sábado, 17 de outubro de 2009

Modernidade

A modernidade trouxe tais horrores que assustou a humanidade, por um bom tempo. Ela gerou uma ideologia, a do progresso infinito, a de querer sempre mais, a qualquer preço, a dos vencedores sem mácula. E esta ideologia cobrou alto preço.
Esqueceu-se da humildade. Humildade virou palavrão. Pensava-se que a absoluta satisfação estava logo ali na porta, e que se o presente não era um mar de rosas, a culpa era de uns tantos tipos “fora de moda”, que não permitiam este dia sem nenhuma tristeza.
Pensando-se em retrospectiva, parece uma ilusão bem louca. Mas quem diz que não estamos delirando justo agora? Quem poderá saber?
E esta ilusão da modernidade gerou muito ódio. Uma insatisfação muito ressentida, uma exigência muito exagerada. Por conta desse ódio, muita gente teria que pagar. A Revolução Francesa começou pedindo muito sangue. Depois veio o ódio dos comunistas, dos nazistas, dos fascistas. Sempre em nome destes grandes ideais: liberdade, fraternidade, igualdade. Sempre em nome de algum tipo de progresso. No filme documentário A Arquitetura da Destruição enxergamos claramente a cultura da Alemanha nazista: um sonho idílico, pastoril, uma volta a um passado idealizado que prometia segurança. Um sonho de comunidade perfeita, como numa romântica/primitiva tribo, só que usufruindo das conquistas da tecnologia. Homens que trabalhariam juntinhos, em camaradagem, e retornariam para felizes lares mantidos por belas e sorridentes donas de casa/pastoras.
Claro que tanto desequilíbrio pro lado da luz cobraria uma contra-partida bem alta de sombras. Monstros disformes assombravam este Paraíso, na forma dos disformes, grotescos, doentes de corpo e de alma. Pobres loucos, dementes, em asilos, eram apontados e vistos como seres que seria muito melhor que não existissem. E, de fato, passaram a ser exterminados metodicamente, na calada da noite. Era preciso calar toda a voz da consciência, ser o tão proclamado “super-homem”, para dar cabo desta tarefa suja. Mas os nazistas poderiam fazê-lo, porque eram o “homem superior”.
E é claro, havia os judeus. Estes seriam piores ainda do que os dementes, pois esses, na ideologia oficial, eram os perversos que conscientemente se opunham ao mundo dourado nazista. De alguma forma, os judeus conseguiam controlar toda a realidade. E se um nazista envenenava um pobre débil mental, isto também deveria ser por culpa de alguma manobra dos judeus. Não faz sentido, eu sei, mas é assim que funciona o mecanismo do bode expiatório. E os judeus serviram para canalizar todo aquele ódio recalcado pelos brilhantes, perfeitos, nazistas.
E histórias semelhantes aconteciam na Itália fascista, na União Soviética comunista. O demônio da ideologia possuía, cegava, enlouquecia suas vítimas. Dostoievsky descreveu muito bem o processo no extraordinário romance Os Demônios. Cada movimento destes pretendia inaugurar um novo mundo para um novo homem. O único empecilho que viam era alguma classe/raça/grupo que impediam os seus grandiosos planos; eram os discordantes, os diferentes, os que não se encaixavam no cenário de perfeição imaginado por estes “mestres iluminados”.
Para os discordantes, logo logo um Processo de desumanização era iniciado. Estes discordantes não eram pessoas comuns, boas, pois impediam a felicidade geral. Não eram sequer pessoas, então poderiam ser escravizados, exterminados, humilhados, sem qualquer retaliação ou remorso. A modernidade negava qualquer sentimentalismo, loucamente pensava que seguia os ditames da Razão, se é que existe esta entidade em algum reino de Idéias. Na Revolução Francesa, inclusive, desentronaram o velho Deus, da “decrépita” tradição, para adoraram uma suposta “nova deusa”, justamente ela, a Razão...
Como se diz, entretanto, não se deve chorar pelo leite derramado. É sempre uma nova humanidade que se apresenta, com cada nascimento. E é para o presente que o homem vive. A ideologia da transformação radical do mundo já não empolga tanto as mentes, graças a Deus. O homem vai se acostumando com a modernidade, e vai percebendo que não pode elevar tão alto sua esperança no sentido de que a modernidade poderia alterar a condição trágica do ser humano.
E é bom termos os pés bem no chão. Esperanças excessivas não trazem mais que ansiedade e frustração. E estas libertam o demônio do ódio, que exige suas vítimas.
É bom termos serviços, confortos, comodidades, abundâncias, que as próprias civilizações buscaram sempre, e que todo homem busca. É bom termos a medicina, e expectativa de vida maior, e alimentos fartos, e menos miséria, desespero, loucura...
Temos um mundo um pouco melhor, na sua média, e isto é motivo de agradecimento e de júbilo. Tudo foi construído por nossos antepassados, com muita luta e bravura, enfrentando a mesma condição trágica que é a nossa. E a responsabilidade também é nossa, de evitar o mal e aumentar o bem, para este mundo.
Hoje, parece ter fugido a fase de desesperado Romantismo. Aquela Juventude Dourada que EXIGIA O MUNDO, E EXIGIA AGORA! Hoje, parece que enxergamos que apesar de todo o muitíssimo bem vindo bem que trouxeram as novas ciências, as novas atitudes, a nova racionalidade do homem, elas não podem fazer do homem um ser distinto da sua própria natureza, ou fazê-lo escapar de seu destino. Por mais carros/relógios/iates que eu possua, estão ali a solidão e o mistério absolutos da morte. Por mais que as condições de vida evoluam, está ali a pobre criança louca que ninguém conseguiu salvar. Estão ali as decisões irrevogáveis, difíceis. A aceitação deste “princípio de realidade”, por dolorosa que seja, paradoxalmente nos liberta de uma ansiedade pela vida que, sendo ela própria um mal, não realiza tampouco qualquer bem.
Ninguém vai se livrar do cutelo do destino por ficar pensando no seu golpe. Vive-se, loucamente, sem razões que o justifiquem, mas vive-se. E é melhor estender a mão pro ser humano do lado, ainda mais, quanto mais fraco e indefeso ele for, e esperar que amanhã façam o mesmo por você.

Sangue por Glória

Sangue por glória é um filme de John Ford, de 1952, contando a história de um regimento americano na França da Primeira Guerra.
Ele se fixa mais nos relacionamentos humanos que nas cenas de guerra propriamente ditas. E o foco vai em uma conturbada relação vivida por um capitão (James Cagney), um sargento (Dan Dailey), e uma francesa em disputa (Corinne Calvet). Todos são vividos por excelentes atores. E principalmente James Cagney se destaca, em uma atuação que lhe exige muito. Não pára de acontecer coisas no filme, tão díspares quanto comédia pastelão em batalhas, dor profunda, esperança, honra, inconsequência. E para tudo está Cagney, já não mais um garoto, mas esbanjando sua distintiva vitalidade em cena.
Trata-se de um filme baseado em uma peça de Maxwell Anderson e Laurence Stallings, o que explica o enfoque mais humano e intimista. Não há sequer uma grande batalha, como nos acostumamos a ver nas telas, o que até desaponta um pouco. Mas sobram ação e sentimentos. Os americanos invadindo o bar da cidade francesa é um momento de ação febril e cômica; acontece um (quase) casamento, uma cena de amor tão profunda que vai ao surrealismo, grandes cenas de treinamento, de disputas, de bravura, de sentimento. John Ford e seus atores mantêm-se com as mãos ocupadas todo o tempo, não têm medo de beber pesado, ou trocar socos e tiros. O tempo todo alguma coisa acontece, não como filmes que duram duas horas girando sobre o nada, e Ford ainda encontra o tempo para os seus emotivos números musicais.
Um filme de grandes qualidades, portanto, que vale a (re)descoberta.
Cotação: **** muito bom

Milagres

Pra quem nunca viu um milagre:

http://www.youtube.com/watch?v=xg1LcHAaP80

The times they are a´changin - Bob Dylan

http://www.youtube.com/watch?v=q1NAab3tAaw

Obs. Pra quem não sabe, do lado do vídeo do You Tube, tem uma caixa e um link: mais informação. Clicando nele, frequentemente, e como no presente caso, vêm umas informações interessantes sobre a música/vídeo.

Vai a letra, hino do protesto, profética, espantosa, misteriosa. Ver Bob Dylan, tão jovem, levando esta canção tão gigante sozinho, violão e gaita, é emocionante, e um assombro.


Venham se reunir ao redor pessoal,
De onde quer que vocês caminhem a esmo,

E admitam que as águas
Ao seu redor cresceram

E aceitem que bem logo
Estarão encharcados até os ossos

Se o seu tempo pra vocês
Vale a pena ser salvo

Então é melhor que comecem a nadar
Ou afundarão como uma pedra

Porque os tempos
Eles estão mudando

Venham escritores e críticos
Que profetizam com sua caneta

E mantenham os olhos bem abertos
A oportunidade não virá novamente

E não falem cedo demais
Pois a Roda continua a girar

E não há como dizer
Quem ela vai nomear

Pois o perdedor de agora
Vai mais tarde vencer

Porque os tempos
Eles estão mudando

Venham senadores, congressistas,
Por favor, atendam ao chamado

Não parem no caminho da porta
Não congestionem o corredor

Pois aquele que vai se ferir
Será aquele se atolou no caminho

A batalha lá fora
Rugindo

Vai logo sacudir suas janelas
E fazer ruir os seus muros

Porque os tempos
Eles estão mudando

Venham mães e pais
De toda terra ao redor

E não critiquem
O que não conseguem entender

Seus filhos e suas filhas
Estão além do seu comando

Sua velha estrada
Rapidamente envelhece

Por favor, saiam da nova
Se vocês não puderem emprestar suas mãos

Porque os tempos
Eles estão mudando

A linha ela está traçada
A maldição ela está lançada

O lento agora
Será mais tarde rápido

Como o presente agora
Será mais tarde passado

A ordem está rapidamente
Se esvaindo

E o primeiro agora
Será mais tarde o último

Porque os tempos
Eles estão mudando