
Realmente, este livro
do ex-jurista, ex-ministro da Justiça, Saulo Ramos, é uma
enormidade.
Chama-se “Código da
Vida”, é de 2007, pela editora Planeta, e relata que o autor ouviu
o juiz Celso de Mello declarar que decidiria uma questão submetida
ao seu crivo, de uma maneira ou de outra, conforme melhor atendesse a
sua conveniência.
Teve de ouvir: “Juiz
de merda!”, do outro lado da linha:
Terminado seu mandato na Presidência da República
[1990], José Sarney resolveu candidatar-se a senador. O PMDB –
Partido do Movimento Democrático Brasileiro – negou-lhe a legenda
no Maranhão. Candidatou-se pelo Amapá. Houve impugnações fundadas
em questão de domicílio, e o caso acabou no Supremo Tribunal
Federal.
Naquele momento, não sei por que, a Suprema Corte
estava em meio recesso, e o ministro Celso de Mello, meu
ex-secretário na Consultoria Geral da República, me telefonou:
“O processo do presidente será distribuído
amanhã. Em Brasília, somente estão por aqui dois ministros: o
Marco Aurélio de Mello e eu. Tenho receio de que caia com ele, primo
do presidente Collor. Não sei como vai considerar a questão”.
“O presidente tem muita fé em Deus. Tudo vai
sair bem, mesmo porque a tese jurídica da defesa do Sarney está
absolutamente correta.”
Celso de Mello concordou plenamente com a
observação, acrescentando ser indiscutível a matéria de fato,
isto é, a transferência do domicílio eleitoral no prazo da lei.
O advogado de Sarney era o dr. José Guilherme
Vilela, ótimo profissional. Fez excelente trabalho e demonstrou a
simplicidade da questão: Sarney havia transferido seu domicílio
eleitoral no prazo da lei. Simples. O que há para discutir? É
público e notório que ele é do Maranhão! Ora, também era público
e notório que ele morava em Brasília, onde exercera o cargo de
senador e, nos últimos cinco anos, o de presidente da República.
Desde a faculdade de Direito, a gente aprende que não se pode
confundir o domicílio civil com o domicílio eleitoral. E a
Constituição de 88, ainda grande desconhecida (como até hoje), não
estabelecia nenhum prazo para mudança de domicílio.
O sistema de sorteio do Supremo fez o processo
cair com o ministro Marco Aurélio, que, no mesmo dia, concedeu
medida liminar, mantendo a candidatura de Sarney pelo Amapá.
Veio o dia do julgamento do mérito pelo plenário.
Sarney ganhou, mas o último a votar foi o ministro Celso de Mello,
que votou pela cassação da candidatura do Sarney.
Deus do céu! O que deu no garoto? Estava
preocupado com a distribuição do processo para a apreciação da
liminar, afirmando que a concederia em favor da tese de Sarney, e,
agora, no mérito, vota contra e fica vencido no plenário. O que
aconteceu? Não teve sequer a gentileza, ou habilidade, de dar-se por
impedido. Votou contra o presidente que o nomeara, depois de ter
demonstrado grande preocupação com a hipótese de Marco Aurélio
ser o relator.
Apressou-se ele próprio a me telefonar,
explicando:
“Doutor Saulo, o senhor deve ter estranhado o
meu voto no caso do presidente”.
“Claro! O que deu em você?”
“É que a Folha de S. Paulo, na véspera da
votação, noticiou a afirmação de que o presidente Sarney tinha os
votos certos dos ministros que enumerou e citou meu nome como um
deles. Quando chegou minha vez de votar, o presidente já estava
vitorioso pelo número de votos a seu favor. Não precisava mais do
meu. Votei contra para desmentir a Folha de S. Paulo. Mas fique
tranquilo. Se meu voto fosse decisivo, eu teria votado a favor do
presidente.”
Não acreditei no que estava ouvindo. Recusei-me a
engolir e perguntei:
“Espere um pouco. Deixe-me ver se compreendi
bem. Você votou contra o Sarney porque a Folha de S. Paulo noticiou
que você votaria a favor?”
“Sim.”
“E se o Sarney já não houvesse ganhado, quando
chegou sua vez de votar, você, nesse caso, votaria a favor dele?”
“Exatamente. O senhor entendeu?”
“Entendi. Entendi que você é um juiz de
merda!”
Bati o telefone e nunca mais falei com ele.”
Saulo Ramos faleceu em
2013, seis anos após o lançamento do livro, e Celso de Mello nunca
desmentiu o relato.
Ainda bem que não
estamos, ainda, numa completa Ditadura, e podemos contar com editoras
publicando, pessoas livres escrevendo, biografias não autorizadas.
Que pena, artistas que
lideram o movimento para que sejam caladas as vozes da Liberdade,
Caetano Veloso, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Gilberto Gil, Chico
Buarque, dentre outros, que vocês abracem causa tão equivocada.
Quem não se peja de
defender Ditaduras não merece qualquer respeito.
Cada preso político
morto numa masmorra.
Cada Hitler e cada
Stalin.
Cada massacre
perpetrado por um fanático.
Tudo isto em seu nome.
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