segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Por que as nações fracassam




Do formidável livro “Por que as nações fracassam”, de Daron Acemoglu e James Robinson:

“ (…) O Egito é pobre exatamente por vir sendo governado por uma pequena elite que organizou a sociedade em função de seus próprios interesses, em detrimento da massa da população. O poder político, estritamente concentrado, vem sendo usado para gerar riquezas para aqueles que já a detêm (…)

Países como o Reino Unido e os Estados Unidos enriqueceram porque seus cidadãos derrubaram as elites que controlavam o poder e criaram uma sociedade em que os direitos políticos eram distribuídos de maneira muito mais ampla, na qual o governo era responsável e tinha de responder aos cidadãos e onde a grande massa da população tinha condições de tirar vantagem das oportunidades econômicas.”

A tese do livro: sociedades dividem-se entre aquelas com instituições inclusivas, que garantem direitos políticos e econômicos (ambos são indissoluvelmente ligados), e sociedades extrativas, em que uma elite concentra poderes, traduzidos em leis (direitos), políticos e econômicos, vivendo da exploração da maioria destituída de tais poderes.

Os homens, em cada tipo de sociedade, respondem aos incentivos institucionais. Não são as diferenças de culturas, religiões, circunstâncias geográficas..., que são decisivas para definir o crescimento ou a estagnação econômica. Mas o fato de as instituições dentro de cada sociedade garantirem um maior ou menor nível de igualdade de direitos entre a população.

Sociedades em que a população está garantida em sua liberdade, em sua segurança, em sua propriedade, têm incentivos para fazer esforços, inclusive esforços criativos, inovadores, e para fazer investimentos, de tempo, dinheiro, trabalho, em prol de um progresso pessoal, mas que debordará em benefícios para toda a sociedade.

São estas as sociedades inclusivas.

As outras sociedades, extrativas, formam a grande maioria das experiências históricas. A partir do momento em que existe uma organização social, um poder de dar ordens e ser obedecido, o estabelecimento de leis e polícias e exércitos, a elite que comanda estes poderes tende a configurar os subordinados de forma a explorá-los.

“Se eu posso mandar em você, parece uma boa ideia obrigá-lo a trabalhar para mim.” - não é difícil entender o porquê de, historicamente, as sociedades se constituírem, predominantemente, para a exploração do homem pelo homem. Homem lobo do homem.

Saiu do nível “caçador-coletor”, em que é mais difícil gerar elites muito diferenciadas, aumenta a exploração. Sociedades sedentárias são mais divididas, portanto, mais desiguais, mais hierarquizadas.

Caçadores-coletores desempenhavam, em maior grau, as mesmas funções. Homens caçavam, mulheres cozinhavam a caça. Era mais simples, sem dúvida.

Mas não é apropriado, ao menos não é útil, fazer julgamentos morais das mudanças de paradigma humano; ficar saudoso, idealizar o passado... Não dá para virar do avesso a História, mudar a marcha do tempo, voltar a ser caçador-coletor... O que dá pra fazer é lutar por igualdade de direitos, dentro das sociedades que surgiram, das realidades com que lidamos.

Com sociedades sedentárias, alguns foram cuidar da terra; outros foram fabricar instrumentos; outros foram construir canais, planejar as construções, julgar as disputas de terras, organizar os celeiros, fazer os registros de nascimentos, e uma longa lista de etcs.

De repente, uns mandavam muito mais. E tinham muito mais condições de abusar dos poderes.

Em breve teríamos milhões de escravos carregando pedras pra construir os túmulos dos governantes, alçados à condição divina. Poder de vida e de morte sobre os homens.

Mas, aqui e ali, foram surgindo variações deste roteiro. Sociedades organizadas a partir de famílias que cuidavam de suas próprias terras, que lutavam suas próprias guerras, que se juntavam pra construir um barco e fazer suas piratarias ou suas rotas de comércio.

Estes homens podiam chegar a constituir seus reis, podiam também, esporadicamente, sofrer nas mãos de alguns tiranos e imperadores. Mas já não era tão fácil dominá-los, eles iriam opor resistência aos que ameaçassem suas liberdades.

Estou pensando nos judeus, estou pensando nos romanos, estou pensando nos gregos daqueles antigos tempos. Eram as sociedades inclusivas da época. Carregavam viva a chama da liberdade.

Claro, com os olhos de hoje, diríamos que é um contra-senso reconhecer nestes povos respeito à liberdade, quando todos eles mantinham seus escravos.

Mas devemos julgar cada sociedade pelo padrão de seu próprio tempo. É evidente a diferença entre as 12 tribos de Israel, a democracia ateniense, a república romana, e os impérios do Egito, da Pérsia, da Babilônia, da Assíria...

Por gloriosas que fossem as realizações humanas sob tais impérios, não se vai dizer que aqueles povos gozavam de qualquer grau de liberdade e autonomia comparável aos judeus, gregos e romanos. E, coisa incrível, a eficiência destes pequenos povos, para forjar novas ideias, para lutar, para ganhar dinheiro, era tão grande, que conseguiam resistir e, não raro, prevalecer, contra forças muitas vezes maior.

Fruto das instituições inclusivas. Um grego, ao invés de ser obrigado a carregar pedras para o túmulo do Faraó, podia se juntar com alguns amigos e construir um navio, organizar uma expedição.

Podia organizar uma Academia de pensamento.

Tinham também seus governantes, mas entendiam que os governantes tinham de obedecer a certos limites. Não eram seres divinos, com poderes absolutos.

Em Atenas, aliás, todo cidadão tinha direito de propor e votar leis, mas ficava, por um ano, sujeito a processo, multa, prisão, degredo ou morte, o autor de proposição aprovada, se ulteriormente se verificasse contrária às leis da cidade, ou perigosa para a República.

Isto é que é responsabilizar o governante! Se algo do gênero fosse adotado por aqui, seria um absurdo, por certo, mas certamente seríamos poupados de muitas outras leis absurdas...

Quanto aos romanos, o mito fundador de sua República é a derrubada do Rei, Tarquínio, o Soberbo, depois que seu filho violou Lucrécia, esposa de um patrício. Refundaram seu poder político sob o signo da igualdade, em que os direitos de todos deviam ser respeitados por todos. Não mais aturar a soberba e os desmandos de alguém que se coloca acima de seus pares.

Durou até o Império, mas isto já é outra história...

Já para os judeus, o próprio Deus se vinculava em Aliança, a berith, espécie de pacto, ou contrato, em que se prevêem direitos e deveres, como aquela firmada com Abraão (Gn, 17, 1-16). E o próprio Deus poderia ser questionado por Abraão: “Não fará justiça o juiz de toda a terra?” (Gn, 18, 25).

Se o próprio Deus estava obrigado, era limitado nos termos da Aliança, muito mais os monarcas. O Deuteronômio, 17, 14-20, prevê uma “Lei do rei”, para o caso da nação dizer: “gostaria de ter um rei, como o têm todas as nações que me cercam”.

Então, segundo o Deuteronômio, “escolherás um dos teus irmãos para rei”, que deverá seguir as prescrições divinas, “para que se prolonguem os dias de seu reinado, e do reinado de seus filhos no meio de Israel.”

“Assim não se levantará orgulhoso acima de seus irmãos”.

Ainda que autorizada, a instituição de um monarca é vista com reserva no texto bíblico: “Assim fala o Senhor Deus de Israel: 'Eu tirei Israel do Egito e vos libertei da mão dos egípcios e de todos os reinos que vos oprimiam'. E vós rejeitastes hoje a Deus que vos salvou de todas as calamidades e angústias e dissestes: 'Não importa! É um rei que deves estabelecer sobre nós!'” (1 Sm, 10, 18-19).

E, em 1 Sm, 8, 7-22, temos este interessante relato, que mostra com clareza os efeitos de diminuição da liberdade do povo ante o advento da monarquia:

“E disse o Senhor a Samuel: Ouve a voz do povo em tudo quanto te dizem, pois não te têm rejeitado a ti, antes a mim me têm rejeitado, para eu não reinar sobre eles.
Conforme a todas as obras que fizeram desde o dia em que os tirei do Egito até ao dia de hoje, a mim me deixaram, e a outros deuses serviram, assim também fazem a ti.
Agora, pois, ouve à sua voz, porém adverte-os solenemente, e declara-lhes qual será o costume do rei que houver de reinar sobre eles.
E falou Samuel todas as palavras do Senhor ao povo, que lhe pedia um rei.
E disse: Este será o costume do rei que houver de reinar sobre vós; ele tomará os vossos filhos, e os empregará nos seus carros, e como seus cavaleiros, para que corram adiante dos seus carros.
E os porá por chefes de mil, e de cinqüenta; e para que lavrem a sua lavoura, e façam a sua sega, e fabriquem as suas armas de guerra e os petrechos de seus carros.
E tomará as vossas filhas para perfumistas, cozinheiras e padeiras.
E tomará o melhor das vossas terras, e das vossas vinhas, e dos vossos olivais, e os dará aos seus servos.
E as vossas sementes, e as vossas vinhas dizimará, para dar aos seus oficiais, e aos seus servos.
Também os vossos servos, e as vossas servas, e os vossos melhores moços, e os vossos jumentos tomará, e os empregará no seu trabalho.
Dizimará o vosso rebanho, e vós lhe servireis de servos.
Então naquele dia clamareis por causa do vosso rei, que vós houverdes escolhido; mas o Senhor não vos ouvirá naquele dia.
Porém o povo não quis ouvir a voz de Samuel; e disseram: “Não importa! Contanto que haja sobre nós um rei!
E nós também seremos como todas as outras nações; e o nosso rei nos julgará, e sairá adiante de nós, e fará as nossas guerras”.
Ouvindo, pois, Samuel todas as palavras do povo, as repetiu aos ouvidos do Senhor.
Então o Senhor disse a Samuel: “Dá ouvidos à sua voz, e constitui-lhes rei”. Então Samuel disse aos homens de Israel: Volte cada um à sua cidade.”

Vox populi se sobrepondo à própria vox Dei... talvez, para que se possa aprender, deva ser permitido o erro... Advertido o povo foi, de que teria diminuída sua liberdade. Mas, ainda que podendo muito, o rei não podia tudo... o maior deles, Davi, foi assim repreendido pelo profeta Natã:

Por que desprezaste a palavra do Senhor, fazendo o que lhe desagrada? Feriste à espada o hitita Urias para casar com sua mulher. Mataste-o pela espada dos amonitas! Por isso a espada jamais se afastará de tua casa (...)” (2, Sm 12, 9-10)

Bem, comecei com Economia, vim parar na Bíblia... 

Enfim, limites aos governantes, mais igualdade, resultam em melhores resultados econômicos, maior bem estar para a sociedade...

Então, não nos deixemos enganar:

Reforma política já!

Igualdade já!

Um voto de um brasileiro precisa valer o mesmo que outro voto de um brasileiro!

Voto distrital simples já!

Liberdade já!


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