sábado, 8 de agosto de 2009

Gripe suína e Senado

Segundo a notícia do jornal O Globo de 07.08.2009, até 1 de agosto o Brasil representava apenas 1,8 % dos casos de gripe suína no mundo, mas o número de mortes no país equivalia a 8% do total registrado no planeta. Com os novos óbitos (140), nos poucos dias entre o registro de 1 de agosto até a data em que foi escrita a reportagem, o Brasil já representava 12% dos casos fatais pela infecção no mundo.
Esta notícia, perdida na página 27 do jornal, é um atestado claro da incapacidade do país de lidar com os problemas. Na comparação com a média do resto do mundo, o Brasil tem cerca de dez vezes mais óbitos em relação ao número de infectados. Ou seja, se no resto do mundo, de cem infectados, um morre, no Brasil, dos cem infectados, dez morrem.
Na carta de uma leitora, Célia Cristina da Silva, no mesmo jornal, temos um complemento para a situação descrita. Diz a carta: “Gostaria de um esclarecimento do Ministério da Saúde: houve alguma morte de paciente que recebeu, nas primeiras 48 horas dos sintomas, o antiviral? Se isto não ocorreu, tudo está muito mal administrado, e vidas poderiam ter sido salvas. O pânico das pessoas está muito mais relacionado à indisponibilidade do medicamento do que ao contágio. (...)”
E de fato, embora vejamos sempre na televisão a propaganda do Ministro da Saúde, e manifestações tranquilizadoras de autoridades, os números vão demonstrando o desgoverno costumeiro do país. Como sempre, neste país, investe-se nas aparências, descuida-se da substância. É uma boa estratégia para ser usada num país em que boa parte da população não sabe ler e escrever, e não sabe fazer conta. Se os resultados na solução dos problemas são pífios, o mesmo não se pode dizer dos resultados da manutenção do poder pelos grupos que nos controlam. E manter o poder é o que importa, na nossa tradição de patrimonialismo, e de “primeiro os meus”, e “eu quero é o meu”, e “aos amigos, tudo, aos inimigos, os rigores da lei”.
Temos tudo isso muito claro, numa vista de olhos para o Senado. Como é que se pode esperar Governo, liderança, administração, no país, quando os homens com estas responsabilidades passam o seu tempo nas lutas intestinas pelo poder de fazer os melhores negócios com a pátria amada, mãe gentil? Para estes nobres na sua ilha da fantasia, o país pode se explodir e se afundar em gripes suínas, em miséria, em fuzis nas favelas: eles estão garantidos com os melhores planos de saúde, e com as melhores oportunidades de negócios, e com seguranças 24 horas. Aí o foco passa a ser outro, passa a ser a intriga, e a chantagem, e a tropa de choque, e a ofensa... serão os tais “negócios de gente grande” , estranhamente semelhantes ao que se vê nos jardins de infância; mas diferentemente, e infelizmente, com consequências trágicas.
E assim vai continuar sendo, pois está perfeitamente de acordo com nossas tradições patrimonialistas e fisiológicas, e porque não ensinamos nossas crianças a ler e a escrever e a fazer contas, e um povo ignorante é um povo indefeso à exploração, e facilmente manipulável.
Para mudar isso, não nos iludamos, só vencendo a resistência dos que lucram com este estado de coisas. Os poderosos acostumados às vantagens fabulosas, e à impunidade. É divertida nossa “normalidade”. Parece que cada sujeito que consegue se eleger encontra um poço de petróleo debaixo da sua casa. Pessoas que tinham uma brasília velha e moravam em um quitinete em poucos anos de mandato público compram mansões e jatinhos. Campanhas gastam milhões, dezenas de vezes mais do que os candidatos receberão de salário ao longo dos mandatos. Para garantir suas fontes dos milhões e bilhões estes senhores do poder estarão dispostos a espalhar suas migalhas para muitos e muitos “cooptados”; muitos que receberão também seu quinhãzinho de “regime diferenciado”, suas “vantagens generosas”, seu “direitinho adquirido”, pelo qual não trabalhou, e que não passa nem pelos sonhos do sujeito que lhe engraxa os sapatos.
E assim vamos, neste país. A luta não é para resolvermos nossos problemas, a luta é para entrar na festa, mesmo que na condição de convidado de segunda ou terceira classe. O importante é sermos um dos “espertos”, é nos diferenciarmos do vizinho; porque o que não se diferencia é o que paga o pato, nas filas dos hospitais públicos, nos subempregos de exploração, nos desabamentos da favela.
A luta não é pelo fim do privilégio, para viver num país e numa sociedade mais feliz e justa; a luta é para agarrar algum privilégio, para atirar na cara dos outros algum “sabe com quem está falando?”. Até que (talvez) algum choque de realidade sirva para nos abrir o olho, alguma bala perdida que tire a vida de um filho, mesmo que ele estivesse em algum bairro chique da cidade, ou quem sabe, no desgoverno geral, ser também uma vítima da falta de medicamento para a gripe suína? Teremos, para nos consolar, uma propaganda do Ministério da Saúde, muito bem remunerada, ou um pronunciamento divertido do presidente Lula, de que "nunca antes na História deste país a saúde público se aproximou tanto da perfeição".

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