No diálogo “Protágoras”, de Platão, é narrado um mito da democracia. Vou reproduzi-lo, como aparece narrado no livro “O Julgamento de Sócrates”, de I. F. Stone:
(...) “Diz Protágoras que, quando foi criado, o homem vivia uma existência solitária e não era capaz de proteger a si próprio e sua família dos animais selvagens mais fortes do que ele. Consequentemente, os homens se reuniram para “proteger suas vidas fundando cidades”. Mas as cidades foram conturbadas por lutas, porque seus habitantes “faziam mal uns aos outros” por ainda não conhecerem “a arte da política” (politike téchne) que lhes permitiria viver em paz juntos. Assim, os homens começaram a “se dispersar novamente e a perecer”.
Segundo Protágoras, Zeus temia que “nossa espécie estivesse ameaçada da ruína total”. Assim, enviou seu mensageiro, Hermes, à terra, com duas dádivas que permitiriam aos homens enfim praticar com êxito a “arte da política” e fundar cidades onde pudessem viver juntos em segurança e harmonia. As duas dádivas de Zeus eram aidos e diké. Aidos é um sentimento de vergonha, uma preocupação com a opinião alheia. É a vergonha que o soldado sente quando trai seus camaradas no campo de batalha, ou o cidadão quando é apanhado em flagrante fazendo algo desonroso. Neste contexto, diké significa respeito pelos direitos dos outros. Implica um senso de justiça, e torna possível a paz civil resolvendo as disputas através de julgamentos. Ao adquirirem aidos e diké, os homens finalmente se tornariam capazes de garantir sua sobrevivência.
(...) Hermes lembra a Zeus que as outras “artes” foram distribuídas de tal modo que “um homem que seja possuidor da arte da medicina é capaz de tratar muitos homens comuns, e o mesmo se dá com os outros ofícios”. Hermes perguntou a Zeus se ele devia distribuir a “arte política” a uns poucos eleitos ou a todos. A resposta de Zeus é democrática: “Que cada um tenha seu quinhão” da arte cívica. “Pois as cidades não se poderão formar”, explica Zeus, “se apenas uns poucos” possuírem aidos e diké. É necessário que todos as possuam para que a vida comunitária seja possível. Para reforçar sua lição, Zeus diz também a seu mensageiro: “E torne lei, por mim ordenada, que todo aquele que não possui respeito (aidos) e direito (diké) deverá morrer a morte de um malfeitor público”.
Em seguida Protágoras expõe a moral de seu mito. “É por isso, Sócrates, que as pessoas das cidades, especialmente de Atenas”, só ouvem peritos em relação a questões de conhecimento específico, “mas, quando se reúnem para aconselhar-se sobre a arte política” - ou seja, uma questão geral de governo -, “quando devem ser guiados pela justiça e pelo bom senso, permitem, naturalmente, que todos dêem conselhos, já que se afirma que todos devem partilhar desta excelência, senão os Estados (i.e, as cidades, a pólis) não podem existir”.
Segundo consta, “Sócrates limita-se a elogiar o mito””. ( I. F. Stone, O Julgamento de Sócrates, editora Schwarcz Ltda., 1988, traduzido por Paulo Henrique Britto)
E eu também elogio o mito democrático, com toda a certeza, e peço pra Divindade que conceda muito aidos e diké pro nosso povo. Vergonha na cara e respeito ao direito alheio é o que parece mesmo nos faltar, quando nossos dirigentes se concedem tantos mimos e opulências, vidas “fáceis” na corrupção, pregando a conta nas costas de um povo que, muitas vezes, morre de verme e de fome, e é mantido na ignorância de seu poder e direitos.
quarta-feira, 5 de agosto de 2009
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