sábado, 4 de setembro de 2010

Democracia? Aonde?



Acima, Francenildo Santos Costa

Abaixo, Antonio Palocci



Alguém precisa explicar pro Reizinho Iluminado que um Estado que pratica e acoberta crimes é uma ditadura.

Uma ditadura, sim, senhores. Uma ditadura.

Democracia é poder para o povo. E que poder tem um povo que sofre crimes, nas mãos dos poderosos, e vê a impunidade lhe esbofetear a cara. Ele, que sofre o crime, ele, que é prejudicado.

O caso do caseiro Francenildo Costa é um exemplo gritante desta realidade. Um exemplo que pudemos ver, acompanhar nos jornais. Um ministro, o presidente de um grande banco público do país, todos mancomunados pra prejudicar um homem simples do povo. Um homem simples do povo que ousou usar sua voz para denunciar os crimes que presenciava, os escândalos que via.

Usou sua voz, viu dar em nada. Viu que ele próprio, e mais ninguém, era achincalhado. Mentiram, contra ele. Disseram que ele tinha recebido dinheiro para fazer suas denúncias.

O Ministro da Fazenda, Antonio Palocci, o grande denunciado daquele escândalo, arrumou com o presidente da Caixa Econômica Federal, para violar dados da movimentação bancária do caseiro. Eles não pediram um processo, uma ordem judicial para que as contas do caseiro fossem investigadas. Não. Acessaram por conta própria, um flagrante delito contra um direito individual.

Num povo que se respeita, num povo que tem um governo democrático, num povo que tenha o poder para impedir o abuso, entende-se que um agente do poder, um funcionário público, um Governo NÃO PODE VIOLAR OS DIREITOS DO CIDADÃO!!!!

Entende-se que um policial não pode vir arrombando a porta da sua casa. Entende que existe uma coisa chamada PROCESSO, existe uma coisa chamada LEI. E que esta LEI vai tratar como criminoso, como violador das normas, o policial que venha arrombar a porta, que venha a vasculhar as gavetas, sem uma ordem legal, sem um mandado.

Isto, é claro, num povo civilizado. Outros povos, outras tribos, sofrem cotidianamente o abuso de agentes da lei. Policiais torturam, matam, à vontade. O que dizer de invadir uma casa, de extorquir uma grana?

E uma tão grande parcela da sociedade está pronta a aplaudir qualquer violência contra esta parte de seu povo. Somos a sociedade dividida, que diz: “podem bater nesses favelados! Eles não são nós, são os outros. Não me diz respeito.”

É nesta sociedade que também um escândalo como o de Francenildo dá em nada. Gente tão graúda, ocupando altos cargos do Governo, pra praticar um crime contra um cidadão... Depois de violado o sigilo bancário, viram que o caseiro tinha recebido um dinheiro extra. Na euforia de pensarem que a revelação daquele dinheiro na conta do caseiro tiraria o crédito das denúncias que fazia, jogaram a descoberta na imprensa... Eles estavam anunciando que tinham cometido um crime! Mas achavam que todos teriam olhos apenas para a suposta “compra” do caseiro.

Acontece que o caseiro explicou a origem daquele dinheiro. Devia-se ao ganho de uma ação judicial de paternidade, em que seu pai o reconhecia como filho. E então lembraram de perguntar: “mas olha só; como foi que vocês conseguiram acesso à conta do Francenildo?”

Novo escândalo, pra se somar ao anterior, das denúncias das festinhas pra celebrar grandes contratos com o Governo na mansão de Pallocci. E, surpresa geral, o todo poderoso Ministro da Fazenda caiu! Foi afastado do cargo, devido ao escândalo!

Alguns afoitos chegaram a celebrar o evento: o caseiro que derruba o Ministro, Davi contra Golias, vitória da cidadania! Agora vai, esse país vai virar republicano, o povo vai ter o poder, vai se livrar dos sanguessugas!

Mas qual o quê! Palocci voltou às luzes; já anda na campanha da candidata da continuidade, com ótimas chances pra suceder o Governo Lula. Com certeza reserva-se-lhe um importante cargo no futuro governo.

Contra Pallocci os Ministros do Supremo Tribunal Federal não admitiram sequer a denúncia do Ministério Público para instaurar processo criminal no caso da quebra de sigilo do caseiro. Em um outro artigo pretendo discutir este julgamento.

Francenildo? Me lembro de uma declaração sua, após o episódio, naquelas frases da semana da revista Veja, dizendo que depois do caso, estava desempregado, sem dinheiro, e ninguém queria lhe dar trabalho. Além disso, passou pela humilhação, acompanhando no Plenário o julgamento em que os ministros do Supremo Tribunal Federal livraram a cara do ex-ministro, de ouvir o advogado de Palocci, José Roberto Batochio, qualificar o caseiro de “singelo, quase indigente”.

Faz lembrar uns versos de Bertold Brecht:

Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.
Bertold Brecht (1898-1956)




Primeiro, os favelados; depois, o caseiro; agora, o vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, a filha do candidato à presidência, José Serra... Opa! Perai! Filha do político, outro político? Agora não é mais com a gentinha, é com gente grande! Agora não é mais com “eles”, é com todos “nós”? Agora sou eu, não é o outro?...

Pois é. O Estado ditatorial tem esse inconveniente pendor de prejudicar os cidadãos de múltiplas maneiras. Podem te infernizar com um processo, com um guarda te arrombando a porta, com uma quebra de sigilo fiscal, com uma expropriação, com uma dificuldade de arranjar emprego, com um confisco de bens, com uma tortura no porão, com um desaparecimento...

Que o digam tantos e tantos mortos nas ditaduras pelo mundo afora... leiam os livros, assistam aos filmes... o que cada desses ditadorezinhos e ditadorezões provocaram a seus povos, a outros povos... quantas pessoas perseguidas, separadas, mortas...

Aqui no Brasil, recém saímos da ditadura militar. De 1964 a 1985 convivemos com os torturados, os mortos, a censura, a falta de eleições diretas, a perseguição, a violência, o medo... provocados pelo Estado, acobertados pelo Estado!

E agora, tantos dos que lutaram contra aquela ditadura, e que até sofreram com aquela ditadura, agora aboletados no poder, não têm vergonha de contribuir para que se instaure uma nova ditadura!

Porque uma ditadura é o que se consegue, sempre que se tem o Poder do Estado violando direitos individuais, e acobertando estas violações!

Mas é uma gente, também, que sempre separou ditadoras “boazinhas”, de ditaduras “más”. Gente que não enxerga incoerência em repudiar Pinochet, Franco, Medici, Hitler, e idolatrar Fidel, Stalin, Mao, Chávez...

Olhar a cara de secretários, olhar a cara de ministros, olhar a cara de presidente, arrumando desculpa, minimizando, desviando a atenção, mentindo descaradamente... vez após vez, e tudo cair no esquecimento... é preciso ser despudorado ou idiota pra se viver nesse país mesmo.

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