terça-feira, 9 de outubro de 2012

Fuga do campo 14

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"O segredo da felicidade está na liberdade, e o segredo da liberdade está na coragem" - Péricles



Fuga do campo 14 foi um grande livro lançado em 2012, pela editora Intrínseca. Escrito por um jornalista americano, Blaine Harden, baseado nas memórias de um norte-coreano, Shin Dong-hyuk, que nasceu e passou 23 anos num campo de prisoneiros de segurança máxima, do qual foi o único a conseguir escapar.

O relato de atrocidades físicas e morais impressiona. O último estágio do que o ser humano pode fazer pra outro. Do sistema de opressão de que é capaz o engenho humano, que funde numa mesma prisão de medo e ódio, abuso e vergonha, guardas e prisioneiros.

Sendo que estes sofrem mais, é claro.

Mas todos têm medo, medo de perder o posto, medo de sofrer as últimas injúrias que eles mesmos infligem. O vigia de turno espreme o máximo que conseguir seus subordinados, pois se a cota for insuficiente ele é que vai estar na posição de ser espremido, pelo outro vigia que pegou seu lugar.

A luta pela sobrevivência do protagonista do livro é reduzida à sua dimensão mais instintiva e básica. Ele não se peja de catar alguma migalha no chão, ou de revirar o esterco à cata de alguns grãos de milho não digeridos.

Ele nasceu naquela condição, uma relação sexual permitida dentro das rígidas leis do campo. Uma recompensa para as habilidades de seu pai, a quem podia ver raramente, sendo criado num clima de disputa por comida com sua mãe e seu irmão. Nada de amoroso convívio familiar.

Na passagem mais tenebrosa do livro, ele confessa que delatou um plano de fuga de seu irmão, tendo este e sua mãe sido executados diante de seus olhos.

O absurdo da existência humana levado a um ápice.

Naquela existência que lhe coube por sorte, ele não conhecia outro mundo senão aquele da prisão, da exploração do trabalho, dos castigos físicos, da vigilância contínua, das regras estritas, da desconfiança, da disputa e da traição.

“(...) todos os anos, alguns prisioneiros são executados em público. Outros são surrados até a morte ou secretamente assassinados por guardas, que praticamente têm carta branca para maltratá-los e estuprá-los. Em sua maioria, os detentos trabalham na agricultura, na extração de carvão, na confecção de uniformes militares ou na fabricação de cimento, subsistindo com uma dieta de fome de milho, repolho e sal. Perdem os dentes, as gengivas ficam pretas, os ossos se enfraquecem, e, quando chegam à casa dos quarenta anos, ficam arqueados na altura da cintura. Como recebem um conjunto de roupas uma ou duas vezes por ano, em geral eles trabalham e dormem vestindo trapos imundos, levando a vida sem sabão, nem meias, luvas, roupas de baixo ou papel higiênico. Jornadas de trabalho de 12 a 15 horas são obrigatórias, até que os prisioneiros morram, em geral de doenças relacionadas à desnutrição, antes de completar cinquenta anos.”

Talvez uma pintura de Bosch pudesse retratar o horror. Abrir os olhos de quem só tem olhos para enxergar os problemas da Disneylândia.

Que uma tal exploração do ser humano exista entre nós é causa de vergonha para o ser humano.

Como as minas de pedras preciosas exploradas por espanhóis e portugueses. Como os massacres de índios e de tantos povos. Como as guerras levadas a populações indefesas. Como a tortura impune de presos.

Ou sendo explorado até a morte por um Czar. Ou sendo insultado por algum nobre na França. Algum traficante armado, ou algum policial boçal, em alguma favela.

Não está confinado a uma página de um jornal ou de um livro de história. Mas no aroma perfumado dos jardins nos perdemos, em vidas de egoísmo e inconsciência, preferindo esquecer o papel que nos cabe para influir neste sistema, que nos governa e governa a vida de nossos filhos.

Melhor para os espertalhões, ou os mais gananciosos, ou os mais inescrupulosamente determinados a ocupar as posições de mando. Estes farão o sistema à sua imagem e semelhança, felizes por não ter de disputar conosco a liderança. Vão nos roubar nosso direito, nossa dignidade, nossa liberdade de participar na condução de nosso destino, e não vamos sequer nos dar conta.

Depois, o sistema pode degenerar numa Alemanha de Hitler, numa Rússia de Lênin e Stálin, numa Coréia do Norte de Kim-jong Il, e será muito tarde para lamentar.

Ou pode degenerar na corrupção da sua Prefeitura, que vai gerar a prisão super-lotada, e o ritual de roleta russa dentro dela, e também será muito tarde para lamentar.

Existem muitas formas de inferno.

Eles começam sempre pela ausência de liberdade.


"Eu não sabia o que eram compaixão ou tristeza. Eles nos educavam desde o nascimento para que não fôssemos capazes de emoções humanas normais. Agora que saí de lá, estou aprendendo a me emocionar. Aprendi a chorar. Tenho a impressão de que estou me tornando humano." - Shin Dong-hyuk




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