sábado, 15 de dezembro de 2012

Duas Vidas

Duas Vidas

Talvez ele
Que tenha passado fome na infância

Conhecido a náusea e a vertigem
Conhecido a dolorosa humilhação

De ter invejado um pedaço de pão

Talvez ele
Enfraquecido e tuberculoso de fome

Tenha superado qualquer pensamento vão de glória

Tenha ficado livre para viver sem ódio e rancor

Tenha atravessado uma parede de fogo
Saído incólume do outro lado

Enquanto que aquele
nascido em grandes de ouro

A quem amor faltou

De estômago cheio
E de cabeça vazia

Roído de secreto verme agora

Tenha despejado uma chance
Pela ladeira abaixo

Cruel e covarde com o fraco
Covarde e submisso com o rico

Amante da morte
Amante da guerra

Não tenha aprendido nada
Um fósforo riscado

Um completo desperdício

Condição humana

Condição humana

Entalhado entre dois Absolutos
Absoluto Tudo
Absoluto Nada

Ser que carrega todos os sonhos do Universo

Verme de um recanto de Sistema Solar

Que é absurdo existir
Mas existe

O que este ser significa?

O que sabemos nós?

Portadores de todas as Histórias do Universo
Fundadores de qualquer História
E da própria noção de História

Grão de poeira
Matéria de estrelas

Mas carregado das sensações de um deus

Pelo cuidado e respeito devidos
A um pequeno ser

O outro?
Nós mesmos?

E que carrega uma terrível maldição...

Ser dividido
Entre o Infinito Bem
Entre o Mal Infinito

Terríveis dores
Tremendos dons

Como distingui-los
quando é um o lado da moeda do outro?

Entre o Eterno e o Vazio
Entre a Esperança e o Desespero

O Santo e o Depravado
O que estende a mão e o que apedreja

Dois Abismos vertiginosos...

Duas Retas paralelas...

E Tudo aspira à Unidade...

Tudo convergindo para um profundo Oceano...

Tudo mergulhando em um insondável Futuro...

O que sabe a folha descendo um trecho do Rio?

Grão de poeira
Animado por um Sopro

Grão de poeira que fala
Grão de poeira que sente

Grão de poeira que sofre
Grão de poeira que ri

Grão de poeira
Senhor de todos os sonhos

Grão de poeira que tem uma História
Grão de poeira que cria uma Filosofia

Grão de poeira entre dois abismos que aterram a mente...

Grão de poeira
O Bardo

O Bobo e o Rei

Grão de poeira que é Nada
Portador de um Sopro que é Tudo

Grão de poeira
Anjo que é Demônio

Alto que é baixo

Grão de poeira uma grande Roda
Exaltando e esmagando

Grão de poeira
Não existe um centro que é fixo

Grão de poeira
cada mente uma circunferência

Grão de poeira
Nesta Roda que gira

Grão de poeira
Entre o Abismo que é Tudo

Grão de poeira
Entre o Abismo que é Nada

Grão de poeira
Vitorioso na guerra

Grão de poeira
Apunhalado nas costas

Grão de poeira
O Rejeitado de ontem

Grão de poeira
O Salvador de amanhã

E o que traz escondido
O nascer de cada dia?

Deus o sabe.
E Deus é bom.

Leviathan strikes again!




Formidável o timing dos protagonistas dos nossos principais acontecimentos:

Primeiro, Marcos Valério, ressentido com seu papel de bode expiatório, um mero empresário inescrupuloso, querendo enriquecer de modo rápido e fácil, é usado e abusado por nossa elite de poderosos para intermediar seus negócios escusos, num amplo espectro de esquemas podres, empréstimos fraudados, grandes contratos, e até leis, feitos sob encomenda, para grupos empresariais, banqueiros, publicitários, dentre outros partícipes ilustres, poderem faturar bem alto, poderem também, está claro, ofertar generosas contribuições de campanhas, numa atividade orquestrada, uma ação entre muy amigos, os homens de poder, “ajude-nos a manter o poder”, e os homens de dinheiro, “ajude-nos a fechar grandes negócios”, uma mão lava a outra, suja a outra, “unidos venceremos, unidos contra os patos, você faz a mira, eu puxo o gatilho, você é nosso, nós é teu”...

Marcos Valério, dizia, puxou 40 e poucos anos, enquanto o poderoso-mor (dentre os que foram acusados, está claro), o Ministro Chefe do “Cara”, a cabeça coroada entregue numa bandeja para satisfazer a sanha vingativa do populacho, saía-se com meros 11 anos de prisão, e amplas possibilidades, considerando-se a idade avançada do acusado, e os “notórios e relevantes serviços prestados pela ilustre figura para o bem do país”, e um conveniente atestado médico dando conta de forte crise de estresse que acometeu subitamente nosso “herói do Brasil”, de ser cumprida em regime domiciliar, quem sabe até, com o fito de reabilitar socialmente o condenado, e promover sua reinserção no mercado de trabalho, proporcionando-lhe o ensejo de continuar a exercer suas atividades remuneradas de conselheiro de mega-empresários, multi-miliardários, com interesses na exploração de petróleo e outras riquezas naturais de nossa pátria amada, idolatrada, salve, salve.

E tal desproporção, tal flagrante injustiça, e a sensação de ter sido usado, abusado, depois descartado, envenena e tortura o coração de Marcos Valério. Empresário-rampeira, a serviço dos revolucionários para satisfazer-lhes os baixos instintos. Eles te usam, mas eles te desprezam. Depois que atingiram o seu objetivo, que conseguiram o seu prazer, prefeririam que você não existisse. Prefeririam te sufocar com o travesseiro, garantindo que você nunca contaria o que aconteceu.

Pro companheiro, mesmo com uma pena moleza, os revolucionários tiveram fúria e ranger de dentes. Pra você, sangrando na rua da amargura, um virar de costas, um “não te conheço”. Entre os dentes: “é melhor pra sua saúde continuar bem quieto”.

E o Valério, então, desabafa: para duas Procuradoras da República, ele resolve contar o que sabe, e mira em ninguém menos que no Grande Ausente, o beneficiário último do esquema, aquele sob cujo desgoverno aconteceu o desatino: ele mesmo, sr. Luiz Inácio Lula da Silva, o homem que sabia de menos.

“Nada disso”, afirma Valério. “Sabia muito, sim, e aprovou tudo”. Oh, grande surpresa! Oh, que revelação! O Rei estava nu, este tempo todo! Segredo de polichinelo, como se pode ver, mas ainda assim o suficiente para colocar nossos revolucionários em polvorosa:

“É golpe da direita raivosa! É complô orquestrado pela mídia golpista!” - o blá blá blá de costume.

Mas agora acompanhado de medidas concretas, e, olhem só, parecem orquestradas:

Primeiro, todo mundo viaja, vai pra longe do país, construindo um alibi. Por imensa coincidência, Lula e Dilma se esbarram em Paris, oh, você por aqui?, realizam uma entrevista de 3 horas, a portas fechadas. Tudo normal, normalíssimo, diz nossa consciência de cordeiros no altar... No dia seguinte à tal entrevista a portas fechadas, a PresidenTA vem a público dizer do absurdo de se suspeitar de um grande homem... aquele santo, aquele ser incomum, teve até uma ministra deste Governo, dona Marta Suplicy, que não hesitou em chamar o sr. Inácio de Deus... e alguém vai querer investigar este homem? Isto é pior do que um crime, isto é blasfêmia... nossas leis, nossas instituições, nada disso se aplica, em se tratando deste homem... sim, sim, todos são iguais perante a lei, mas não vamos exagerar! Uns são mais iguais do que os outros, é o que nos afiança nossa PresidenTA. Queriam o quê? Chegar até este zênite, e não pagar o seu preço? É a hora de pagar, é a hora em que o Padrinho chama... Não adianta fazer cara feia, fazer cara de durona, botar banca... isso é lá pros subordinados, mas aqui é o peixe grande... vamos fazer o seguinte: sai todo mundo do país, nada como uma bela viagem pra espairecer, recobrar o ânimo...

A PresidenTA, o vice, o presidente da Câmara... tudo fora do país.

E quem é que fica na Presidência da República? Quem é que retorna, depois de muitos (não o bastante) anos? Nosso presidente do Senado, sr. José Ribamar Sarney, nosso zumbi bigodudo, nosso Drácula em que deixaram cair uma gota de sangue, e assim retomou à vida.

Péssimo auspício, mas tem muito mais. Chegou a hora de dar o troco.

Jornal O Globo, 13.12.2012: “o PT entrou com reclamação na corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público. O partido pediu investigação de conduta funcional e processo disciplinar contra a subprocuradora Cláudia Sampaio e a procuradora Raquel Branquinho, que ouviram o depoimento de Valério.”

Ou seja: um órgão do Estado, responsável por ajuizar ações criminais, não pode ouvir o depoimento de um criminoso que confessa crimes. Absurdo? Mas a força bruta de Leviatã é sempre pródiga pra produzir absurdos. E agora mesmo temos um projeto de lei, com grande apoio no Congresso, que pretende impedir completamente o Ministério Público de participar de investigações. Não por acaso, o projeto já recebeu o apelido nada auspicioso de “Lei da Impunidade”... coisas de Leviatã...

E não para nisso. Na mesma reportagem:

“Além de usar a força da maioria para brecar qualquer tipo de convocação de ministros ou envolvidos na Operação Porto Seguro e nas denúncias recentes do operador do mensalão, Marcos Valério, os aliados partiram para o ataque. Aprovaram convite para que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o atual procurador-geral da República, Roberto Gurgel, compareçam à Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência.”

Ou seja: o Congresso chamar pra depor investigados dos maiores esquemas atuais de corrupção do Poder Público não pode. Chamar pra depor um ex-presidente, líder da Oposição, e o procurador-geral da República, pode. Mas é pra depor sobre o quê, mesmo, senhores revolucionários?

“Sei lá, isso na hora a gente vê. O importante é retaliar, mostrar força, não ficar quieto enquanto nosso guia, nosso líder, nosso deus, sofre com blasfêmias e heresias”.

Leviatã mostra suas garras... esperem por muito mais, pois quando os afabilíssimos Roberto Gurgel e FH são colocados na linha de tiro, é porque a coisa tá feia... não se pode sair um milímetro da linha traçada por nossos revolucionários, sob pena de retaliação severa.

“Ich, Heil!”

Gurgel já tinha prestado relevantes serviços pra importantes figurões do grupo, recusando-se a investigar o formidando crescimento patrimonial de Antonio Palocci, dentre outros favores. Foi inclusive reconduzido ao cargo pela própria presidenTA Dilma. Mas porque foi obrigado a fazer o mínimo indispensável, sem o quê ficaria com cara de tacho, no caso do mensalão, incorreu na ira petista.

Quanto ao sorridente e bonachão FH, manso líder da nossa inofensiva Oposição, deve ter entrado na roda por conta de dois artigos de jornal mais desaforados, recentes...

Ou seja: dá um frio na espinha pensar em quais serão as novas manobras de Leviatã, por baixo dos panos... Leviatã, depois que começa, só se satisfaz com milhões de vítimas.

Enfim, talvez o jogo fique mais claro assim, sem máscaras.



Ninguém quer fazer um sacrifício

Ninguém quer fazer um sacrifício

Um sacrifício pessoal, bem entendido.

O sacrifício de outra pessoa
O sacrifício do próximo

É perfeitamente negociável
é uma lógica interna

O mundo é para mim
nos dizem nossos cromossomos

Nos dizem nossos genes
Nos diz a nossa alma

O mundo
é um grande parque de diversões

Planejado para extasiar-me

Mas eu preciso jogar o jogo

Eu preciso ser o mais esperto,
O melhor, o mais hábil

O mais rico
O mais podre de rico

Que me importa minha liberdade?

Que eu só vou sentir o infinito valor
depois que a tiver perdido?