segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Artigo da hora: Dilma e Sininho, por Ricardo Noblat, com Comentário, por mim mesmo

"Eis o que aprendi com Roberto e meu pai: — o importante é não matar. Nada mais doce do que nascer, viver, envelhecer e morrer. E não ser jamais assassino" - Nelson Rodrigues, in Os Assassinados
 

 
Aprecio o que escreve o jornalista Ricardo Noblat, mas gostaria de fazer alguns reparos ao seu artigo “Dilma e Sininho”:


Leram o artigo?

Agora vão os meus reparos.

Noblat destacou o que lhe parecem ser as semelhanças entre Dilma e Sininho: Primeiro, as duas são políticas.

Um primeiro reparo, sem grande importância, ou de importância mais técnica: se o homem é um animal político, como quer Aristóteles, então todos somos políticos, não sendo esta uma característica a se destacar para comparar Dilma e Sininho. Mas, claro, Noblat está querendo dizer que ambas são mais empenhadas na política, a ponto de, e aí sim, vem a seguinte semelhança:

As duas admitem o uso da violência para alcançar objetivos políticos.

Perfeito. Mas aí Noblat se apressa para indicar que, apesar de reconhecer a semelhança, haveria uma importante diferença entre as duas, sendo esta que Dilma viveu seus dias de apoio pessoal à violência política no contexto da ditadura militar, enquanto Sininho vive seus dias de apoio pessoal à violência política no contexto de uma democracia.

E aí vem um outro, mais significativo, reparo:

A diferença apontada por Noblat não se prendia a características de Dilma e Sininho. A diferença identificada era entre as épocas em que as duas atuaram.

Ora, mal comparando, isto é como comparar uma cascavel e uma jararaca, e dizer que ambas são diferentes porque a primeira viveu na década de 30, e a segunda na década de 50.

Ou que são diferentes porque uma nasceu em Timbuctu, e a outra nasceu em Jacarta.

Um problema de lógica, claro, mas a que se pode responder, de novo, com o tradicional: “deu pra entender? Então não sacrifica”.

Mas é que a questão conduz a outra, e aí entra meu terceiro, e crucial, reparo:

Noblat parece entender, como muita gente boa, que “ditadura”, e “democracia” são duas palavras que exprimem dois mundos nitidamente separados, estanques.

Já eu penso que nada é tão simples, e que as palavras, embora úteis, e até essenciais, como os pensamentos que exprimem, são também enganadoras, e por isso é preciso a maior cautela para não se deixar levar por um mundo de Formas Ideais, muito fácil, muito belo, sem dúvida, mas que pode guardar pouco, ou nenhum, contato com a realidade.

“De esquerda ou de direita, ditadura usa a violência contra o povo. Enquanto existe uma ditadura, você só dirá sem medo o que pensa se você pensar como ela.”

Ah, mas então é tão fácil assim? Basta uma ou duas frases para fixar acima de sofismas e de discussões inúteis a natureza do monstro?

Quem dera se fosse. Mas o que dizer de um jornalista, processado dezenas, ou até centenas de vezes, (lembrei do Diogo Mainardi) ameaçado de perder seu patrimônio, ameaçado até de prisão, que tal passar uns tempinhos no presídio de Pedrinhas, no Maranhão, por alguma das decisões deste nosso Judiciário tão surpreendente?

Lembrei de um ditado aprendido na faculdade de Direito, pra alguma coisa serviu: “Cabeça de juiz, bumbum de neném, nunca se sabe o que vem”.

Noblat até parece reconhecer a natureza imprecisa dos termos: “O regime democrático é imperfeito e sempre será.” Mas logo em seguida tem uma recaída na firme ilusão de que basta uma palavra, uma classificação, para discriminar com perfeição os regimes: “Mas é o melhor dos regimes. Na democracia, posso dizer o que penso porque jamais serei preso e torturado por pensar assim ou assado.”

Que assim seja, que Deus lhe guarde, que Deus nos guarde, mas continuo pensando que não é tão simples.

Continuo pensando que em algum canto, quem sabe no interior do Maranhão, ou em Roraima, algum jornalista estará sendo torturado e morto por incomodar um poderoso local.

Mais um crime, entre cerca de 60 mil assassinatos por ano, quem se importa?

Quem sabe um deputado federal, democraticamente eleito, será condenado por ter arrancado as pernas e os braços de um radialista que o incomodou, com uma serra-elétrica, largando o que restou moribundo na frente da Rádio, nada sutil recado?

E não é só em Roraima, ou no Acre, ou no Maranhão, ou em Alagoas.

Pode ser um Estado rico, pode ser em São Paulo, pode ser no Rio de Janeiro.

A violência, o primitivismo político, a barbárie, estão impregnados na cultura brasileira.

Não está restrito no tempo; não está restrito no espaço. Basta voltarmos às páginas da nossa História.

Noblat também é jornalista, corajoso jornalista, já tendo enfrentado as fúrias de algumas das figurinhas tarimbadas da nossa República.

Mas preciso fazer estes reparos para ele não andar esquecido.

Concluindo, com a soma dos reparos acima:

Com a violência, não se transige; a violência, não se justifica.

A violência se denuncia. A violência se combate com a arma civilizada dos Tribunais, da resistência política.

É violência restringir o seu direito ao voto. O seu direito ao trabalho. O seu direito a ganhar a vida honestamente.

A violência pode vir do Estado, pode vir de outros grupos, pode vir de indivíduos.

Ela sempre se manifesta pela restrição de alguma liberdade, liberdade econômica, liberdade econômica, liberdade individual.

Ela sempre procura se justificar, invocando os mais nobres e santos motivos.

Ela sempre se manifesta numa relação de desigualdade. De privilégio.

Impõe-se mais tributos pra um, pra sustentar os privilégios de outro. Pro Plano de Saúde, pro Regime de Aposentadoria de um, serem muito mais completos e abrangentes que os do outro.

Restringe-se a liberdade política de um, para garantir o Poder perene de outro.

Outro grupo, outra família, outra casta, outra classe, de incomuns, de super-homens, de superiores.

Patrões e escravos.

Tudo isto é manifestação da violência, tudo isto é agressão ao ideal democrático.

Tudo isto se manifesta, em qualquer tempo ou lugar, e quaisquer que sejam as palavras insculpidas nas Cartas Magnas dos Povos.

E é por isso que a vigilância precisa ser constante, e por isso não podemos nos dar ao luxo de sermos reconfortados e iludidos por meras palavras vazias.

Resistir, sempre. Lutar, se for preciso.

Mas não com o terrorismo.

E não para manter, ou para instaurar um novo tipo de privilégio.

Comecei com rigor lógico, termino com discurso exaltado.

Faz parte.

 
"Falei da “esquerda católica”. Um dia, ela terá de ser julgada. Na confissão de ontem, falei de um dos pronunciamentos mais claros de d. Hélder. Sem nenhum disfarce, declara: — “Respeito aqueles que, em consciência, sentem-se obrigados a optar pela violência; não
a violência fácil dos guerrilheiros de salão, mas a daqueles que provaram sua sinceridade com o sacrifício de suas vidas”. Não. Aí não está dito tudo. Provaram a sinceridade morrendo, por azar, e matando, por querer. Antes de morrer, Guevara matou. E, repito,
morreu sem querer e matou querendo. Também Camilo Torres. Esse cristão-homicida empunhou o fuzil, não para morrer, mas para matar.

E diz mais o arcebispo de Olinda e Recife: — “Parece-me que as memórias de Camilo Torres e de Che Guevara merecem tanto respeito quanto as do pastor Martin Luther King”. Não, mil vezes não! Luther King não morreu de fuzil, faca ou revólver na mão, como Guevara ou Camilo Torres. Não matou, nem quis matar. Não pregou o ódio, a “violência justificada” católica. Morreu de amor e por amor. Os que pregam o ódio não podem chorar o jovem sacerdote do Recife.

Todos nós temos um projeto de Brasil. O da esquerda católica é o Brasil do ódio. O Brasil do sangue, o anti-Brasil, um Brasil sem Deus. Este país não teve jamais um drácula. E, súbito, os possessos querem que nos transformemos em 80 milhões de dráculas bebendo o sangue uns dos outros".

- Nelson Rodrigues, idem

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