Para quem lê os sinais dos tempos, os tempos são sombrios. Fosse em Roma antiga, fosse em uma peça de Shakespeare, as coisas estariam bem claras: uma mulher teria dado à luz um aborto, uma grande serpente teria sido vista enrolada ao redor do templo.
Mulheres teriam pesadelos terríveis, anunciando que perderiam o marido. E alguns fantasmas seriam vistos pelo Reino, clamando por vingança.
Sim, isto é o que prefiguram os tempos, os tempos sombrios. Uma menina se jogou, ou foi jogada, de um apartamento. Os poderosos se agraciam com suas festas, 40 milhões de remédios, enquanto à sua frente os hospitais caem na miséria.
É a manchete de hoje do Globo, este hoje sombrio:
“Infecção hospitalar mata 100 mil por ano no Brasil”
“Segundo estudo, não há controle adequado em 80% dos estabelecimentos”
“Enquanto isso, em Nova Iorque...
Em seu primeiro compromisso oficial nos EUA, a presidente Dilma Rousseff exaltará hoje medidas do Governo na Saúde, como o programa que distribui remédios de graça.”
E, na mesma capa, a notícia bizarra: um jovem universitário, estudante de direito, 24 anos, saído de uma festa à fantasia, às 9 horas da manhã, furta um ônibus, dirige 23 quilômetros, provocando acidentes em série. Deixa uma vítima em estado grave. E agora diz que “estava fora de si”. E reclama de ter sido agredido pelos policiais que o prenderam. E vai posar de coitadinho, como tantos exemplos de afrontas à sociedade.
E o que querem dizer estes sinais dos tempos? Que a impunidade chegou a tal ponto de produzir casos bizarros, casos bizarros em série? Um garotinho arrastado para fora do carro. Uma menina, estuprada e morta, o adolescente que fez isso sendo deixado aí, livre, leve e solto. Uma graninha, pro seu guarda, pro seu promotor, pro seu juiz, e não se fala mais nisso.
É isto um país? É isto um homem?
Vergonha das vergonhas, mas o que nos pedem nossos governantes? Com seguranças, salários vitaminados, trabalho do jeito que se quiser, ou se se quiser. Planos de saúde, tudo de bom e do fino? Pedem que vejamos suas belas obras imponentes, e olhemos para o lado bom das coisas... porque criticar é muito feio, e eu posso te negar um favor, e cuidado onde pisa, e é melhor calar a boca...
O Reino da Impunidade. Um jogador famoso mata três. Aleija outros tantos. Apostando corrida, com seu carrão de luxo, air-bag de fábrica (com o jogador não aconteceu nada). Embriagado. Achata outro carro. Mata três. Aleija outros tantos. Ainda tentou uma manobra sórdida, ofereceu dinheiro ao seu carona para que assumisse a culpa. E o que aconteceu?
Passou 42 horas preso. Não chegou a dois dias. Sequer a carteira perdeu. Tantas razões, sabe como é, tantos recursos. E o nosso Supremo Tribunal Federal, nossa mais alta Corte de Justiça, acabou de nos dizer que acabou o processo, que não existe mais pena.
Pela tabela da nossa Justiça uma vida saiu por 14 horas. E nem vou falar das lesões corporais. Ficou incluído no pacote.

Será que é tão surpreendente, neste estado das coisas, nestes tempos sombrios, que uma menina se mate, e que um adolescente mate, e que um débil mental furte um ônibus, e saia por aí, atropelando pessoas?
Este é o país que estamos construindo, este é o país para o qual nos pedem que “vejamos o lado bom das coisas”?
Ou este é o país da impunidade, o país do poder desenfreado.
O sujeito aparece com dez milhões na conta, do dia para a noite.
“Foi umas consultorias secretas que eu fiz”. E fica por isso mesmo.
A sujeita aparece atochando grana na bolsa. Atocha mais, atocha até o fim.
Fica por isso mesmo.
Pois quem tem o poder, quem tem os 40 milhões de votos ali, no cabresto, o gênio que idealizou tamanha compra de votos, e enfeixou todo o poder, e mostrou o caminho das pedras, para si e para os seus asseclas, ensinou como é que se deixa um país inteiro de joelhos.
Ah, estes jovens idealistas, românticos, quanto bem que não fazem! Claro, com as melhores das intenções... Não, não, eu quero o poder, mas não é pela vontade de potência nietscheana, eu quero o poder é para fazer o bem... para mudar esta sociedade injusta... e quanto bem que não fazem!
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