
"O segredo da felicidade está na liberdade, e o segredo da liberdade está na coragem" - Péricles
Fuga do campo 14 foi um
grande livro lançado em 2012, pela editora Intrínseca. Escrito por
um jornalista americano, Blaine Harden, baseado nas memórias de um
norte-coreano, Shin Dong-hyuk, que nasceu e passou 23 anos num campo
de prisoneiros de segurança máxima, do qual foi o único a
conseguir escapar.
O relato de atrocidades
físicas e morais impressiona. O último estágio do que o ser humano
pode fazer pra outro. Do sistema de opressão de que é capaz o
engenho humano, que funde numa mesma prisão de medo e ódio, abuso e
vergonha, guardas e prisioneiros.
Sendo que estes sofrem
mais, é claro.
Mas todos têm medo,
medo de perder o posto, medo de sofrer as últimas injúrias que eles
mesmos infligem. O vigia de turno espreme o máximo que conseguir
seus subordinados, pois se a cota for insuficiente ele é que vai
estar na posição de ser espremido, pelo outro vigia que pegou seu
lugar.
A luta pela
sobrevivência do protagonista do livro é reduzida à sua dimensão
mais instintiva e básica. Ele não se peja de catar alguma migalha
no chão, ou de revirar o esterco à cata de alguns grãos de milho
não digeridos.
Ele nasceu naquela
condição, uma relação sexual permitida dentro das rígidas leis
do campo. Uma recompensa para as habilidades de seu pai, a quem podia
ver raramente, sendo criado num clima de disputa por comida com sua
mãe e seu irmão. Nada de amoroso convívio familiar.
Na passagem mais
tenebrosa do livro, ele confessa que delatou um plano de fuga de seu
irmão, tendo este e sua mãe sido executados diante de seus olhos.
O absurdo da existência
humana levado a um ápice.
Naquela existência que
lhe coube por sorte, ele não conhecia outro mundo senão aquele da
prisão, da exploração do trabalho, dos castigos físicos, da
vigilância contínua, das regras estritas, da desconfiança, da
disputa e da traição.
“(...) todos os anos,
alguns prisioneiros são executados em público. Outros são surrados
até a morte ou secretamente assassinados por guardas, que
praticamente têm carta branca para maltratá-los e estuprá-los. Em
sua maioria, os detentos trabalham na agricultura, na extração de
carvão, na confecção de uniformes militares ou na fabricação de
cimento, subsistindo com uma dieta de fome de milho, repolho e sal.
Perdem os dentes, as gengivas ficam pretas, os ossos se enfraquecem,
e, quando chegam à casa dos quarenta anos, ficam arqueados na altura
da cintura. Como recebem um conjunto de roupas uma ou duas vezes por
ano, em geral eles trabalham e dormem vestindo trapos imundos,
levando a vida sem sabão, nem meias, luvas, roupas de baixo ou papel
higiênico. Jornadas de trabalho de 12 a 15 horas são obrigatórias,
até que os prisioneiros morram, em geral de doenças relacionadas à
desnutrição, antes de completar cinquenta anos.”
Talvez uma pintura de
Bosch pudesse retratar o horror. Abrir os olhos de quem só tem olhos
para enxergar os problemas da Disneylândia.
Que uma tal exploração
do ser humano exista entre nós é causa de vergonha para o ser
humano.
Como as minas de pedras
preciosas exploradas por espanhóis e portugueses. Como os massacres
de índios e de tantos povos. Como as guerras levadas a populações
indefesas. Como a tortura impune de presos.
Ou sendo explorado até
a morte por um Czar. Ou sendo insultado por algum nobre na França. Algum traficante armado, ou algum policial boçal, em alguma favela.
Não está confinado a
uma página de um jornal ou de um livro de história. Mas no aroma
perfumado dos jardins nos perdemos, em vidas de egoísmo e
inconsciência, preferindo esquecer o papel que nos cabe para influir
neste sistema, que nos governa e governa a vida de nossos filhos.
Melhor para os
espertalhões, ou os mais gananciosos, ou os mais inescrupulosamente
determinados a ocupar as posições de mando. Estes farão o sistema
à sua imagem e semelhança, felizes por não ter de disputar conosco
a liderança. Vão nos roubar nosso direito, nossa dignidade, nossa
liberdade de participar na condução de nosso destino, e não vamos
sequer nos dar conta.
Depois, o sistema pode
degenerar numa Alemanha de Hitler, numa Rússia de Lênin e Stálin,
numa Coréia do Norte de Kim-jong Il, e será muito tarde para
lamentar.
Ou pode degenerar na
corrupção da sua Prefeitura, que vai gerar a prisão super-lotada,
e o ritual de roleta russa dentro dela, e também será muito tarde
para lamentar.
Existem muitas formas
de inferno.
Eles começam sempre
pela ausência de liberdade.
"Eu não sabia o que eram compaixão ou tristeza. Eles nos educavam desde o nascimento para que não fôssemos capazes de emoções humanas normais. Agora que saí de lá, estou aprendendo a me emocionar. Aprendi a chorar. Tenho a impressão de que estou me tornando humano." - Shin Dong-hyuk
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