terça-feira, 1 de outubro de 2013

Artigo da Hora: Marina e as Regras do Jogo, por Demétrio Magnoli

Para quem acompanha este blog, farei um apanhado de artigos lidos em jornais e revistas, que me agradaram, e que estão relacionados aos temas aqui discutidos (categoria bem ampla). Mas, principalmente, de economia, e política.

Não copiarei o artigo aqui, para não abusar de direitos autorais, mas indicarei o link onde pode ser lido na rede. Basta um clique.

Começo esta série, que batizarei de “Artigo da Hora”, com Demétrio Magnoli, “Marina e as Regras do Jogo”, publicado no jornal O Globo de 26.09.2013:



Crise de Autoridade




Ruas do Rio tomadas, uma zona de guerra, cidade de 6 milhões de habitantes, feita refém, assistindo, hipnotizada, ao seu centro feito palco de um bizarro confronto entre policiais e professores...

É o caos, é o descalabro do país saturando, chegando a um ponto de regorgitar as imundícies longamente acumuladas, esta cena impensável, vergonhosa, uma guerra aberta pelas ruas, a desordem, anarquia, violência, o povo batendo cabeça, quebrando cabeça contra cassetete, nossa incapacidade astral, nossa desorganização profunda, exposta inapelavelmente, desavergonhadamente diante dos nossos olhos incrédulos...

Meu Deus, onde irá parar este filme de horror?

Governadores, prefeitos, presidentes e presidentas, todos fingindo que podem fazer algo de bom ao mesmo tempo que loteiam os bens e os valores públicos para os seus amigos amissíssimos, empresários-financiadores de campanha-executores de milionários projetos públicos-pagadores de mordomias.

Seria preciso ouvir uma voz dando um basta, em meio a este caos, uma voz forte pela moral, despertando alguma dignidade adormecida entre nós, e que comandasse um re-ordenamento.

Faça-se a Luz. E que a Ordem impere sobre o Caos. O Espírito sobre o Vazio.

Pelo verbo se cria, se ordena, discrimina, separa...

Pelo Verbo se funda uma realidade.

Mas qual a voz que terá esta força moral, em meio à crise de autoridade?

Quando os líderes estão se regozijando na corrupção, gastando em Paris o dinheiro roubado nos esquemas de uma população doente e indefesa.

De uma população que perde suas crianças, para a falta de saneamento, para os criminosos fora das grades, para o caos nos hospitais-matadouros, para a ignorância nas escolas-fábricas de aniquilar esperanças...

É preciso esta força moral, para enxergar o óbvio, a bizarria de ver professores em massa clamando por uma reforma no ensino, e sendo espancados e reprimidos pelas forças de segurança.

É preciso gritar: “Este não pode ser nosso ensino! Esta não pode ser nossa escola!”

É preciso apresentar algum plano, e discutir com a sociedade algum plano, para que o professor na sala de aula ENSINE, e o aluno na sala de aula APRENDA.

Sem subterfúgios, sem duplo-pensar, sem novilíngua, sem embargos infringentes.

Mas onde está esta força moral, que dá vida ao Espírito?

Que faz do Verbo agente criador de nossos melhores ideais?

O Coração do Vampiro


O grande mal, tão grande que chega a se converter no único mal, o coração das trevas, o coração do vampiro, é óbvio, é a grande chaga fumegante e putrefata, um lago infecto de corrupção, onde vicejam as harpias e os maus espíritos, no centro desse organismo chamado Brasil...

Algo de podre, no Reino do Brasil...

Algo de podre, pois não.

O abismo, o buraco negro do horror. O Grande Mal, o Grande Nada.

Cuidado ao olhar para o abismo. O abismo olha pra nós.

É a cara afável da corrupção. Os ternos, os carros, as mulheres, os navios.

As festas em Paris.

O dinheiro fácil.

Mas lembrem: não existe almoço grátis.

Para tudo se paga um preço.

Perder a honra. Perder a alma.

Mas as aparências sempre enganam.

Enquanto um pobre é encarcerado com desumanidade.

Enquanto um pobre é torturado, é assassinado.

Os figurões de belos golpes desfilam por aí, mergulhados em dinheiro.

Com as interpretações favoráveis de leis compradas. Com os exércitos de puxa-sacos interesseiros jurando fidelidade canina.

Com as exibições de poder, as exibições de dinheiro.

A máscara caiu.

Este é o grande país, do qual vocês são os filhos, e isto é o que fazem com ele.

Aquele esquema torpe, da sua empresa gastar milhões para comprar uma eleição.

E que, depois, vai ter os melhores negócios garantidos pela pena estatal.

Aquele esquema que custa o preço de condenar um país a este eterno esgoto, a este predomínio do abuso, da exploração.

Aquele esquema que faz com que o país não possa se organizar para oferecer saneamento. Não possa oferecer a merenda, porque será desviada, e custeará o uísque e salão de beleza de primeiras damas.

E, tudo isto, visto, acabará em nada, acabará em pizza.

Se o mal é este, combata-se o mal, exija-se a mudança.

Que a campanha política não possa receber dinheiro de empresas. Só de pessoa física, e com limite por CPF.

Também não nos venham empurrar financiamentos com dinheiros públicos de campanhas.

Acabe-se este outro manancial da corrupção, de tudo fingir resolver pelo despejamento do dinheiro público.

Se as campanhas vão ter menos dinheiro, que as campanhas reduzam seus custos.

Chega de “propagandas informativas”, paradoxos em seus termos, pagas a peso de ouro a nossos mágicos marqueteiros.

Chega de marqueteiros que confessam receber dinheiros “por fora”, serem inocentados nos meandros de Justiças e Justiças.

Chega de marqueteiros e marquetagens sendo pagos a peso de ouro, com os dinheiros públicos, para nos mentir descaradamente.

Chega de falsa democracia, democracia pela metade, democracia do homem devorando homem.

Homem lobo do homem.

Homem tornado vampiro.

 

Qual é o valor de uma vida?

Qual é o valor de uma vida? De uma morte?

Uma morte cabe dentro de alguma estatística?

Qual é o valor de seis milhões de mortes?

Um holocausto.

Seis milhões de judeus. Queimados em fornos.

Uma morte. Seis milhões de mortes.

Um número.

Mas qual o valor de uma morte, quando afeta você?

Qual o valor de perder um pai, perder uma mãe, perder um filho?

Perder o amigo. A esposa querida.

Apenas outra vida? Apenas uma estatística?

Um número vazio?

Qual é o valor de perder uma criança, uma menina de 9 anos, aterrorizada, violentada, e morta?

Qual é o valor para um pai, para uma mãe, à beira de um caixão?

“Os números vão se repetir.” - dizem os sábios platônicos.

“A morte existe.” - diz o potente truísmo.

Mas o que é o país que tem 95% de homicídios não resolvidos?

O que é o país, que mesmo com 95% de homicídios não resolvidos, vive com as cadeias apinhadas, fábricas de produzir assassinos?

O que é o povo que só pode se lamentar, ou que sequer se lamenta, convivendo com o desrespeito cotidiano à Justiça?

A qualquer sintoma ou manifestação de dignidade?