sábado, 25 de julho de 2009

Prisão especial

Ouço uma notícia sobre o fim da prisão especial, uma comissão do Senado redigiu um projeto de lei que acabaria com o direito de algumas pessoas a um aprisionamento diferenciado até o final de seu julgamento. Creio que ainda não foi convertido em lei, mas quero fazer algumas considerações sobre o tema.
Primeiro, na verdade não é o fim completo e definitivo da dita prisão especial. Alguns membros da noblesse, da finesse, o presidente da República, juízes, procuradores do Ministério Público da União, estes continuariam tendo os benefícios da prisão especial. Políticos também, pelo que vejo em outra notícia. Acabaria prisão especial, então, grosso modo, só pros que têm curso superior completo. Tá vendo? Quem mandou estudar? Agora até este triste consolo para os anos de dificuldade estudando em nossas escolas e universidades que tão pobremente nos formam se perdeu... mas nunca fomos de valorizar muito a cultura, mesmo, essa coisa de arrogantes membros das elites brancas...
Parece que assim o Congresso dá alguma satisfação para a plebe ignara. Polegares pra baixo, nobres patrícios... sangue para a audiência!
As grandes massas insatisfeitas, com razão insatisfeitas, com a impunidade grossa que rola no país, criminosos, confessos e reconfessos, flanando por aí, na nobre sociedade, desfilando em carrões, dando festas e indo pra festas, andando de lancha e jatinho... ou então, na outra ponta, assassinos que dominam às claras favelas, mandam e desmandam, e fica tudo por isso mesmo... Não tem polícia, não tem juiz, nada que dê conta daquilo.
Esta multidão assustada e revoltada talvez saúde com júbilo a notícia, exagerada, como vimos, do FIM da prisão especial. Soa assim como um fim de privilégio, pela igualdade jurídica, um grande avanço pro nosso povo.
Mas reparem bem na questão... aqueles que fazem a lei, aqueles que a aplicam, nossos belos Poderes Federais, se asseguraram da continuidade do benefício para si. Para satisfazer a Ira Santa (terrível paradoxo) da população, jogaram no fogo só uns “trouxas” escolhidos, a turma de fora da patota; isto pode atender a anseios de justiçamento, desforra, vingança, mas atende à Justiça? Vai ser mesmo uma satisfação ver que mais pessoas, não mais restritas às classes mais pobres, vão experimentar o moedouro insano, o inferno de nossas prisões?
Leio a notícia de que numa prisão em Minas “vazou” uma gravação de celular, um filme feito por um preso, mostrando um dos “chefes” da cela, super-lotada, como de praxe, enfiando um cano de PVC no ânus de um outro preso, para se vingar, ou mostrar poder, ou por sadismo, qualquer coisa... os outros presos riam e incitavam o bizarro espetáculo. Mas isto é notícia pro fim do jornal, que estraga até o apetite dos bem-pensantes.
Tudo é uma bizarria neste país! Sistema prisional, escola, polícia, Justiça... E a “solução” dos políticos é dar a “satisfação” de deixar se espalhar mais a merda, livrando, é claro, o próprio pescoço. E os ricos, também, sabemos como é fácil comprar tratamentos diferenciados na prisão... então, manda ver mesmo com estes bobos que restam! Paguem pelo pato que consumimos, regado a vinhos bem caros...
Solução igualitária, justa, DE VERDADE, seria um mesmo regime para todos, e prevenindo a desumanidade mais cruel: será pedir demais, às nossas autoridades, aos homens de poder, uma cela individual enquanto se aguarda julgamento, além, quando cabível, em crimes menores, em circunstâncias favoráveis, bem definidas, com objetividade, pela lei, uma restrição da liberdade menos gravosa que o encarceramento? Lembremos, em tal situação, durante o processo, não está formada a culpa do suspeito. Pode perfeitamente ser que se trate de um completo inocente, acusado erroneamente por um crime que não cometeu.
Nesta condição, será razoável, além de toda a angústia e horror do encarceramento, e da dúvida quanto ao futuro, misturar esta pessoa, cegamente, com quadrilhas organizadas, bandidos de todo teor, e expô-la à violência, à lei da selva, à indignidade?
Temos em nossas leis a previsão de uma diferenciação quanto ao modo de cumprimento da pena, e é claro e justo que deve haver. Criminosos violentos, perigosos, não devem ser misturados com os estelionatários, com os batedores de carteira, no momento de cumprir a pena. Com isto acho que nem o “igualitarista” mais radical vai discordar. Está certo que na nossa bagunça geral, nem sempre acontece assim, e mistura-se de qualquer jeito, condenados de todo tipo. É mais um caso, como costumamos dizer neste nosso país original, que nem sempre a lei pega. Na prática a teoria é outra. Mas isto é uma outra questão.
O que causa espanto, e espécie, é ver que mesmo com a previsão para a diferenciação de tratamento para os que têm a culpa formada, ainda se defenda que, antes da culpa formada, se exponha os indivíduos que são submetidos a processo a tamanho risco de violência e humilhação. Mas sempre tem uns Jean Paul Marats, uns “amigos do povo”, para defender e açular os ódios e sentimentos de vingança da população, desviando sua atenção dos reais problemas da nação.
Não estou, obviamente, defendendo qualquer espécie de impunidade; estou defendendo processo, civilização, humanidade. Que o suspeito seja mantido em separado enquanto aguarda julgamento, que seja comunicado de imediato um familiar, que um advogado preste assistência imediata ao preso. Mas tudo isso deve ser pedir demais para nossas autoridades, e eu devo ser mesmo apenas um sonhador idiota. Quem sabe até um “amigo da bandidagem”? Afinal, se o sujeito foi preso, alguma culpa devia ter... in dubio PAU no reu. E seguimos.
Para uma análise técnica da disciplina da prisão especial, remeto os leitores ao seguinte artigo do site Jus Navegandi: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1091

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