segunda-feira, 22 de junho de 2009

Teocracia infernal

"Eu não conheço ninguém, a não ser a oposição, que tenha discordado da eleição do Irã. Por enquanto, é apenas uma coisa entre flamenguistas e vascaínos.” - Luís Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil.

Ontem mais dez pessoas assassinadas no Irã, jovens que protestam contra o regime tirânico dos aiatolás, teocracia infernal. A quantas anda a contagem dos corpos? Não vou me dar ao trabalho de pesquisar no Google para saber. Só serviria pra me deixar deprimido.
Mas agora vejo uma das vítimas de ontem, no Fantástico, uma jovem que levou um tiro, de um dos militares/paramilitares, uma dessas porcarias de cães de guarda do regime, caída no chão, na rua. Uma das raras imagens que escaparam do cerco à comunicação imposto, talvez um celular filmando o desespero dos que rodeiam a menina, 18, 19 anos? O que é que o repórter diz, ela está sendo chamada, ou seu nome significa A Voz, no idioma do Irã? Triste metáfora concreta estendida no chão, vítima do governo que se diz divino, mas que não tolera a liberdade...
Ali Khamenei, aiatolá e líder supremo, já tinha ameaçado, na sexta-feira: vai haver derramamento de sangue. Devia dizer que vai haver mais derramamento de sangue, na verdade, pois o sangue já vinha sendo derramado, àquela altura...
Alguém precisa urgentemente explicar pro presidente Lula, usando figurinhas, porque ele não gosta de ler, que democracia não tem quadros paramilitares; que em democracia, não se atira em multidões que fazem passeatas, e se justifica estes assassinatos covardes... que em democracia não se proíbem jornalistas de cobrir as manifestações, não se prendem e sequestram jornalistas, não se prendem manifestantes pacíficos...
Em democracia, exerce-se a tolerância, algo um pouquinho diferente, por exemplo, da ameaça do promotor da província de Isfahan, Mohammadreza Habibi: “Alertamos elementos controlados por estrangeiros que tentam perturbar a segurança que a pena para a guerra contra Deus é a execução.”
“Guerra contra Deus”, tão somente... mas por trás de tanta invocação do Santo Nome em vão, um governo bem e bem preocupado com o vil mundo da matéria, na descrição do correspondente do Globo José Meirelles Passos, na edição de sábado, 20.06.2009: “A elite do regime teocrático iraniano procura, sobretudo, manter as suas mordomias – num país onde 40% da população sobrevivem com o equivalente a US$ 15 por mês. O aiatolá Ali Khamenei, sob o manto de líder supremo da Revolução Islâmica, trata de preservar não apenas a aura da chamada Revolução Islâmica, mas, também, os benefícios que ela trouxe para aiatolás e clérigos em geral, além de parentes e amigos. Eles se transformaram numa casta – a dos “mulás milionários”, que circulam por Teerã em Mercedes e BMWs, jogam golfe em clubes fechados e viajam frequentemente para a Europa. Eles não querem abrir mão do que conquistaram a partir da privatização dos anos 90, quando centenas de empresas foram vendidas a quem tinha conexões com as pessoas certas do regime.” (...)
Na “democracia” (bota aspas nisso...) iraniana ocorrem, simplesmente, apedrejamento de mulheres, repressão contra minorias religiosas, execução de homossexuais, encarceramento de políticos, censura à imprensa... Ah, mas eles são contra o “Grande Satã”, os Estados Unidos, então no fundo eles devem ser bons, conforme pensam muitos da nossa esquerda chique. Me bate que eu gosto, não é, dona Intelectuália? Síndrome da mulher do malandro...
Quanto às maravilhosas “eleições” de tal regime, transcrevo a resposta da historiadora iraniana Guity Nashat, quando perguntada no Globo de 18.06.09 se acreditava que as eleições foram fraudadas: “Eu não estava lá, mas como eles podem dizer que 63% das pessoas votaram em Ahmadinejad duas horas depois das eleições? Eles contaram os votos? Quantos votos, 40 milhões de votos? Quero dizer, como fizeram isso duas horas depois de fecharem as urnas? Eles disseram “deixem pra lá, já decidimos”. Esta é a impressão que tenho, de que foi o que fizeram.” E, acrescento eu, depois de todas as pesquisas apontarem para vitória do candidato de oposição. E de terem sido impedidos de acompanhar a votação quaisquer representantes da oposição ou observadores internacionais. Na verdade, menos de vinte (!) minutos após o fechamento das urnas, 20% das cédulas já teriam sido contadas: recorde de velocidade absoluto de contagem de cédulas de papel.
Mas podemos confiar na honestidade e boas intenções do regime iraniano, que pode ser totalitário e violento, mas é de Deus. Ou de Alá. E podemos também confiar na preclara intuição de “nosso líder”, e no comando de nossa política externa. Está feio o negócio: além de abanar o rabinho para os velhos ditadores de Cuba, da China, agora agora demos de abanar também pra Hugo Chávez na Venezuela, pra Coréia do Norte, pro Irã (até para teocracias, meu Deus...), sendo ainda informados pelo Elio Gaspari no Globo deste domingo (21.06.09), que passamos a cortejar também as ditaduras assassinas do Zimbábue, do Sudão, do Cazaquistão, e do Uzbequistão. Celso Amorim, nosso ministro de relações exteriores, convidou Islam Karimov, presidente do Uzbequistão, para visitar o Brasil. Ele esteve em Brasília, em maio passado. Fala Elio Gaspari: “Em pelo menos um caso, sua polícia ferveu um opositor. Ferveu, não confundir com jogar na água fervendo. Quem diz isso é um laudo de patologistas da Universidade de Glasgow”. Coisa linda... Diga-me com quem andas...
Mas tudo está bem no melhor dos mundos (exceto pros que estão sendo fervidos): Amorim, que já nos comunicou que política externa é “jogo de gente grande”, aproveita o ensejo para nos brindar com novas pérolas de sabedoria: segundo o ministro, "tudo é uma questão de percepção”; e “tem gente que quer falar de direitos humanos para ficar em paz com a própria consciência, purgar pecados do colonialismo, e tem gente que vai para melhorar a situação dos países”. É isso aí. Aplausos pro Amorim. E não se fala mais nisso.

Nenhum comentário: