quinta-feira, 18 de junho de 2009

E ele fez de novo

O presidente Lula mais uma vez empresta o peso de sua popularidade pra “aliviar a barra” de um companheiro, atolado em denúncias de corrupção. Na mais recente operação abafa, “nosso líder” reagiu às revelações das falcatruas de Sarney no Senado, atacando o “denuncismo”, e dizendo que Sarney tem história suficiente para não ser tratado como uma pessoa comum.
De fato, lendo a sessão de cartas do jornal, lembramos detalhes desta história de Sarney: governou, com seu clã, o Estado do Maranhão, por quarenta anos, e hoje o Maranhão possui os piores indicadores sociais do país; amealhou seu poder político amparado pela ditadura militar, e, presidente do PDS, comandou a votação contrária às “diretas já”; acabou presidente da república, e durante o seu mandato atingimos os maiores índices de inflação da nossa História; depois, usou da sua malandragem de raposa velha, arrumando um domicílio eleitoral no Amapá, para se eleger senador por este Estado; isto, para ficarmos nas “grandes linhas” da sua biografia, já dá pra fazer uma idéia do retrato.
Agora vêm à tona as novas farras da grande figura, presidente do Senado pela terceira vez: ganhava R$3.800,00 mensais, indevidamente, a título de auxílio-moradia; questionado, negou, e depois, pediu desculpas por ter “passado a informação errada”; por um “equívoco”, a administração do Senado passou a depositar na sua conta o auxílio, e Sarney “tinha a impressão de que não estava recebendo”.
Não bastasse, veio o caso dos atos secretos editados pelo Senado: mais de 650, pela última contagem; e, para variar, os familiares e agregados de Sarney estão entre os principais beneficiados:
Ivan Celso Furtado Sarney, irmão de Sarney; João Fernando Michels Gonçalves Sarney, neto de Sarney; Rosângela Terezinha Michels Gonçalves, mãe de João Fernando e namorada de Fernando Sarney, irmão de Sarney; Isabella Murad Cabral Alves dos Santos, sobrinha de Jorge Murad, marido de Roseana Sarney, filha de Sarney; Shirley Duarte Pinto de Araújo, namorada de Ernane Sarney, irmão de Sarney; Maria do Carmo de Castro Macieira, sobrinha de Marly Sarney, mulher de Sarney; Vera Portela Macieira Borges, sobrinha de Marly Sarney; Virgínia Murad de Araújo, parente de Jorge Murad, genro de Sarney.
E haja Sarney! Entre as historinhas divertidas envolvendo tantos familiares, destaco só uma, a título de exemplo: Isabella Murad, 25 anos, arquiteta, continuava recebendo salário do Senado, embora esteja morando em Barcelona, na Espanha. O secretário de Comunicação do governo do Maranhão, Sérgio Macedo, afirmou que Isabella devolverá aos cofres públicos o dinheiro ganho do Senado desde que saiu do País, no início do ano. "Antes de sair ela deixou pronto o pedido de demissão, mas por alguma falha técnica isso não foi processado", afirmou Macedo. Ah, bom! Agora estamos explicados. Sempre tem uma explicação na gaveta, esperando ser sacada quando explode a merda, e aí eles se dignam (ou dizem que se dignam) a devolver o dinheiro, dividido em suaves prestações a perder de vista, e sem juros, que ninguém é de ferro...
Isabella foi nomeada em fevereiro de 2007, pelo então líder do PTB, senador pelo Maranhão e aliado de Sarney, Epitácio Cafeteira, que nunca deu pela falta de Isabella. "Não sou fiscal de funcionário." - afirmou o senador, convicto. Disse ainda que nomeou a arquiteta a pedido de um amigo, Eduardo Lago. "Ele é tio dela e me pediu que nomeasse, mas esqueceu de avisar que ela tinha conseguido uma bolsa de estudos na Espanha". Está muito certo: pra que se preocupar com o salário que é pago pro funcionário que não tem um trabalho, se a conta vai ser espetada nos trouxas? E se este cargo só é criado para isso mesmo, troca-troca de favores entre poderosos?
Não era à toa que as nomeações foram secretas.Uma rede de relações podre, um enredo que se repete: você é meu aliado? Arruma uma vaga no seu Gabinete pra esse fulaninho(a) que é meu amigo/parente/amante, e em troca eu te dou apoio naquela votação importante, e lembra que eu te salvei a pele quando teve aquela denúncia, e... etc etc etc... por aí se vê em que patamar ficam os interesses do país.
Podem nos chamar de palhaços. Podem nos dar tapas na cara. Não reagimos nunca. Vergonha, uma imensa vergonha!
V – E – R – G – O – N – H – A! Como é que se pode escrever esta palavra, para que ela recupere um pouco da sua força? De tanto que foi usada, tornou-se banal, Boris Casoy no jornal da noite, “Isto é uma vergonha”, estava certo, mas não se fez nada, nunca se faz nada, e nos acostumamos à degradação...
Quando é que se vai dar um basta? Para começar, acabar com essa infinidade de cargos em comissão. Os funcionários de Senado, Câmara, Ministérios, devem ser concursados, ter suas funções definidas em lei, para atender os representantes eleitos. É com estes funcionários que os representantes eleitos precisam trabalhar! Eles têm de ter nos seus Gabinetes funcionários de carreira, da Casa, e não do parlamentar, com atribuições definidas EM LEI, para dar o apoio administrativo. Farão pesquisas, organizarão pautas, servirão cafezinho, atenderão o público, agendarão reuniões e entrevistas. Sai parlamentar, entra parlamentar, os funcionários são os mesmos, profissionais para desempenhar um trabalho.
Deputados e senadores também precisam cumprir com suas atribuições e responsabilidades, DEFINIDAS TAMBÉM EM LEI, e TRABALHAR, de segunda a sexta, como bons mortais, um mês de férias por ano, discutirão propostas, ouvirão representantes da sociedade, votarão, E TERÃO O PATRIMÔNIO FISCALIZADO, PRESTARÃO CONTA DE DESPESAS NÃO COMPATÍVEIS COM SEUS SALÁRIOS, como qualquer mortal, e até com cuidados em dobro, em razão da grande responsabilidade dos cargos que ocupam.
Talvez daqui a mil anos. Porque AGORA, vemos nosso presidente fazer o discurso oposto: Sarney não é para ser julgado como “pessoa comum”; Sarney não tem de prestar contas. O velho discurso de sociedade escravocrata, dividida em castas. O velho discurso, que é o nosso discurso, que reflete o nosso pensamento e a nossa cultura: quatrocentos anos de escravidão, para pouco mais de cem anos livres da escravidão, ou com uma escravidão mais dissimulada... tudo isto pesa, é nossa história, nossa herança, ainda temos uma proporção desfavorável para reverter, mas os tempos estão mudando, e cada vez mais rápido... a matemática não é tão exata, quando aplicada ao inconsciente coletivo de uma sociedade. Não estamos condenados a esperar mais trezentos anos para igualar o jogo, e a partir daí adotarmos a justiça e a igualdade nas nossas relações. A mudança já é possível e presente HOJE, em muitos níveis.
Mas é preciso estar consciente e lutar por essa mudança. Lula se elegeu por muita gente que pensava que ele era o homem para “mudar tudo isso que está aí”. Ou seja: romper com nossa herança, ser o ponto de virada. Como símbolo, Lula se prestava bem para isso: era finalmente o “homem do povo” que chegava ao Poder. O PT, também, era o “partido da mudança”. O partido que não iria tolerar a corrupção, inauguraria uma nova era na política, de práticas modernas e avançadas, republicanas, impessoais... isto, deve-se dizer, para os que permitiam que a vontade de acreditar obscurecesse seu juízo crítico. Afinal, o que era a proposta socialista de Lula e do PT, quando na oposição, senão um retorno ao nosso velho patrimonialismo, com uma roupagem moderna?
Pois não se está de novo defendendo que o Estado decida pelo indivíduo, e que os homens que operam este Estado concentrem um enorme poder, poder político e econômico? E o que faz isso, se não criar um novo fosso, entre os que governam, e os que são governados? De novo, senhores e escravos, desta vez justificados pela ideologia “científica”, que desvenda o “sentido da História”. Faz-se uma revolução em Cuba para derrubar uma ditadura nojenta, e aonde se chega? Em uma nojenta ditadura... ironias do redemoinho da história, circularidade da cultura, mudam-se as formas, as palavras, as justificativas, continua-se na prisão do privilégio. Socialismo é o neo-patrimonialismo. Em oposição, ambos, à temida, mal-compreendida, idéia da liberdade, igualdade e responsabilidade, para todos os membros da sociedade.
Fazendo este reparo, é inegável que para muitas destas pessoas que viviam nas nuvens, na pureza do reino das idéias, Lula e o PT eram o símbolo desta mudança ansiada, ainda que mal definida.
Mas aparências podem ser enganadoras... os símbolos do novo tinham o mesmo pensamento antigo, as mesmas práticas... o discurso é que mudava um pouco, para capitalizar em votos o sentimento difuso pela sociedade, de revolta contra a injustiça, de luta por melhores condições de vida. Mas atingido o poder, viu-se que o objetivo era apenas o de usufruir por sua vez as benesses de não ser mais uma pessoa comum. O discurso prometia que todos seriam “comuns”, iguais. Na prática, depois que “se chegou lá”, ninguém quis abrir mão de ser um dos “incomuns”. Depois de tanto trabalho pra conquistar o poder, vamos ter de renunciar a tudo isto? Admitir que a lei nos limite, ter de prestar contas, não poder ganhar os “presentinhos”, carros esporte e mansões, ter de trabalhar, essa coisa de escravo? Ah, não, ninguém é santo, melhor é se juntar aos velhos demônios que andam por aqui, misturar-nos todos, animal farm, fazer a farra no chiqueiro... prisão da cultura, circularidade da história...
E toma lotear cargos públicos, com um furor “nunca dantes visto na história deste país”; toma beijar mão de Jader Barbalho, fazer afago em Severino Cavalcanti, rezar com o bispo Crivella, defender Renan Calheiros e José Sarney... Em troca-troca, estes aliados todos vão blindar o Governo nas CPIs, vão defender mensaleiros, assessores com dólares na cueca, aloprados, assessores filmados enquanto ganhavam propina de “empresário” do bicho... coisinhas poucas, bobagens, como se vê... um casamento perfeito, da fome com a vontade de comer: e pra que brigarmos entre nós, que somos os poderosos, e podemos nos machucar, quando muito mais fácil é nos unirmos pra esfolar os trouxas? O velho poder convive muito bem com o novo poder. As velhas táticas coronelistas são retomadas, agora com todo o peso do Governo Federal, nunca antes com tantos recursos e instrumentos (cerca de 40% do PIB do país). Nunca antes na História desse país se viu um curral eleitoral tão grande! Antes davam dentadura, pipa de água? Agora tem um cadastro, e dão bolsa-família... como dizem, socialismo é o neo-patrimonialismo.
Mas os velhos poderes não desaparecem da noite para o dia, é preciso conviver com eles. Sarney tem a experiência de anos de prática do poder, Jader Barbalho, ACM, quando vivo, Collor, e Renan Calheiros... e os evangélicos estão despontando, atenção para eles...
Mas tem espaço pra todos, na festa dos “incomuns”; na festa de Saló, os 120 dias de Sodoma; para encerrar o grande evento, será oferecido um grande banquete, regado a Romané Conti e uísque importado, e o prato principal será uma pessoa comum do povo: servida ainda viva, com horror no olho, e uma maçã na boca.

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