Os cultores de Utopias com propósitos concretos: assumir o poder, cometem um terrível erro.
Aspiram por um estado estático. Eterno. Mas, se a vida é um rio, como falou Heráclito.
Partem de um belo motivo: a revolta contra a miséria, o sofrimento. Mas, ao aspirar por uma solução final, derradeira, condenam-se a lutar contra uma Quimera. Algo que, se chegar a ser implantado, provocará o talvez maior sofrimento humano: a perda da liberdade de pensamento.
Condenam-se a lutar contra a realidade. A realidade um fluxo constante, infinito. Com que orgulho cego sonhariam ter a chave para interrompê-la? Vida do homem, palha que queima. Reflexo fugás da luz na superfície do mar.
Claro, lutar contra a a realidade cobra um preço. O fanático quer por violência impor sua vontade à História. Ele quer que o seu delírio prevaleça, está disposto a morrer (um pouco) e a matar (bastante) por isso.
Os fatos não me favorecem? Pior para os fatos. O ser humano é o único animal capaz desta proeza. Capaz de querer que a realidade se curve aos pobres delírios que traz na cuca. Delírios de grandeza.
Todos fazemos isso, em alguma medida. O fanático radicaliza, e seu habitat preferido é um clima de insegurança e injustiça social.
O delírio do fanático é este: sonhar uma realidade estática, o fim do conflito. Mesmo que exista uma base legítima para este desejo, a revolta contra o sofrimento, o orgulho (hybris), provocando imoderação, desmesura, produz uma Nêmesis.
É o momento em que os próprios atos do herói trazem o seu mau fim. É o cumprimento do seu trágico destino, nosso trágico destino, do ser humano.
É o momento em que se aceitou o certo mal como um meio, para perseguir aquele incerto fim. É o momento em que a certeza dos próprios sentimentos foi tão grande que ousou eliminar o que pensava diferente. Aquele que lhe parecia tão diferente de si próprio, e que no fim acabou se revelando como ele mesmo.
Mas é claro. Não eram os dois humanos, pisoteador e pisoteado? Não eram filhos de uma mulher, filhos de um homem? E por que o ódio e a intolerância os afastou de si mesmos, justificou que se assassinassem indefesas crianças?
O ódio e o sofrimento assustam o ser humano. Em pânico, ele corre para os braços de seus inimigos, que o dilaceram. “Aquele que luta contra monstros deve acautelar-se para não se tornar monstro. Se tu olhares por muito tempo dentro de um abismo, o abismo olhará também para dentro de ti.” (Friedrich Nietzche).
O fim da liberdade de pensamento é certo nas sociedades que passaram pelo domínio de fanáticos.
Fazia parte da lógica: se o fim é uma sociedade perfeita, estática, eterna, só uma ideia pode prevalecer.
O ser humano participa da mudança quando mudam suas ideias. Acreditava-se que a Terra era plana. Acredita-se hoje que é esférica. Mudou o ser humano, com seu pensamento.
“O homem é o homem e sua circunstância” (Ortega y Gasset).
Um outro homem vai chegar a outras conclusões, vai chegar a outras escolhas, a partir de seu pensamento. Acredita que a Terra é redonda? Então buscará um barco para dar a volta a ela.
A História humana é a História da mudança das ideias. Uma crença nasce, outra crença nasce, crescem, se desenvolvem, lutam entre si, fecundam-se, perpetua-se, transformada, ou desaparece. Hegel enxergou um movimento dialético da História, Teses, Antíteses e Sínteses, se misturando, formando um eterno fluxo de mudança, como aquele de Heráclito.
Enxergou bem. A mudança está à vista de todos. Leia-se “Do Mundo Fechado ao Universo Infinito”, de Alexandre Koyré, para acompanhar uma tremendíssima alteração do pensamento, nos séculos XVI e XVII, ocorrida na esteira das Grandes Navegações, da Reforma, dentre outros acontecimentos marcantes.
Um mundo caía, e nos seus estertores produzia desgraças: a Inquisição, as Cruzadas, as noites de São Bartolomeu. Pobre do santo, ter seu nome marcado por um acontecimento assim.
Que maior delírio foi aquele, as guerras santas, os morticínios santos, as torturas santas. O ideal dominando as mentes, cegando para o sofrimento humano.
Numa tentativa de parar a mudança. Mas a mudança sempre vem, sempre vai vir.
Quem vai parar o fluxo do tempo? Super-homem, que pára o relógio? Super-razão, que vislumbra a sociedade perfeita? Eu ainda não conheci.
Produz-se um rio de sangue, mas não interrompe o rio da História.
Nenhum comentário:
Postar um comentário