sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Conde Drácula - Parte 2














“Eu ainda estava sentado quando novo clamor me fez estremecer. Agora o som vinha do pátio, lá embaixo, e era um grito de agonia de mulher. Corri para junto da janela e, abrindo-a, espreitei através das barras. E, de fato, vi uma mulher de cabelos desgrenhados, com ambas as mãos cerradas e apertadas contra o coração, como alguém esgotado depois de uma corrida desesperada. Ela se apoiava de encontro a um dos ângulos da galeria do pátio. Quando avistou meu rosto na janela, arremessou-se para a frente, com um gemido, e gritou com voz estridente e ameaçadora.

  • Monstro! Dá-me a minha criança!

A seguir ela caiu de joelhos e, erguendo ambas as mãos, voltou a gritar as mesmas palavras, em um tom que dilacerava meu coração. E sem conter seu grande desespero, ela arrancava os próprios cabelos, golpeava o peito, abandonando-se a todas as violências típicas de uma emoção descontrolada. Por fim atirou-se ao chão. E embora não mais pudesse vê-la, continuei ouvindo os infindáveis golpes que suas mãos desferiam contra a porta.

Vindo de algum lugar bem acima de onde eu me encontrava, provavelmente do alto da torre, onde se postara – ouvia o conde chamar algo ou alguém, com sua voz cruel e metálica. Seu apelo foi respondido, a distância e por todo o derredor, por várias matilhas de lobos que uivavam. E, ao cabo de alguns minutos, uma porção deles irrompeu da orla da floresta, como a avalancha que rompe uma represa, e invadiu o pátio através da ampla entrada do castelo.

Não consegui ouvir um único grito da mulher. O rosnado dos lobos também durou bem pouco tempo. Passado um instante e ainda lambendo os beiços ensanguentados, foram saindo um por um, e deixaram o pátio.”

Bram Stoker, in Drácula


O homem avança por estágios. Sólon (c. 640 – 553 a.C.) tem um brilhante poema sobre isto:


Quando, no sétimo ano de vida, o menino se desfaz do primeiro ciclo dentário, ele é ainda bem imaturo, mal tem o domínio da fala.
Se, no entanto, Deus o aperfeiçoar por mais sete anos, já aparecerão sinais de que agora a juventude etá amadurecendo.
Brota-lhe a barba no terceiro setênio, e a pele a desabrochar
acentua seu matiz; seu corpo estica-se cheio de força.
Porém a força do homem desenvolve-se ao máximo somente agora, no quarto setênio. O homem realiza façanhas.
No quinto setênio o homem procura casar-se, para que no futuro cresça uma geração próspera.
Depois, no sexto, a atitude moral do homem amadurece e se fortalece; futuramente, ele não mais ocupar-se-á com obra fútil.
Por catorze anos, no sétimo e no oitavo setênios, prosperam sua fala e seu espírito com abundância e força.
No nono também ainda floresce alguma coisa, mas da altura da coragem varonil emana dele a sabedoria e a palavra.
Se Deus, porém, completar o fim do décimo setênio, a morte lhe colherá num tempo bem propício.

Mas nem só cronológico é o estágio. Existem estados de sentimento, dentro de uma ou outra idade, que produzem diferenças no homem.

Um estado de ser convencido de suas próprias potencialidades. Um estágio de melancolia. Um estado de derrota. Tudo isto podem ser estados, ou estágios, dentro de um mesmo homem.

Um estágio de ser filho. Um estágio de ser pai. Um estado de derrota. Um estado de vitória.

Um estado de ser irresponsável. De ser criminoso. De ser herói. De reproduzir alguma antiga tragédia.

E um único significado para esta profusão que é a vida de um homem: dar-lhe uma ordem para fazer diminuir o sofrimento. Dar-lhe um sentido.

Um único sentido para dar compaixão e dignidade para esta experiência de ser humano.

Ordenar-se, e ao mundo, para que façamos sentido.

Ordenar-se para reprimir a horrível face da desordem: os assassinatos, a loucura, a miséria.

Porque o imoral assassino surge de uma imoral sociedade, é que temos de pertencer a esta sociedade, dar nosso contributo para ela, nosso trabalho, nossa família, nossa honestidade, para que ela prosseguir em Justiça.

Este um homem moral, um homem consciente, um homem que cuida de seu destino.

E a sociedade precisa se organizar, sua lei, seu exército, sua polícia, sua justiça. Seu Governo.

E se o Governo for corrupto, imoral, totalitário, prepotente, pior para toda a população.

Pior para todos os seus filhos, pátria amada, mãe gentil.

Pior para todos os seus filhos, roídos de miséria, roídos de deboche, em perfumados salões.

Lá onde o Poder reina grande.

Afunda-se em barbárie, afunda-se em fanatismo. Uns poderosos que se cercam de capangas, dizem-se tão preocupados com o povo, preocupam-se em salvar-se das tramóias que armam com o dinheiro do povo.

Vivendo à grande, por quaisquer meios, enquanto um país passa fome e injustiças grassam?

Entupindo-se de salários, e verbas públicas, e subornos e golpes de milhões, um preocupado em limpar o rabo do outro, pra continuar essa farra...

Depois vendo, consternados, que mais uma montanha caiu soterrando casas, quando uma barreira devia ser feita. Porque estes poderosos não organizaram nada, e os bilhões que engrossaram as contas de uns bons amigos faltaram para pagar um salário a quem tinha de fazer um trabalho.

Um preço justo, e não este roubo vil.

E daí vocês, delirantes, vão posar para alguma foto, vão fazer um discurso e uma cara de compungidos, e vão achar que o dever de casa está feito, e vocês já podem sair pra mais um conchavinho, mais uma festinha em Paris ou no endereço de luxo que for, e que vocês são muito bonzinhos...

Canalhas, é o que são, canalhas, e asquerosos, e montes de merda...

Querendo, com seu exemplo, nos demonstrar como a falta de moral é uma realidade insofismável, e uma benesse.

E que é muito corajoso quem aceita o seu jogo.

Aonde, bandidos, mulheres fúteis, que viajam de jatinho para fazer compras, que exploram e enganam os mais miseráveis, senhores e senhoras de engenho, aonde isto foi moral e exemplo?

Brincar num salão de beleza, luxos de barbies. E descurar plenamente a Educação de seus filhos. Sem qualquer pensamento sombrio, sem qualquer percepção de miséria.

Um país sem Lucrécias, sem patrícios revoltados, só com Tarquínios Tiranos, Soberbos?
Soltar uma esmola, quando a grande máquina de espremer o mais pobre está em pleno funcionamento, e à toda?

Soltar uma esmola, quando se está jogando o jogo de soltar bilhões para uns bons amigos?

Soltar uma esmola, quando se está levando à bancarrota o futuro, as melhores chances, de milhões e milhões de pessoas, seres humanos sem saneamento, sem hospital, sem polícia, sem Justiça, sem escola?

Massas para reproduzirem este roubo bilionário, esta malversação do Patrimônio Público. Massas para serem enganadas, para serem espoliadas até a miséria mais negra. Até o filho morrer por falta de saneamento, em algum hospital público que não tem médico, não tem enfermeiro, e não tem medicamento. Sofrendo esta indignidade, e quem sabe sendo humilhado por um funcionáriozinho mal pago. Ou por um Secretário ou Ministro de Saúde, ou Presidente da República, que afirma que falta pouco para esta Saúde porca atingir a perfeição.

Quanto asco, quanto nojo, desta arrogante e estúpida ilusão. Mas segue por aí, o Paizinho dos Pobres, o Bem Amado, o Mais Querido, o Filho do Brasil, o Enviado do Céu, o Deus, deste culto baixo, destas prostitutas sacerdotisas, o Estadista, o Herói que Vai Resolver Nossos Problemas, vai nos dar uma esmola, que bom, enquanto o roubo de milhões e bilhões passa debaixo dos nossos narizes, com nossos advogados de milhões que defendem clientes de bilhões, perante juízes de mais alta instância, colocados ali justamente por estes advogados e clientes.

Ternos bem cortados, e falas elegantes, e por dentro podridão e coisa morta.

Conquistaram o Poder, conquistaram a Riqueza, muito bem. E pra que lhes serviu todo este Poder, e toda esta Riqueza? E o que perderam para conquistar tanto Poder e tanta Riqueza? O que lhes custou, em moeda de dignidade e inocência?

Conquistaram Poder, conquistaram Riqueza, mas fizeram um Estado e um país mergulharem na miséria, populações animalizadas pela ignorância e a miséria, gado para entregar seu voto e seu poder para algum coronel de plantão.

Um coronel que vai se grudar como pulga, ou carrapato, ou sanguessuga, por 20, 30, 40, 50 anos, se não morrer.


Como um vampiro, um conde Drácula, eternamente se alimentando daquele sangue, sendo sustentado por aquele povo, índice de desenvolvimento daquele povo de país africano em guerra ou seca prolongada.

Este é dos nossos invejáveis, intocáveis, incomuns, um dos nossos poderosos.

Vergonha. Vergonha. Vergonha.

“Lá estava realmente o conde, mas seu aspecto geral mostrava-o muito rejuvenescido, pois seus cabelos brancos, assim como o bigode, tinham mudado de cor, tornando-se muito mais escuros, com um tom de cinza bastante intenso. As maçãs do rosto se mostravam bem mais cheias e a alvura de sua pele deixava transparecer uma tonalidade rosada. Sua boca estava mais rubra do que nunca, pois nos lábios brilhavam grossos pingos de sangue ainda fresco, os quais escorriam até o queixo e ao longo do pescoço. Até seus fundos e congestionados olhos pareciam repousar em órbitas mais firmes, pois as pálpebras se revelavam ligeiramente intumescidas. Parecia que todo o corpo da asquerosa criatura fora embebido em sangue, jazendo agora como uma repulsiva sanguessuga, exausta e entorpecida por sentir-se saturada.”

- Bram Stoker, in Drácula

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