terça-feira, 27 de novembro de 2012

Conto de uma noite de horror


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Ora, quem diria. Depois da carga inesgotável de chuva, o céu fechado da manhã se tornando aguaceiro da tarde, agora uma bela lua surgia colorindo de prata as nuvens esparsas. O ex-coronel registrou racionalmente o pitoresco da paisagem. Aquilo devia ser belo, sem dúvida, mas a visão de um grande cachorro parado na rua trouxe uma nota de inquietação aos pensamentos do ex-coronel. Sem perceber, apertou o braço para sentir o volume da arma em um coldre atravessado no seu peito.

Agora, o cachorro se moveu, abrindo passagem, e o ex-coronel se apressou em tomar o outro lado. Com alívio, refletiu como era importante não demonstrar medo, quando em situação de perigo. “Ainda bem que este cachorro não veio pra cima de mim”.

E pelas ruas desertas o ex-coronel apertava o passo. Queria chegar logo ao conforto do lar, não conseguia passear tranquilo. Ainda mais à noite. Ainda mais pelas ruas desertas.

Acendeu um cigarro, tragando fundo, e sentindo a nicotina abafar seus nervos agradecidos. O fôlego não andava bom, mas isso agora não importava. E o ex-coronel devaneou para um tempo em que era o chefe da divisão de torturas do exército. Temido e odiado, mas naquela época ele tinha poder. E quem é que mexeria com ele, sabendo o que ia lhe acontecer?

40 anos que se passaram, e sumiram como um sonho... e como se esgotara depressa, toda aquela confiança... naquele tempo, os militares é que tinham o poder, eram eles que mandavam... decidiam, e as coisas aconteciam. Vidas e vidas, e algumas ilustres, se acabaram por aquela força que ele tinha nas mãos...

Ver os prisioneiros chegando para os interrogatórios, alguns assustados, alguns arrogantes, mas mesmo estes nervosos, anotar seus pertences, um paletó, uma gravata, meia dúzia de livros... E então, a salinha, a surpresa, o horror, a descrença, quando o primeiro soco reverberava, arrancando alguns dentes... 3, 4, 5, chutando as costelas, pisando com a bota na cara. E às vezes algum instrumento, algum choque elétrico, corpos amarrados que se convulsionavam, e os gritos de raiva, os gritos de desespero, os gritos de dor...

Quanto poder, e se esvaíra, e agora era como se nunca houvesse existido. Sentia-se amarrado a uma grande Roda, que num momento o arrastou a um ápice, no outro momento despencou para esmagá-lo.

Como pudera acontecer? Eu era um homem, e este homem desapareceu, deixando este outro homem como um sobrevivente. Aquele homem temido, aquele homem terrível, constantemente embriagado de uísque, e que vociferava e rosnava, olhava no olho de um prisioneiro, e via o terror naquele olho... e o que eu via era a mim, naquele espelho.

Eu então não sabia, eu trocaria de papel com aquele pobre coitado. Eu já não meteria medo, eu sentiria medo, muito medo, um medo terrível, um medo arrastado pelos anos, carregado pra dentro de minha velhice...

Dois homens caminhavam na direção do ex-coronel. Aquele ódio que ele sentira girando ao redor nos seus dias de dragão agora se materializava na forma de dois homens carregando revólveres, avançando para ele. O ex-coronel esperara por isto, por muito tempo. Ele sacou a sua arma, disparou duas vezes, mas as suas balas não atingiram o alvo. As balas dos dois homens sim, atingiram o ex-coronel no peito, rasgaram a sua carne, perfuraram os seus órgãos.

Choque.

Queda.

O fim.

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