"Eis
o que aprendi com Roberto e meu pai: — o importante é não matar.
Nada mais doce do que nascer, viver, envelhecer e morrer. E não ser
jamais assassino" - Nelson Rodrigues, in Os Assassinados

Aprecio o que escreve o jornalista Ricardo Noblat, mas gostaria de fazer alguns reparos ao seu artigo “Dilma e Sininho”:
Leram o artigo?
Agora vão os meus
reparos.
Noblat destacou o que
lhe parecem ser as semelhanças entre Dilma e Sininho: Primeiro, as
duas são políticas.
Um primeiro reparo, sem
grande importância, ou de importância mais técnica: se o homem é
um animal político, como quer Aristóteles, então todos somos
políticos, não sendo esta uma característica a se destacar para
comparar Dilma e Sininho. Mas, claro, Noblat está querendo dizer que
ambas são mais empenhadas na política, a ponto de, e aí sim, vem a
seguinte semelhança:
As duas admitem o uso
da violência para alcançar objetivos políticos.
Perfeito. Mas aí
Noblat se apressa para indicar que, apesar de reconhecer a
semelhança, haveria uma importante diferença entre as duas, sendo
esta que Dilma viveu seus dias de apoio pessoal à violência
política no contexto da ditadura militar, enquanto Sininho vive seus
dias de apoio pessoal à violência política no contexto de uma
democracia.
E aí vem um outro,
mais significativo, reparo:
A diferença apontada
por Noblat não se prendia a características de Dilma e Sininho. A
diferença identificada era entre as épocas em que as duas atuaram.
Ora, mal comparando,
isto é como comparar uma cascavel e uma jararaca, e dizer que ambas
são diferentes porque a primeira viveu na década de 30, e a segunda
na década de 50.
Ou que são diferentes
porque uma nasceu em Timbuctu, e a outra nasceu em Jacarta.
Um problema de lógica,
claro, mas a que se pode responder, de novo, com o tradicional: “deu
pra entender? Então não sacrifica”.
Mas é que a questão
conduz a outra, e aí entra meu terceiro, e crucial, reparo:
Noblat parece entender,
como muita gente boa, que “ditadura”, e “democracia” são
duas palavras que exprimem dois mundos nitidamente separados,
estanques.
Já eu penso que nada é
tão simples, e que as palavras, embora úteis, e até essenciais,
como os pensamentos que exprimem, são também enganadoras, e por
isso é preciso a maior cautela para não se deixar levar por um
mundo de Formas Ideais, muito fácil, muito belo, sem dúvida, mas
que pode guardar pouco, ou nenhum, contato com a realidade.
“De esquerda ou de
direita, ditadura usa a violência contra o povo. Enquanto existe uma
ditadura, você só dirá sem medo o que pensa se você pensar como
ela.”
Ah, mas então é tão
fácil assim? Basta uma ou duas frases para fixar acima de sofismas e
de discussões inúteis a natureza do monstro?
Quem dera se fosse. Mas
o que dizer de um jornalista, processado dezenas, ou até centenas de
vezes, (lembrei do Diogo Mainardi) ameaçado de perder seu
patrimônio, ameaçado até de prisão, que tal passar uns tempinhos
no presídio de Pedrinhas, no Maranhão, por alguma das decisões
deste nosso Judiciário tão surpreendente?
Lembrei de um ditado
aprendido na faculdade de Direito, pra alguma coisa serviu: “Cabeça
de juiz, bumbum de neném, nunca se sabe o que vem”.
Noblat até parece
reconhecer a natureza imprecisa dos termos: “O regime democrático
é imperfeito e sempre será.” Mas logo em seguida tem uma recaída
na firme ilusão de que basta uma palavra, uma classificação, para
discriminar com perfeição os regimes: “Mas é o melhor dos
regimes. Na democracia, posso dizer o que penso porque jamais serei
preso e torturado por pensar assim ou assado.”
Que assim seja, que
Deus lhe guarde, que Deus nos guarde, mas continuo pensando que não
é tão simples.
Continuo pensando que
em algum canto, quem sabe no interior do Maranhão, ou em Roraima,
algum jornalista estará sendo torturado e morto por incomodar um
poderoso local.
Mais um crime, entre
cerca de 60 mil assassinatos por ano, quem se importa?
Quem sabe um deputado
federal, democraticamente eleito, será condenado por ter arrancado
as pernas e os braços de um radialista que o incomodou, com uma
serra-elétrica, largando o que restou moribundo na frente da Rádio,
nada sutil recado?
E não é só em
Roraima, ou no Acre, ou no Maranhão, ou em Alagoas.
Pode ser um Estado
rico, pode ser em São Paulo, pode ser no Rio de Janeiro.
A violência, o
primitivismo político, a barbárie, estão impregnados na cultura
brasileira.
Não está restrito no
tempo; não está restrito no espaço. Basta voltarmos às páginas
da nossa História.
Noblat também é
jornalista, corajoso jornalista, já tendo enfrentado as fúrias de
algumas das figurinhas tarimbadas da nossa República.
Mas preciso fazer estes
reparos para ele não andar esquecido.
Concluindo, com a soma
dos reparos acima:
Com a violência, não
se transige; a violência, não se justifica.
A violência se
denuncia. A violência se combate com a arma civilizada dos
Tribunais, da resistência política.
É violência
restringir o seu direito ao voto. O seu direito ao trabalho. O seu
direito a ganhar a vida honestamente.
A violência pode vir
do Estado, pode vir de outros grupos, pode vir de indivíduos.
Ela sempre se manifesta
pela restrição de alguma liberdade, liberdade econômica, liberdade
econômica, liberdade individual.
Ela sempre procura se
justificar, invocando os mais nobres e santos motivos.
Ela sempre se manifesta
numa relação de desigualdade. De privilégio.
Impõe-se mais tributos
pra um, pra sustentar os privilégios de outro. Pro Plano de Saúde,
pro Regime de Aposentadoria de um, serem muito mais completos e
abrangentes que os do outro.
Restringe-se a
liberdade política de um, para garantir o Poder perene de outro.
Outro grupo, outra
família, outra casta, outra classe, de incomuns, de super-homens, de
superiores.
Patrões e escravos.
Tudo isto é
manifestação da violência, tudo isto é agressão ao ideal
democrático.
Tudo isto se manifesta,
em qualquer tempo ou lugar, e quaisquer que sejam as palavras
insculpidas nas Cartas Magnas dos Povos.
E é por isso que a
vigilância precisa ser constante, e por isso não podemos nos dar ao
luxo de sermos reconfortados e iludidos por meras palavras vazias.
Resistir, sempre.
Lutar, se for preciso.
Mas não com o
terrorismo.
E não para manter, ou
para instaurar um novo tipo de privilégio.
Comecei com rigor
lógico, termino com discurso exaltado.
Faz parte.
"Falei
da “esquerda católica”. Um dia, ela terá de ser julgada. Na
confissão de ontem, falei de um dos pronunciamentos mais claros de
d. Hélder. Sem nenhum disfarce, declara: — “Respeito aqueles
que, em consciência, sentem-se obrigados a optar pela violência;
não
a
violência fácil dos guerrilheiros de salão, mas a daqueles que
provaram sua sinceridade com o sacrifício de suas vidas”. Não. Aí
não está dito tudo. Provaram a sinceridade morrendo, por azar, e
matando, por querer. Antes de morrer, Guevara matou. E, repito,
morreu
sem querer e matou querendo. Também Camilo Torres. Esse
cristão-homicida empunhou o fuzil, não para morrer, mas para matar.
E
diz mais o arcebispo de Olinda e Recife: — “Parece-me que as
memórias de Camilo Torres e de Che Guevara merecem tanto respeito
quanto as do pastor Martin Luther King”. Não, mil vezes não!
Luther King não morreu de fuzil, faca ou revólver na mão, como
Guevara ou Camilo Torres. Não matou, nem quis matar. Não pregou o
ódio, a “violência justificada” católica. Morreu de amor e por
amor. Os que pregam o ódio não podem chorar o jovem sacerdote do
Recife.
Todos
nós temos um projeto de Brasil. O da esquerda católica é o Brasil
do ódio. O Brasil do sangue, o anti-Brasil, um Brasil sem Deus. Este
país não teve jamais um drácula. E, súbito, os possessos querem
que nos transformemos em 80 milhões de dráculas bebendo o sangue
uns dos outros".
- Nelson Rodrigues, idem
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