segunda-feira, 6 de julho de 2009

Tardes molhadas no Senado

Uma nota no Globo de sábado, 27.06.09, sob o curioso título de “SALA SECRETA: Espaço de Agaciel”, nos dá uma idéia de como estamos bem parados neste nosso “Brasil brasileiro”. Fala de uma escada entre o 2º e o 3º andares do prédio do Senado, nos fundos do antigo gabinete de Agaciel Maia, que não consta do projeto de Oscar Niemeyer, e que dá acesso a uma sala decorada com tapetes vermelhos e telão. Um dos vídeos exibidos ali tinha o sugestivo título: “Tardes Molhadas”.
Eu sei, eu sei, como disse nosso presidente, que um país com tantas coisas importantes como o Brasil não pode ficar perdendo tempo discutindo coisas menores. Mas é que Deus (e o diabo) moram nos detalhes. E uma “coisa menor” pode servir de símbolo, pode nos despertar do sonho, pode mostrar o rosto por trás da máscara, a face deformada e hedionda, desse Brasil das falcatruas.
Agaciel Maia, para quem não lembra, foi diretor geral do Senado por 14 anos, tendo sido afastado em março, depois que se descobriu que ele não declarou à Justiça a propriedade de uma mansão avaliada em R$ 5 milhões. Um assalariado, mesmo com os salários polpudos e super-faturados do Senado, vai ter de rebolar bastante antes de juntar R$ 5 milhões pra comprar uma casa. É só fazer as contas: digamos, chutando os números pro alto, que o sujeito receba R$ 20 mil, líquidos, todo mês. Se ele não gastar nem um centavo com coisa alguma, ele vai levar 19 anos e uns quebrados pra comprar a casinha, já estou incluindo os 13ºs. Mas isto é outra coisa menor, nada que espante muito, neste nosso Brasil que cansa de ver PMs que ganham mil reais circularem em carrões importados, dentre “otras cositas” do gênero.
No Senado, então, em que tudo é superlativo, Agaciel estava apenas mantendo um padrão de vida condizente com o cenário ao redor; o Senado tem, para 2009, orçamento de R$ 2,75 bilhões; só com pessoal, vão R$ 2,3 bilhões; funcionários, são mais de 10 mil, 3,4 mil concursados, 3,1 mil comissionados, e 3,5 mil terceirizados. Tudo uma grandeza, tudo um espanto, pra Luís XVI nenhum botar defeito.
Na edição da Veja de 01.07.2009, a reportagem de Otávio Cabral nos dá uma idéia desta Ilha da Fantasia que é nosso Senado: reembolso de despesas médicas vitalício e ilimitado,
para senadores, dependentes, ex-parlamentares, e funcionários de direção; empregados domésticos que dão expediente nas casas de parlamentares sendo pagos pelo Congresso; copeiros que ganham R$ 10 mil; ascensoristas que ganham R$ 12 mil; não é à toa que o finado senador Darcy Ribeiro fazia blague, com grande cinismo, dizendo que o Senado é melhor que o Paraíso: no Senado, não precisa morrer para entrar.
E não acabam por aí as revelações: no Globo de domingo, 28.06.09, a manchete de capa diz que Agaciel, mesmo, afastado, mantém o poder no Senado: “ainda hoje haveria 62 chefes de gabinete de senadores, do total de 81, indicados pelo ex-diretor”, que teria ainda aliados em postos estratégicos de pelo menos 20 secretarias e subsecretarias. Na reportagem de Regina Alvarez, ficamos sabendo que “para adquirir tanto poder por período tão longo, Agaciel trabalhou arduamente em várias frentes, numa costura política e com atitudes de homem cordial, no sentido mais utilizado da palavra. (...) Um funcionário de carreira conta que, no Senado, a surpresa no contracheque é sempre positiva. Há sempre uma hora extra, gratificação ou resíduo de ação ganha na Justiça e que engordava os salários. Tudo obra de Agaciel. Foi dele a idéia de “ratear uma sobra” de R$ 6,2 milhões do orçamento de 2008 entre os funcionários. Agaciel fazia de tudo para agradar a funcionários e senadores. Quando mudava a legislatura, dedicava aos novos eleitos toda atenção e infraestrutura: fazia questão de apresentar aos novatos o gabinete, a moradia, todas as vantagens e, de quebra, indicava um conhecido para a chefia de gabinete. Assim, o ex-diretor montou sua rede de relacionamentos.”
Na mesma edição do Globo, uma nota do Elio Gaspari diz que “Agaciel mandou tocar a música do filme “O Poderoso Chefão” no casamento de sua filha, há poucas semanas”. No casamento, marcaram presença os ilustres senadores Renan Calheiros e José Sarney, este como padrinho da moça. The Godfather.
E assim ficamos, ou seja, com a galhofa e o deboche nas alturas. Mas o brasileiro é um bem-humorado, e não desiste nunca. Tinha razão o senhor Delúbio Soares, tesoureiro do PT à época do escândalo do “mensalão”, que profetizou que as denúncias logo seriam esquecidas e se transformariam em “piada de salão”.
E eu vou ficando por aqui, pra não dar “gastura”.

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