Os movimentos populares
dos últimos dias impressionam. São milhões indo às ruas, para
expressar revolta e indignação.
Nada contra, muito pelo
contrário. Quem é feito de palhaço, quem é roubado e sofre
deboche, quem recebe diariamente sua cota de humilhação e abuso,
tem mais é de se indignar e se revoltar. Até demorou, mas veio. A
primavera tupiniquim. Antes tarde do que nunca.
O problema, porém, é
o foco. Contra o que se revoltam os revoltados? A resposta comum,
“contra tudo isso que está aí”, é uma não-resposta.
Revoltar-se por tudo equivale a revoltar-se por nada. Quem tenta ir
em todas as direções ao mesmo tempo permanece parado.
É preciso mirar o
coração do monstro para não perder a força do golpe. Qual é o
coração do monstro?
Estamos revoltados
porque não temos representação política. Nossos anseios e nossas
queixas esbarram num muro de arrogância e indiferença erguido por
nossos representantes. Existe um abismo entre nós e eles. Existem
duas castas neste país, uma casta de incomuns, os poderosos e suas
camarilhas de puxa-sacos, financiadores de campanhas, filhos, netos e
agregados, e uma casta de comuns, os otários que pagam a conta, que
sofrem com algum dos péssimos serviços prestados, seja público ou
privado, com educação de péssima qualidade, com hospitais e
médicos de fachada, sem Justiça, sem segurança, em ônibus
lotados, em engarrafamentos quilométricos, extorquidos até o osso,
em contas nada transparentes, enquanto algum dos espertos passeia de
helicóptero ou jatinho, vai até Nova Iorque ou Paris (trés
chique) dar uma volta...
Então, este é o nosso
problema, nosso Pecado Original, aquilo que divide nossa sociedade
entre senhores e escravos. O coração do monstro.
A falta de
representatividade, o abismo invisível, mas muito real, entre
governantes e governados. Para os comuns, vale a lei, vale a porrada
do PM, vale a tortura dentro da delegacia, vale ser assassinado
dentro de alguma favela.
Para os poderosos, como
se vai processá-los? Não sabiam que era um incomum? E o Supremo
logo providencia uma liminar, um habeas corpus...
E onde está a
igualdade? “Todos são iguais perante a lei ...”, onde isso?
Dentro de um livro? Palavras?
Mas precisa ser real,
encarnado no meu semelhante de carne e osso. Aquele com quem esbarro
todos os dias, quando vou para a rua. Meu semelhante, meu igual, nem
senhor nem escravo. Compartilhando dos mesmos princípios, ele vive
do seu trabalho, qualquer que seja ele, eu vivo do meu. E ambos temos
a dignidade das nossas vidas respeitada, em um país que se organiza,
em uma sociedade que rejeita a violência, rejeita a fraude, e que
preza o esforço.
Mas isto seria um
nação, uma comunidade de homens e mulheres livres.
Livres, porque iguais.
Isto seria uma
sociedade sem estes “profissionais” da política, que se
eternizam no poder, como se fosse a coisa mais natural do mundo. E
dizem que passam a vida servindo ao povo, quando na verdade se servem
dele, no café da manhã, no almoço e no jantar.
Passam a vida se
entupindo de todos os direitos, e também do que não é direito,
enquanto deixa pros outros, aquela ralé, o cumprimento de todos os
deveres.
Este é o abismo que se
precisa tapar. Este é o muro que se precisa derrubar. Aquilo que nos
divide.
O coração do monstro.
É preciso mirar o
golpe, concentrar os esforços, ou se perde o momento, e o monstro
nos devora.
Exigir transporte
gratuito, ou a superação do capitalismo, ou o fim da corrupção,
ou um mundo melhor, nada disso vale 20 centavos. Serve para desviar o
foco, perder o golpe, tornar mais alerta o monstro.
O seu coração, a sua
força, o domínio que exerce, ele exerce na política.
“Todo o poder emana
do povo”, mas ele tomou para si o poder. Ao se encher de
privilégios, ao não admitir qualquer limite. Ao se colocar como
senhor de escravos.
Daí é que decorrem os
dois regimes de trabalho, um para os comuns, e outro para os
incomuns. Daí decorrem os dois regimes de aposentadoria. Daí
decorrem os hospitais onde se trata a fina flor da sociedade, e os
matadouros onde se destratam os que não têm pistolão. Daí
decorrem os batalhões de seguranças para nossas autoridades, e os
locais onde ser assassinado é perfeitamente normal, só um número
pra engordar estatísticas.
Chega de senadores que
não têm voto! São representantes de quem?
Chega de ter um
deputado federal que teve 200 votos, enquanto outro que disputou o
mesmo cargo e teve 2.000 votos não se elegeu! Porque o primeiro é
do Acre e o segundo é de São Paulo? Isto não é justificativa!
Cada cidadão precisa ter a força igual do seu voto!
Chega de um Tiririca se
eleger deputado com um milhão de votos, e trazer de contrabando, no
seu vácuo, um Valdemar da Costa Neto com mil votos, e mais meia
dúzia de espertalhões, para serem deputados também!
Este é o coração do
monstro, o ponto que ele teme!
Reforma política já!
Voto distrital já! O fim do abismo entre representantes e
representados! Cada brasileiro com a força igual do seu voto!
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