Por todo o mundo, revoltas que explodem. Londres, que grande choque foi, para mim, ver a capital dos admiráveis ingleses explodindo na revolta.
Primeiro, um violento protesto contra cortes nas verbas de educação. Que vergonha, lançar pessoas à ignorância! Fortalecer as forças da ignorância...
Depois, o assassinato de um jovem pobre, por policiais, fazendo explodir uma nova revolta, bem mais violenta, com imagens chocantes de multidões de jovens saqueando lojas, depredando prédios...
E os conservadores covardes usam o medo da população para defender novos cortes nas verbas sociais, e novas formas de restringir os direitos...
O Primeiro-Ministro já fala em controles de internet...
Que fique claro: eu não defendo os saques de lojas, e as violências, e os apedrejamentos.
Mas não vou dizer que a insatisfação e a revolta contra as IMENSAS, DIÁRIAS, injustiças que vemos ser cometidas, nos jornais, nas tevês, nas conversas de todo um povo, não são plenamente compreensíveis e justificadas.
É evidente que os benefícios produzidos pela humanidade estão grotescamente, estupidamente, pornograficamente, concentrados, por uns poucos. E ao resto, ao imenso resto, está sendo dito: “vão se foder”.
Contra isto, contra a imoralidade, contra a irracionalidade, contra a brutalidade, contra a desumanidade, todo homem de bem PRECISA se erguer. Precisa apoiar quem questiona, quem propõe uma mudança, quem argumenta que pode ser diferente.
Agora, o saque, a violência, não são formas de levar a cabo essa mudança. É um desperdício de energia, é dar munição ao inimigo. É não ter foco, é mirar no vazio.
O sentimento da revolta deve ser usado para insuflar vida a um corpo de idéias coerente, algum meio concreto de se fazer a mudança.
Um novo sistema. Uma nova lei. Uma nova forma de fazer a política.
Pois os poderosos que estão por aí, à esquerda e à direita, e ao centro, estão todos sem propostas, sem idéias, sem soluções.
O que é lógico, afinal, todos participam do mesmo jogo: todos garantem para si as aposentadorias especiais, e os direitos especiais, e os salários especiais, e os planos de saúde especiais, e as oportunidades de negócios especiais... e por que é que iriam querer mexer nesse jogo?
Pois a proposta e a solução tem de se ir procurar diretamente no povo. Não é do povo que emana todo o poder? Assumam a democracia como uma verdade, e não a saúdem apenas “da boca pra fora”. Está no nosso coração, está na nossa Constituição, pois a reconheçam DE VERDADE, no dia-a-dia e na prática do povo.
Isto eu falo para o Brasil, isto eu falo para o mundo. Democracia tem de deixar de ser um jogo vazio, umas regras formais, corrompidas pelo grande dinheiro.
Lobistas de grandes interesses financiam campanhas políticas, partidos políticos, carreiras políticas. Para que votem a favor de seus interesses.
E isto é no Brasil e no mundo. Sarkozy passeando de lanchinha... Berlusconi, o que falar de Berlusconi? E as vendas de armas, e o tráfico de drogas, e os juros de banqueiros, e os imensos lucros de uns executivos... quanto de imoralidade, de violência, de degradação, pode haver? Qual será o limite? E são males que afetam o mundo inteiro, nem a velha civilização da Europa, nem os riquíssimos EUA, nem os disciplinados asiáticos estão livres deles. E a crise ameaça a todos, e avança sobre todos, e obriga todos a repensarem velhas certezas.
E claro que o Brasil não está livre de nenhum dos males, e por que estaria? Pode não ter a escala destas grandes economias, Japão, EUA, Alemanha, mas não deixa de ter o seu próprio rol de problemas e, em muitos aspectos, está infinitamente mais distante que outros países no equacionamento mínimo de seus problemas.
Pensem na miséria extrema. Pensem na violência. Pensem na impunidade. Pensem no Maranhão e em Alagoas. E agora pensem em Collor e Sarney. Deu pra ter uma idéia?
Podemos seguir cantando glórias ao nosso “jeitinho”, que sempre consegue dar uma, digamos, "solução", "pouco ortodoxa" (no popular: cagando pra lei), para os problemas? Deixo isso pros marqueteiros oficiais, pagos regiamente para açular nossos egos (cuidado com aquele que te elogia!). Morremos nas filas de hospitais, no chão de hospitais, tratados como gado, tratados como lixo! Mas somos os mais espertos, somos os mais felizes do mundo, e nosso céu tem mais estrelas, e nossa vida mais amores... blá-blá-blá, impávido colosso...
Existem problemas, existem muitos problemas, e o nome do problema é um só, para o mundo todo: PRIVILÉGIO.
Por que aceitar que uns tenham assistência de qualidade na saúde, e outros não?
Por que aceitar que uns tenham educação de qualidade, e outros não?
Por que aceitar que uns façam milhões e bilhões, em um dia, e outros não façam dez mil, numa vida de trabalho duro?
Por que aceitar que para uns a Justiça dê tudo, reconheça tudo, garanta tudo, e para outros a decisão demore 40 anos, pra no final ouvir que prescreveu o direito?
O nome do jogo é PRIVILÉGIO. É ele que nos rouba a dignidade.
Sarney, nosso presidente do Senado, vai passar um fim de semana de lazer na sua ilha particular. Utiliza um helicóptero oficial, que deveria ser usado para resgate de pessoas em situação de emergência. Leva consigo um amigo empresário, que tem negócios com o Estado. E um político aliado vai discursar na Tribuna, pra defender nosso herói: “Vocês queriam que ele andasse de jumento?”.
Deu pra ter uma idéia?
E, eu repito, é no mundo todo. Tem um novo czar na Rússia fazendo uma negociata de 500 milhões, neste momento. Tem uma Câmara de representantes do povo, na Espanha, passando uma lei que dá uma aposentadoria especial pros seus membros. Tem um lobista de armas, nos EUA, passando uma lei pra começar outra guerra. Tem um banqueiro, na Inglaterra, que recebeu subsídio de bilhões de dinheiro público, e só anda de jatinho.
Sim, sim, democracia, todos somos favoráveis à democracia, mas o quanto ela representa, de verdade, para o bem estar de um povo?
Claro, eu sei que a qualidade média de vida de um pobre da Inglaterra é muitas vezes melhor que a de um pobre do Brasil.
Mas isto é uma comparação descabida, pois não serve pra nada fazer a comparação entre a própria situação e a de pessoas piores.
Cada pessoa, ou cada povo, só pode comparar a sua própria situação, com o que era no passado, e com a perspectiva de melhorar no futuro. Ninguém se consola de uma injustiça sofrida, dizendo: “ah, mas na Índia tem uma taxa de mortalidade imensa... sofri uma injustiça, sim, mas, em comparação, sou até privilegiado...”
Cada um tem seus próprios males e problemas. Não quer dizer que não se deva solidarizar e ajudar, da maneira que puder, a Índia, a China, a África, ou os pobres no seu próprio país. Mas a única maneira de um homem, ou um povo, realizar suas aspirações, é enfrentar e superar os seus próprios problemas, tomar as rédeas do próprio destino, e não aceitar passivamente os próprios problemas, e se consolar com os problemas dos outros. Pobre consolo seria este.
Saque, violência, terrorismo, não enfrentam problemas, não resolvem problemas. Reforçam problemas, criam novos problemas.
Novo sofrimento, nova desilusão.
Slogans vazios, fórmulas mágicas, verbalizar inconscientes desejos e aversões: “rasguem todo o dinheiro”, “fuzilem os banqueiros”, “enforquem os padres”. Nada disso enfrenta problemas, resolve problemas. No seu melhor “sucesso” engendram medonhos totalitarismos e ditaduras.
Qual será, então, a solução?
Mais democracia, melhor democracia, democracia “de verdade”.
Se tem bilhões para salvar o banqueiro, tem de ter bilhões para pagar milhares de salários de médicos antes. Não pode faltar o médico, não pode faltar o professor. Se eu não quero, para mim, para meu filho, a doença, a ignorância, eu não posso aceitar que elas venham para meu vizinho.
Se tem bilhões para dar aposentadoria especial para os políticos, tem de ter, antes, ou ao invés de, bilhões para pagar aposentadoria na justa proporção para quem contribuiu muitos anos.
Quando os jovens na Espanha se reúnem para mandar milhões de emails para denunciar que os privilégios dos políticos naquele país que se aposentam em poucos anos, com valores muito acima do que contribuíram, eu apóio e defendo sua iniciativa e sua revolta. Quando eles exigem que estas regras espúrias mudem, eu concordo que devem mudar.
Quando eu ouço falar de um "novo Ghandi", na Índia, um certo Anna Hazare, que, sem apelar à violência, convoca o povo e corre riscos, para denunciar e combater a corrupção em seu país, eu torço por ele, e desejo-lhe sorte.
Quando eu lembro que aqui no Brasil vivemos esta mesma situação, e ninguém se mobiliza, e ninguém faz nada, eu sinto vontade de chorar.
Mas os ventos da mudança não páram de soprar, em todo lugar. Hoje, ou amanhã, ou depois de amanhã, na Espanha, na Índia, no Brasil... tudo está sempre mudando... vamos aprender com o vento, levantar nossas velas, fazer com que o vento nos leve até o porto onde queremos chegar.