quarta-feira, 25 de setembro de 2013

As Ligações Perigosas


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Choderlos de Laclos (1741-1803)



Leio, com deleite e horror, um clássico da literatura: As Ligações Perigosas (1782), de Choderlos de Laclos.

Um texto clássico da literatura, e da literatura “maldita”.

A trama, muito bem arquitetada, mostra, inteiramente através de cartas que revelam os pensamentos mais íntimos dos personagens, os jogos de poder, de sedução e de vingança de dois nobres, o Visconde de Valmont, e a Marquesa de Merteuil.

Valmont é vaidoso, sua vaidade é alimentada por aquilo que é mais valorizado em sua sociedade: a conquista de mulheres, quanto mais difíceis, melhor. "Essa embriaguez dos sentidos, talvez esse delírio de vaidade..."

Na verdade, quase nunca havia dificuldades, pois as mulheres naquela sociedade entregavam-se à mesma vaidade e à mesma disputa. Apenas, tinham de disfarçar mais e melhor.

É o caso da marquesa. Ela se tornou a mestre da dissimulação. Valmont podia se dar ao luxo de apregoar seus feitos, isto lhe causava alguns embaraços, mas muito maior era a satisfação e o orgulho que lhe proporcionavam. Era invejado pelos homens e cobiçado pelas mulheres.

Já a marquesa só podia saborear suas vitórias em silêncio.

Talvez por isso se entregasse à correspondência com Valmont com volúpia. Revelava-se por inteiro naquelas cartas, logo ela, tão prudente, entregando seu disfarce de modo tão definitivo... de fato, a revelação de suas cartas será a sua perdição no final do livro, quando entrar em guerra com Valmont, guerra que perderá a ambos. Freud explica este desejo de destruição...

Mas já estou no final do livro. Voltemos à trama para mais algumas observações.

Valmont deseja o desafio que lhe trará maior glória. Deseja possuir uma mulher de fato possuída pela virtude. Alguém que não está representando um papel, que acredita em tudo aquilo. Maior a dificuldade, maior o prêmio. E se entrega ao assédio a uma mulher casada que passa os dias na casa de sua tia (de Valmont).

Ela resiste o quanto pode, e Valmont ainda se dá ao luxo de adiar sua vitória para melhor apreciar a submissão completa daquela vontade ao seu poder.

Quando isto acontece, Valmont percebe que o resultado de toda uma vida entregue à humilhação do amor resulta em não se poder amar.

Valmont tanto humilhou, tanto desacreditou, tanto menosprezou, o amor, que o amor resolveu se vingar, e de forma terrível.

"Algum dinheiro para o porteiro e alguns cumprimentos para a mulher dele bastaram.. Podeis imaginar que Danceny não soube descobrir um meio tão simples! E se diz que o amor abre a inteligência. Ao contrário, embrutece a quem domina. E eu não saberia defender-me? Ah, ficai sossegada. Já dentro de alguns dias irei enfraquecer, dividindo-a, a impressão talvez demasiado viva que experimentei; e, se uma simples partilha não bastar, saberei multiplicá-la."

Valmont tinha o amor nas mãos, mas não podia deixar de senti-lo como algo estúpido, degradante, vergonhoso, uma imperfeição, uma mácula... ele não poderia deixar de se sentir imbecil, derrotado, humilhado, se ostentasse diante do olhar alheio, diante do olhar próprio, uma fronte de apaixonado.

Lascou-se, porque recebeu o amor completo, daquela que conquistara. Foi mais amor do que poderia ter recebido nas mãos, e ela não poderia ter feito diferente.

Ela caiu por completo, ela se entregou por completo. Para ela, era ou tudo, ou nada.

E despejou todo aquele amor no colo de Valmont, e este viu horrorizado que todo aquele amor não lhe servia para nada...

“Nós nos aborrecemos de tudo, meu anjo, é a lei da natureza, não é minha culpa.

Se hoje, pois, eu me aborreço de uma aventura que me ocupou durante quatro meses mortais, não é minha culpa.

Se, por exemplo, tive tanto amor quanto tiveste virtude, e já é dizer muito, por certo, nada de espantoso em que um tenha acabado ao mesmo tempo que a outra. Não é minha culpa.

Seguem-se daí que há algum tempo te engano: mas, em verdade, tua impiedosa ternura até certo ponto me obriga a isso. Não é minha culpa.

Hoje, uma mulher que amo perdidamente exige que te sacrifique. Não é minha culpa.

Sinto muito bem que te dou uma excelente oportunidade para falar em perjúrio; mas, se a natureza só concedeu aos homens constância enquanto davam obstinação às mulheres, não é minha culpa.

Crê em mim, escolhe outro amante como eu escolhi outra amante. Este conselho é bom, muito bom; se o achares ruim, não é minha culpa.

Adeus, meu anjo, eu te possuí com prazer, deixo-te sem pesar; voltarei a ti, talvez. O mundo é assim. Não é minha culpa.”

Estas as palavras que o Visconde, instigado pela marquesa, envia à sua amada. E o amor perfeito e impiedoso dela, claro, não escolherá outro amante. Ela tem uma crise nervosa que a levará à morte, aquela a quem nem mesmo o ego monstruoso do Visconde pode se opor. Ver o amor mais perfeito, e não poder tocá-lo... imaginem a frustração deste homem, que até certo ponto explica suas reações:

Um ódio profundo, voltado contra si mesmo e contra a marquesa, seu espelho, sua metade... aquela que lhe colocou a espada na mão, e conduziu sua mão para o golpe...

E ainda debochava dele:

“Não foi sobre sua amada, Visconde, que levei vantagem, foi sobre vós. Eis o que é divertido e realmente delicioso.

Sim, visconde, amáveis muito a Sra. De Tourvel, e ainda a amais; e a amais como um louco; mas, como eu me divertia com vos envergonhar disso, corajosamente a sacrificastes. Teríeis sacrificado mil de preferência a suportar uma brincadeira. Aonde nos conduz a vaidade! O sábio tem razão quando diz que ela é inimiga da felicidade!”

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