Espártaco, maravilhoso filme de Stanley Kubrick.
Quão longe pode ir o homem, na sua aposta por um estilo de vida baseado na submissão do outro? Vejam esta cena do filme: duas mulheres romanas escolhem quatro homens para um combate de morte. Exigem a morte. Seus maridos pagaram por ela. O comerciante de homens fechou o negócio. Uma delas diz ao negociante: “Não quero trapaças. Se não houver a morte de um deles em combate, que o seu instrutor mate os dois.”
Realmente, o Império Romano fez a aposta última da submissão de homens, a submissão de povos. Seriam escravos os derrotados, com direitos nenhum, existindo para servir a qualquer capricho de seus tiranos. Seus corpos, suas vontades, suas vidas, não lhes pertenciam, eram-lhes negados pela força.
Os romanos, nascidos da guerra, cultores da guerra. Deviam sua existência à guerra. Entre tantas cidades guerreando entre si na Itália, uma só deixaria seu nome bem marcado na História. Pela vitória na guerra. Pela força. Roma.
Conquistada a Itália, passar ao domínio externo. Vencer Cartago, por três vezes. Ser a senhora do Mediterrâneo. E exterminar Cartago, não deixar pedra sobre pedra. Delenda Cartago. Seus campos foram arados com sal, para que nem grama crescesse ali. Seus habitantes, ao fio da espada. A guerra total, jogada sobre a cabeça do inimigo.
E, dali, os escombros do famoso império de Alexandre. Os afamados gregos. O distante oriente médio. O berço da civilização egípcio. Os orgulhosos gauleses, os bárbaros bretões.
Sobre todos estes dominou Roma, lançando o seu brado de vitoriosa, guerreira orgulhosa. As suas lendas, os seus mitos, exaltavam a devoção guerreira de seus filhos. “Se procuras a paz, prepara-te para a guerra”. Sacrifícios eram esperados, e o indivíduo, e a família, eram deixados em segundo plano diante da exigência maior: servir à Pátria, conquistar a glória da vitória sobre o inimigo.
Esta é a Roma acostumada a não ter sentimento pelo próximo. É preciso esquecer compaixão, para melhor matar. É preciso tornar-se uma fria e eficiente máquina de matar. É preciso trucidar mulheres, trucidar bebês, mergulhar no sangue.
Dessa perspectiva, a existência de escravos, e circo de gladiadores, é facilmente compreendida, até justificada. Alguns pensadores sustentam que o derrotado, perdendo o direito da própria vida para o conquistador, não teria o que objetar pela perda da liberdade. Teria sido até beneficiado, por um ato de misericórdia de seu conquistador. Tão simples, não é verdade?
“Quem vive pela espada, morrerá pela espada”. O grande império da força, a grande aposta na guerra, em ser o primeiro, sempre, logo daria seus frutos amargos. Seus frutos de morte, devorados em regozijo furioso. Os espetáculos de corridas de bigas e gladiadores degenerariam, com os imperadores loucos, no espetáculo de homens sendo devorados por feras; homens sendo queimados vivos. Homens sendo crucificados.
A guerra civil faria outros tantos milhares de vítimas. Tantos generais, todos querendo ser o primeiro. Julio Cesar o diz, expressamente: “Melhor ser o primeiro entre os bárbaros, que o segundo em Roma” - ou algo assim. E os partidários de um ou outro general, também querendo ser os primeiros, e se caçando mutuamente pelas ruas da cidade. Leiam – e fiquem chocados – as Vidas de Mario, Sila, Bruto, Pompeu, Crasso, Marco Antonio, Cesar, por Plutarco. Leiam Da Guerra Civil, de Julio Cesar.
Do desastre da Guerra Civil, da Anarquia, mais absoluta, para o desastre da Tirania mais absoluta: a concentração de poderes na mão do Imperador, a partir de Augusto, gerou alguma estabilidade – ao custo da perda absoluta de liberdade para os cidadãos – o que ficou evidente a partir dos desmandos dos imperadores loucos – Tibério, Calígula, Nero... leiam Os Doze Césares – Suetônio - e ainda os males ressurretos das disputas sucessórias entre exércitos.
Roma apostou mais alto que todas na guerra, incendiando corações e mentes pelos séculos. Napoleão sonhou ser Cesar, e o Kaiser, e o Tzar, palavras derivadas de Cesar...
Hitler sonhou fazer surgir um novo império da força, com novos escravos para servir novos senhores. E, numa época de rancor e instabilidade da Alemanha, jogou todo um povo na perseguição deste sonho paranóico: é preciso matar para não morrer. É preciso escravizar para não ser escravizado.
De novo a aposta. De novo a tentação de provar do fruto da morte.
E o nosso próprio tempo, não é suficientemente insensível ao ser humano? Nosso tempo de exploração do sexo, vide BBB, nosso tempo de chute na cara, visto e exaltado por milhões, vide Vale Tudo, UFC, sei lá o quê? Nosso tempo de eleger novos bodes expiatórios, o favelado, talvez, ele que vende a droga, e pra quê falar em direitos, direito é de morrer numa vala suja, direito é de levar saco de plástico na cabeça... bala neles, chefia, dessa vez vai dar certo, que lição de História... eu quero mais é ser burro, eu quero mais é o sangue escorrendo, beber muito sangue...
Até vomitar, até o sangue ser o seu... e daí, quem sabe, para um novo amadurecimento. Quem sabe construiremos a sociedade mais justa? Quem sabe prestaremos mais atenção ao próximo, mais atenção a nós mesmos? Quem sabe não teremos mais uma sociedade em que todos querem ser jovens, o tempo todo jovens, e todos querem adular ao jovem, e assumir seus valores?
Quem sabe teremos mais leitura, e mais reflexão, e menos exibicionismo, e menos egocentrismo, e menos inconsciência?
“E o leão beberá água no regato, junto do cordeiro” - ou algo assim. Um pouco mais. Por mais um pouco de tempo.
E haverá então liberdade.
Vejam Espártaco.
Cotação: 10 estrelas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário