e que salta de uma cena para outra, como se pode constatar na tradução. Mas também se pode dizer que as cenas soltas se casam bem com o desenrolar de um sonho, que é afinal o que está sendo contado. Mas façam seu julgamento:
Blues Falando da Terceira Guerra Mundial
Um tempo atrás sonho doido me veio
Sonhei que estava caminhando
Em direção à Terceira Guerra Mundial!
Fui ao doutor, logo no dia seguinte,
Pra ver o que ele podia falar pra mim
Ele falou: “é mesmo um sonho ruim!
Mas eu não me preocuparia com isso,
São apenas sonhos e estão só na sua cabeça”.
Eu falei: “Pera aí, doutor!
Uma Guerra do Mundo me passou pelos miolos!”
Ele disse: “Enfermeira!
Pegue o bloco de notas,
Esse menino é insano!”
Ele pegou o meu braço,
E eu disse: “AI!”
Enquanto eu caía sobre o divã do psiquiatra.
Ele disse: “Me fale a respeito”
“Bem, a coisa toda começou às três da manhã,
Estava acabado quinze minutos depois.
Eu estava num cano de esgoto,
Com uma namoradinha,
Quando espiei pela tampa do bueiro
me perguntando quem tinha acendido a luz sobre nós.1
Bem, eu me levantei, e dei uma volta,
Pra cima e pra baixo,
Na cidade solitária
Fiquei pensando
Pra que lado ir
Acendi um cigarro
Perto do parquímetro
E caminhei descendo a estrada
Era um dia normal
Bem, eu fiz soar o alarme pros abrigos subterrâneos
E joguei minha cabeça pra trás,
e dei um berro:
“Me dêem um prato de feijão!
Eu sou um homem faminto!”
Uma espingarda disparou
Na minha direção,
E eu fugi correndo
Eu não os culpo demais, apesar disso,
Eles não me conheciam.
Descendo até a esquina,
Perto da barraca de cachorro-quente,
Eu vi um homem, eu disse: “como vai, amigo?
Parece que sobramos só nós dois”
Ele gritou um pouco, e pra longe voou.
Pensou que eu era um comunista.
Bem, eu bati o olho numa garota,
E antes que ela pudesse ir embora:
“Vamos brincar de Adão e Eva”
Eu a peguei pela mão,
e meu coração estava disparado,
quando ela falou:
“Ei, cara, você tá doido ou o quê?
Não viu o que aconteceu,
da última vez que tiveram essa idéia?”2
Bem, eu vi um Cadillac na cidade
E não tinha ninguém por perto
Eu sentei no banco de motorista
E dirigi até a rua 42.
No meu Cadillac.
Carro bom de se dirigir
depois de uma guerra.
Bem, eu me lembro de estar vendo um anúncio,
Então eu liguei o rádio pra informações do nível de radioatividade
Mas não tinha pago a conta de luz3
Então o rádio não funcionou tão bem
Liguei meu toca-discos
Era o Johnny Rock-A-Day cantando:
“Conte pra sua mãe, conte pro seu pai,
Nosso amor vai crescer Uah, uah, uah”
Eu estava me sentindo meio solitário e triste,
eu precisava de alguém pra conversar,
Então eu liguei pra hora certa,
Só pra ouvir uma voz de algum tipo.
“Quando você escutar o bip
Serão três horas”
- ela falou isso por mais de uma hora
E eu desliguei o telefone
Bem, o doutor me interrompeu bem aí
Dizendo:
“Ei, eu estive tendo este mesmo sonho!
Mas o meu era um pouco diferente, veja bem:
Eu sonhei que a única pessoa que sobrou depois da guerra fui eu!
Eu não te vi por lá.
Bem, agora acabou a hora, e parece
Que todo mundo está tendo esses sonhos;
Todo mundo se vê andando por aí com mais ninguém.
Metade das pessoas pode estar parcialmente certa o tempo todo
Algumas pessoas podem estar totalmente certas o tempo todo
Mas todas as pessoas não podem estar totalmente certas o tempo todo!
Eu acho que foi o Abraham Lincoln quem disse isso.”
“Eu deixo você estar nos meus sonhos
Se eu puder estar nos seus!”
- eu disse isso.
E aqui vai a letra original:
Talkin' World War III Blues
Bob Dylan
Some time ago a crazy dream came to me
I dreamt I was walkin'
Into World War Three
I went to the doctor the very next day
To see what kinda words he could say
He said it was a bad dream
I wouldn't worry 'bout it none, though
They were my own dreams
And they're only in my head
I said "Hold it, Doc
A World War passed through my brain."
He said "Nurse, get your pad
The boy's insane"
He grabbed my arm, I said "Ouch!"
As I landed on the psychiatric couch
He said, "Tell me about it."
Well, the whole thing started at 3 o'clock fast
It was all over by quarter past
I was down in the sewer with some little lover
When I peeked out from a manhole cover
Wondering who turned the lights on us
Well, I got up and walked around
And up and down the lonesome town
I stood a-wondering which way to go
I lit a cigarette on a parking meter
And walked on down the road
It was a normal day
Well, I rung the fallout shelter bell
And I leaned my head and I gave a yell
"Give me a string bean, I'm a hungry man."
A shotgun fired and away I ran
I don't blame them too much though
They didn't know me
Down at the corner by a hot-dog stand
I seen a man, I said, "Howdy friend
I guess there's just us two"
He screamed a bit and away he flew
Thought I was a Communist
Well, I spied a girl and before she could leave
"Let's go and play Adam and Eve."
I took her by the hand and my heart it was thumpin'
When she said, "Hey man, you crazy or somethin'
You see what happened last time they started."
Well, I seen a Cadillac window uptown
And there was nobody around
I got into the driver's seat
And I drove down 42nd Street
In my Cadillac
Good car to drive after a war
Well, I remember seein' some ad
So I turned on my Conelrad
But I didn't pay my Con Ed bill
So the radio didn't work so well
Turned on my record player
It was Rock-A-Day Johnny singin'
"Tell Your Ma, Tell Your Pa
Our Loves Are Gonna Grow Ooh-wah, Ooh-wah."
I was feelin' kinda lonesome and blue
I needed somebody to talk to
So I called up the operator of time
Just to hear a voice of some kind
"When you hear the beep
It will be three o'clock,"
She said that for over an hour
And I hung up
Well, the doctor interrupted me just about then
Sayin, "Hey I've been havin' the same old dreams
But mine was a little different you see
I dreamt that the only person left
After the war was me
I didn't see you around."
Well, now time passed and now it seems
Everybody's having them dreams
Everybody sees themselves
Walking around with no one else
Half of the people
Can be part right all of the time
Some of the people
Can be all right part of the time
But all of the people
Can’t be right all of the time
I think Abraham Lincoln said that
"I'll let you be in my dreams
If I can be in yours"
I said that
Por fim, segue o link para a música no You Tube. Aproveitem, pois é versão do próprio Bob Dylan, coisa cada vez mais rara de se conseguir no You Tube. Vamos ver até quando este link estará disponível:
http://www.youtube.com/watch?v=wloYBMqTr-c
sexta-feira, 11 de junho de 2010
domingo, 6 de junho de 2010
Brasil
Quando olhamos a exorbitância de dinheiro que produz o Brasil, não há como deixar de lamentar o atraso em que vivemos, pois ele parece ser tão superável, se apenas tivéssemos a possibilidade de alguma organização.
500 bilhões atingiu-se neste dia, da arrecadação anual de tributos. O fato foi noticiado nos jornais. Assim como a imagem do nosso presidente, Lulinha, fazendo “humor”, debochando das pessoas “atrasadas”, que vivem em países dos quais se orgulham porque pagam “9, 10%” (do PIB – SIC) de impostos. Vale a pena ver a carinha de nosso presidente, "tirando onda", do alto de sua sabedoria: http://g1.globo.com/videos/jornal-nacional/v/os-brasileiros-ja-pagaram-r-500-bilhoes-em-impostos-este-ano/1275672/#/Edições/20100602/page/1
Aqui no Brasil pagamos perto de 40%. Recentemente, noticiaram também os jornais, chegamos no dia da liberdade dos impostos, 28 de maio. É a data em que, brasileiros, deixamos de pagar nosso tributo de servidão, no final do quinto mês do ano. Até então, trabalhávamos pro “sócio”, o Estado. O sócio que te impõe e te achaca, mas que não assume responsabilidade.
O ano todo vamos passar vendo as notícias das roubalheiras, que criatividade têm os nossos bandidos! E que cara de pau, são apanhados rindo, absolutamente convictos de sua impunidade. Vemos às centenas e aos milhares, apanhados com a mão na massa, com a boca na botija, atolados e afogados em merda, e NÃO DÁ NADA. Continuam nos seus carguinhos aqui e nos seus carguinhos ali, viajando pra Niuiorqui e Parí (os chefes da máfia). Mas o nosso povinho, desdentado e careca, esse pode dormir orgulhoso, de pagar os seus 40% de imposto, e de ter um presidente tão sensível às suas aspirações.
Pra aula de matemática: 500 bilhões, pra uma população de 200 milhões, arredondando pra mais, e incluindo até bebês de colo. Dava R$ 2.500 pra cada um. Incluídos os bebês de colo. Isto porque estamos em maio. No nosso ritmo, poderíamos dar um salário de R$ 2.500 pra cada habitante deste território, em maio, outro salário de R$ 2.500 em outubro, e ainda sobraria 200 bilhõezinhos prum abono de final de ano, uns R$ 1.000 pra cada. CA-DA HA-BI-TAN-TE. Até os que fazem gugu dadá. Não tá bom, não? Isto é só o que o Estado arrecada. Cada habitante do nosso território poderia ganhar R$ 500 por mês, o que é praticamente igual ao salário mínimo. Mas aí, fantasticamente, incompreensivelmente, desavergonhadamente, falta um médico, e falta um policial, e falta um professor, e o processo nunca é julgado, e não se tem o hospital, e não se tem o remédio, e não se tem o livro, ou o giz, ou a sala de aula, e o fiscal aperta pela “caixinha”, e se enlouquece de cachaça a torto e direito, e se briga e se máta por dez “real”, e o país é um inferno!
O que não falta é a passagem de avião pra levar namorada e sogra pra Disney, o que não falta é nenhum luxo, nenhuma mordomia, nenhum cargo bem remunerado pro mordomo, ou pro motorista, ou pro namorado da neta.
Deixa para os iludidos (os que se podem dar ao luxo de ser), encher a boca pra falar do SEU GOVERNO, dos aplausos todos que recebeu, de toda aquela gente fina e importante. Podem rir com seus vinhos caros, e seus charutos, e seu uísque importado, e tantas graças que fazem a vida tão feliz. Mas a mim, como a Fernando Pessoa, não podem converter a convicção. Somos lúcidos. http://arquivopessoa.net/textos/553
E não me parecem outra coisa que um bando de canalhas, ladrões cínicos, desavergonhados, impudentes, asquerosos. Porcos chafurdando na lama, hipócritas, mentirosos, vampiros. “And I hope that you die /And that your death will come soon” (Bob Dylan – Masters of war).
500 bilhões atingiu-se neste dia, da arrecadação anual de tributos. O fato foi noticiado nos jornais. Assim como a imagem do nosso presidente, Lulinha, fazendo “humor”, debochando das pessoas “atrasadas”, que vivem em países dos quais se orgulham porque pagam “9, 10%” (do PIB – SIC) de impostos. Vale a pena ver a carinha de nosso presidente, "tirando onda", do alto de sua sabedoria: http://g1.globo.com/videos/jornal-nacional/v/os-brasileiros-ja-pagaram-r-500-bilhoes-em-impostos-este-ano/1275672/#/Edições/20100602/page/1
Aqui no Brasil pagamos perto de 40%. Recentemente, noticiaram também os jornais, chegamos no dia da liberdade dos impostos, 28 de maio. É a data em que, brasileiros, deixamos de pagar nosso tributo de servidão, no final do quinto mês do ano. Até então, trabalhávamos pro “sócio”, o Estado. O sócio que te impõe e te achaca, mas que não assume responsabilidade.
O ano todo vamos passar vendo as notícias das roubalheiras, que criatividade têm os nossos bandidos! E que cara de pau, são apanhados rindo, absolutamente convictos de sua impunidade. Vemos às centenas e aos milhares, apanhados com a mão na massa, com a boca na botija, atolados e afogados em merda, e NÃO DÁ NADA. Continuam nos seus carguinhos aqui e nos seus carguinhos ali, viajando pra Niuiorqui e Parí (os chefes da máfia). Mas o nosso povinho, desdentado e careca, esse pode dormir orgulhoso, de pagar os seus 40% de imposto, e de ter um presidente tão sensível às suas aspirações.
Pra aula de matemática: 500 bilhões, pra uma população de 200 milhões, arredondando pra mais, e incluindo até bebês de colo. Dava R$ 2.500 pra cada um. Incluídos os bebês de colo. Isto porque estamos em maio. No nosso ritmo, poderíamos dar um salário de R$ 2.500 pra cada habitante deste território, em maio, outro salário de R$ 2.500 em outubro, e ainda sobraria 200 bilhõezinhos prum abono de final de ano, uns R$ 1.000 pra cada. CA-DA HA-BI-TAN-TE. Até os que fazem gugu dadá. Não tá bom, não? Isto é só o que o Estado arrecada. Cada habitante do nosso território poderia ganhar R$ 500 por mês, o que é praticamente igual ao salário mínimo. Mas aí, fantasticamente, incompreensivelmente, desavergonhadamente, falta um médico, e falta um policial, e falta um professor, e o processo nunca é julgado, e não se tem o hospital, e não se tem o remédio, e não se tem o livro, ou o giz, ou a sala de aula, e o fiscal aperta pela “caixinha”, e se enlouquece de cachaça a torto e direito, e se briga e se máta por dez “real”, e o país é um inferno!
O que não falta é a passagem de avião pra levar namorada e sogra pra Disney, o que não falta é nenhum luxo, nenhuma mordomia, nenhum cargo bem remunerado pro mordomo, ou pro motorista, ou pro namorado da neta.
Deixa para os iludidos (os que se podem dar ao luxo de ser), encher a boca pra falar do SEU GOVERNO, dos aplausos todos que recebeu, de toda aquela gente fina e importante. Podem rir com seus vinhos caros, e seus charutos, e seu uísque importado, e tantas graças que fazem a vida tão feliz. Mas a mim, como a Fernando Pessoa, não podem converter a convicção. Somos lúcidos. http://arquivopessoa.net/textos/553
E não me parecem outra coisa que um bando de canalhas, ladrões cínicos, desavergonhados, impudentes, asquerosos. Porcos chafurdando na lama, hipócritas, mentirosos, vampiros. “And I hope that you die /And that your death will come soon” (Bob Dylan – Masters of war).
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