sexta-feira, 21 de junho de 2013

Pode ser a gota d´água



Os movimentos populares dos últimos dias impressionam. São milhões indo às ruas, para expressar revolta e indignação.

Nada contra, muito pelo contrário. Quem é feito de palhaço, quem é roubado e sofre deboche, quem recebe diariamente sua cota de humilhação e abuso, tem mais é de se indignar e se revoltar. Até demorou, mas veio. A primavera tupiniquim. Antes tarde do que nunca.

O problema, porém, é o foco. Contra o que se revoltam os revoltados? A resposta comum, “contra tudo isso que está aí”, é uma não-resposta. Revoltar-se por tudo equivale a revoltar-se por nada. Quem tenta ir em todas as direções ao mesmo tempo permanece parado.

É preciso mirar o coração do monstro para não perder a força do golpe. Qual é o coração do monstro?

Estamos revoltados porque não temos representação política. Nossos anseios e nossas queixas esbarram num muro de arrogância e indiferença erguido por nossos representantes. Existe um abismo entre nós e eles. Existem duas castas neste país, uma casta de incomuns, os poderosos e suas camarilhas de puxa-sacos, financiadores de campanhas, filhos, netos e agregados, e uma casta de comuns, os otários que pagam a conta, que sofrem com algum dos péssimos serviços prestados, seja público ou privado, com educação de péssima qualidade, com hospitais e médicos de fachada, sem Justiça, sem segurança, em ônibus lotados, em engarrafamentos quilométricos, extorquidos até o osso, em contas nada transparentes, enquanto algum dos espertos passeia de helicóptero ou jatinho, vai até Nova Iorque ou Paris (trés chique) dar uma volta...

Então, este é o nosso problema, nosso Pecado Original, aquilo que divide nossa sociedade entre senhores e escravos. O coração do monstro.

A falta de representatividade, o abismo invisível, mas muito real, entre governantes e governados. Para os comuns, vale a lei, vale a porrada do PM, vale a tortura dentro da delegacia, vale ser assassinado dentro de alguma favela.

Para os poderosos, como se vai processá-los? Não sabiam que era um incomum? E o Supremo logo providencia uma liminar, um habeas corpus...

E onde está a igualdade? “Todos são iguais perante a lei ...”, onde isso? Dentro de um livro? Palavras?

Mas precisa ser real, encarnado no meu semelhante de carne e osso. Aquele com quem esbarro todos os dias, quando vou para a rua. Meu semelhante, meu igual, nem senhor nem escravo. Compartilhando dos mesmos princípios, ele vive do seu trabalho, qualquer que seja ele, eu vivo do meu. E ambos temos a dignidade das nossas vidas respeitada, em um país que se organiza, em uma sociedade que rejeita a violência, rejeita a fraude, e que preza o esforço.

Mas isto seria um nação, uma comunidade de homens e mulheres livres.

Livres, porque iguais.

Isto seria uma sociedade sem estes “profissionais” da política, que se eternizam no poder, como se fosse a coisa mais natural do mundo. E dizem que passam a vida servindo ao povo, quando na verdade se servem dele, no café da manhã, no almoço e no jantar.

Passam a vida se entupindo de todos os direitos, e também do que não é direito, enquanto deixa pros outros, aquela ralé, o cumprimento de todos os deveres.

Este é o abismo que se precisa tapar. Este é o muro que se precisa derrubar. Aquilo que nos divide.

O coração do monstro.

É preciso mirar o golpe, concentrar os esforços, ou se perde o momento, e o monstro nos devora.

Exigir transporte gratuito, ou a superação do capitalismo, ou o fim da corrupção, ou um mundo melhor, nada disso vale 20 centavos. Serve para desviar o foco, perder o golpe, tornar mais alerta o monstro.

O seu coração, a sua força, o domínio que exerce, ele exerce na política.

“Todo o poder emana do povo”, mas ele tomou para si o poder. Ao se encher de privilégios, ao não admitir qualquer limite. Ao se colocar como senhor de escravos.

Daí é que decorrem os dois regimes de trabalho, um para os comuns, e outro para os incomuns. Daí decorrem os dois regimes de aposentadoria. Daí decorrem os hospitais onde se trata a fina flor da sociedade, e os matadouros onde se destratam os que não têm pistolão. Daí decorrem os batalhões de seguranças para nossas autoridades, e os locais onde ser assassinado é perfeitamente normal, só um número pra engordar estatísticas.

Chega de senadores que não têm voto! São representantes de quem?

Chega de ter um deputado federal que teve 200 votos, enquanto outro que disputou o mesmo cargo e teve 2.000 votos não se elegeu! Porque o primeiro é do Acre e o segundo é de São Paulo? Isto não é justificativa! Cada cidadão precisa ter a força igual do seu voto!

Chega de um Tiririca se eleger deputado com um milhão de votos, e trazer de contrabando, no seu vácuo, um Valdemar da Costa Neto com mil votos, e mais meia dúzia de espertalhões, para serem deputados também!

Este é o coração do monstro, o ponto que ele teme!

Reforma política já! Voto distrital já! O fim do abismo entre representantes e representados! Cada brasileiro com a força igual do seu voto!



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