domingo, 13 de janeiro de 2013

Falência moral

Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Não são algumas toneladas de pedras ou tijolos ao alto
Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo.
Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes -
Desertas porque não passa por elas senão elas mesmas,
Grandes porque de ali se vê tudo, e tudo morreu.

(Fernando Pessoa, como Álvaro de Campos)


Em 2012 não acabou o mundo? Estamos aí, bobamente comemorando uma ilusão: “O mundo não acabou! O mundo não acabou! Viva, viva!”

Quem disse que não acabou? Para as pobres vítimas de bala perdida, o mundo acabou. Para uma pobre indiana violentada e assassinada por seis covardes, acabou.

Para as crianças assassinadas na escola americana, acabou.

Para a criança de 2 anos, filha de uma mãe de dezenove, estuprada e assassinada por seu padrasto de 19 anos, acabou. Não, não aconteceu em Marte, ou em Júpiter, aconteceu em Marechal Hermes, aqui no Estado do Rio.

Injustiças bizarras, notícias bizarras, triste coleção do pior do ser humano.

O mundo, globalizado, globaliza sua imensa miséria.

Por estas plagas, o Governo maquia a bagatela de 200 bilhões de reais, pra fechar as contas públicas.

Notícias bizarras, injustiças bizarras, misérias bizarras, roubos, e fraudes, e corrupções bizarras, o macro reflexo do micro. O asqueroso covarde que violenta um bebê, o asqueroso covarde que joga o jogo de embolsar milhões por debaixo do pano, os milhões que vão faltar lá na frente, na emergência de um Hospital, pra uma criança que irá morrer à míngua de tratamento...

Como pode o ser humano resistir, se não fosse a Esperança?

Esperança de conquistar dias melhores, dias longe da injustiça, da violência, do absurdo.

Esperança de melhores leis, melhores homens, melhor futuro.

Mas a esperança, por sagrada que seja, pode tornar-se vã, se não houver resistência. Se as decisões e os processos decisórios ficarem nas mãos dos piores homens, os mais corruptos, os mais venais, os maiores exploradores.

Aqueles que se entupiram tanto de sangue que se converteram em legítimos vampiros, cevados na propina, nos esquemas pra desviar bilhões em prol da patota, os repartidores de butim, os grandes justificadores dos saques ao Erário.

“Vamos criar mais um cargo! Mais uma comissão! Mais um Ministério! Mais um rabiscador de papel! Mais um carimbo de exigência! Mais um salário pra rapaziada!”

Tudo, claro, com justificativas no Interesse Público, na Justiça Social, no atendimento a uma grande demanda da população, etc. etc.

E não mudam o discurso nem com a evidência diante dos olhos, população desdentada, espremida em engarrafamentos, atropelada nas calçadas, morrendo de bala perdida, morrendo porque faltou o médico, sendo tratada como lixo em infinitas repartições, crescendo analfabetas, analfabetas mesmo quando frequentadora de escolas por longos anos, se matando por causa de par de tênis, se matando por conta de 7 reais, se matando a troco de nada, atirando pelas costas na frente do filho, um longo rosário de crueldades, mas isso atinge pouco os que estão lá em cima, com seguranças e grades, e planos de saúde excepcionais, deixando os extorsivos só para o resto da população, “aquela gentalha”, com confortos e mordomias, enquanto o fogo arde aqui embaixo, sempre achando que merece mais um pouco, que são uns grandes e importantes benfeitores deste povo...

Não são estes os governantes que te darão as melhores leis, pode estar certo disso.

Não é pra estes que você pode delegar todo o seu poder, e depois esperar que tudo corra pelo melhor. Esta é uma esperança vã.

Se você quer alguma coisa melhor, precisa responsabilizar-se por isso. Mas quantos brasileiros atenderão ao chamado: “Brasileiros, uni-vos!”

E no mundo? Como convocar o mundo para reformar estes perniciosos valores? “Honestos cidadãos deste mundo, uni-vos!”

De que forma se negaria o alimento com o qual se farta a hipocrisia, a corrupção, a vagabundagem arrogante que exige que o outro trabalhe, mas que não trabalha ela mesma?

De que forma construir um sistema menos desumano, que valorize o trabalho, que valorize o homem pacífico que trabalha, que atende suas responsabilidades, com boa vontade, na medida de suas forças, e que deve ter seus direitos fundamentais preservados, sua intimidade, sua propriedade, sua vida, sua honra. Sua liberdade.

E que deve ter direito ao lazer, ao descanso. E o direito de ter uma oportunidade justa, para estudar, para trabalhar, e ver seus filhos terem esta mesma oportunidade.

Um ser livre, entre iguais. Que belo ideal! E como fazer para realizá-lo, e mantê-lo?

Uma lei igual para todos.

Quer ganhar dinheiro? Então trabalhe honestamente. O Estado complementará a sua renda, a um patamar mínimo, se o trabalho que você é capaz de desempenhar honestamente não lhe proporcionar um retorno compatível com a dignidade humana.

Isto se chama redistribuição; isto se chama proporcionar bem estar para a população.

Isto se chama prestigiar quem trabalha.

E que haja uma escola, única para todos. Pobres e ricos, o filho do pedreiro estudando com o filho do advogado, juntos, na mesma escola. E, junto com eles, o filho do mendigo, do desempregado.

Estudando as mesmas lições, com os mesmos professores, com o mesmo direito de cobrar à escola. Mas, cobrando pouco, ou cobrando nada, de quem pode pagar pouco ou nada. E, proporcionalmente, cobrando algo das famílias que tiverem melhores condições de contribuir.

E na questão tributária? Cobre-se idêntico percentual sobre a renda, para todos. Os que ganham mais contribuem mais, mas sem alíquotas diferenciadas, para mais ou para menos.

Aí está o problema com a Igualdade. Todos a prezam, de boca, todos encontram boas razões para atentar contra ela.

Todos acham normal haver uma regra pra um, e outra regra pra outro. Uma tal diretora do FMI, um tal alto cargo de governo, recebe isenção de imposto. Como se justifica, se a lei tem de ser igual para todos?

Daí, vêm os socialistas, e querem pregar uma alíquota de 75% sobre os mais ricos.

Mas não precisa ser a lei igual para todos?

Esta é a maldita hipocrisia, que cega mesmo alguns inadvertidos. Que juram que se batem pela igualdade, e logo se vêem praticando os maiores despotismos.

Alguns, inadvertidos, outros apenas tirando a máscara que escondia os desejos mais tirânicos.

Pois o que podem falar de igualdade aqueles que deram causa a prisões em massa, assassinatos em massa? Não estavam estes praticando o grau mais elevado de desigualdade entre os homens, desigualdade entre vítimas e carrascos?

Estes, querem igualdade, desde que (este “desde que” é que mata...) os ricos. exploradores. burgueses. conservadores. contra-revolucionários. judeus. bruxas. drogados. homossexuais. negros. mulheres (escolha o seu termo) desapareçam. Ou, pelo menos, conheçam seu lugar na ordem das coisas. Aí, sim, vai poder raiar o sol da liberdade. Aí, sim, vão poder mostrar suas melhores qualidades, aí sim, vão poder ser iguais, entre os justos e bons como eles mesmos.

Esquecem que não há uma característica do ser humano que possa ser destacada do ser humano, restando apenas as características “boas”. Não há um gene da burguesia, ou do exploração, ou da ganância, ou da calhordice, como queiram.

Há um único pobre ser humano, nu, confuso, ignorante, cheio de qualidades maravilhosas e defeitos horripilantes. Igualmente capaz para a grandeza como para a baixeza.

Um único ser humano, que ontem dormiu, que hoje acordou, que foi ao banheiro, e comeu, ou sentiu fome, e que se sentiu uma miséria, e que se sentiu o maioral, e que pensou, e falou, e odiou, e amou. Um único ser humano, algo assim como você e eu.

Um único ser humano, demandando por igualdade. Não, não é possível tratar de forma diferente, o único ser humano. Não é possível dividir: esta classe de ser humano merece viver. Esta outra classe merece morrer.

Serei bons para estes. Ruim para aqueles.

Não é a renda, não é a cor da pele, não é a ascendência, não são hábitos e circunstâncias específicas o que pode servir como critério de diferenciação.

Um único ser humano, você, e eu, e ele. Não é possível amar ao próximo e desamar ao próximo. Amar a si mesmo, e desamar ao próximo.

O ser humano clama por esta igualdade. Isto que ele identifica como a Justiça.

“Fazer ao outro como quereis que vos façam”.

Mas o ser humano se perde quando se deixa tentar pelos privilégios. “Não nos deixei cair em tentação”. Quando se deixa dominar pela ansiedade quanto ao futuro. “Olhai os lírios do campo”.


…............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................


O resumo da história, até aqui.

Nenhum comentário: