domingo, 22 de agosto de 2010

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Sexta-feira passada, dia 20 de agosto de 2010, completou dez anos do assassinato de Sandra Gomide. Seu assassino confesso, ex-namorado, jornalista Antônio Marcos Pimenta Neves, mesmo condenado desde 2006, ainda não cumpriu um dia da pena.

Isto tudo acontece no país em que se mata uma mulher a cada duas horas. Nossos machos brasileiros, que vergonha! Não aguentam que uma mulher não os queira, acham que têm direitos sobre o coração alheio... que piada, querem apagar a dor em seus coraçõezinhos sensíveis com sangue... pois fiquem 20 anos, fiquem 30 anos, curtindo o sol nascer quadrado! Sejam machos pra se responsabilizar por seus atos! Mas aí tem nossas leis boazinhas, somos tão legais, somos tão camaradas, e os assassinos ficam, se muito, 4 ou 5 aninhos em cana, e voltam pra curtir sua vidinha de homens de honra...

Na ótima reportagem de sexta-feira do jornal O Globo, de Tatiana Farah, sabemos mais detalhes sobre o atual estágio do caso Pimenta Neves.

A advogada de Pimenta Neves, Maria José Freire, afirma que seu cliente vive recluso e está doente. Tadinho... Ela declara: “Li que ele sai com amigos para tomar cerveja. Doutor Pimenta nunca tomou cerveja. Se bebe, bebemos vinho.” Ah, bom. Gente coisa é outra fina.

Do outro lado da história, os pais da jovem assassinada, João Gomide, de 72 anos, e Leonilda. Ambos tiveram graves problemas de saúde depois da morte da filha. Ele, um câncer no intestino, problemas nos ossos, e uma cardiopatia que provocou três pontes de safena. Ela, um distúrbio bipolar grave, com períodos de depressão e internações em clínicas. Chegou a ficar dez meses em coma por causa de uma embolia pulmonar.

A reportagem segue: “Os dois usam andadores dentro de casa. Os bens e o dinheiro minguaram com os tratamentos médicos, as despesas com advogados, além de alguns golpes financeiros. Era Sandra quem zelava pelo patrimônio dos pais.”

O pai, João Gomide, declara: “Tem dia, à noite, que me dá vontade de morrer. Já até propus para a minha mulher: “vamos tomar nós dois chumbinho, dar um tiro na testa, sei lá”. Mas minha mulher não aceita isso. E eu não posso deixá-la sozinha.”

A mãe, dona Leonilda, diz que vê a filha à noite, que conversa com ela: “Ela diz que é espírito. Não acredito. Só acredito em Deus. Não acredito em nada. Muito menos na Justiça brasileira. Nessa, nunca. Acho que vou morrer sem ver Pimenta preso. Ele está condenado, mas não foi preso.”

Sandra foi assassinada porque não desejava mais manter um relacionamento amoroso com Pimenta Neves. Pimenta executou Sandra com dois tiros, um pelas costas, outro no ouvido.

Um crime premeditado, a sangue frio, confesso, por motivo torpe, sem chance de defesa para a vítima. Ah, mas existem tantos detalhes, detalhes tão pequenos de nós dois / são coisas muito grandes pra esquecer... não dá pra Justiça decidir assim, de supetão... dez anos, não é tanta coisa, se compararmos, por exemplo, com a idade do Universo, que tem alguns bilhões de anos. É tudo relativo, tudo uma questão de escala. E aliás, Pimenta Neves não é um qualquer, um sujeito da esquina, um comum, um que dá pra botar no pau de arara, ele só bebe vinho!

E desses pais da assassinada pode-se falar o mesmo que falou do caseiro Francenildo o advogado de Antonio Palocci, José Roberto Batochio, diante do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da quebra de sigilo bancário do caseiro: são “uns singelos, quase indigentes”; uns miseráveis, uns desqualificados, mal suportam umas despesas extras com advogados. O Judiciário devia até condená-los por terem tido uma filha que recusou um homem ilustre como Pimenta Neves, levou-o a assassiná-la, e se submeter ao constrangimento deste julgamento! Ah, Brasil, país de todos! Pode-se processar o Governo por propaganda enganosa?

Se vivêssemos num país sério, todos os milhõezinhos de reais de Pimenta Neves, toda sua selecionada adega de vinhos, teriam sido executados para indenizar danos morais aos pais da vítima. Sem prejuízo dos muitos e muitos anos de xilindró. E cada atropeladorzinho batendo péga, cada merdinha se achando o máximo porque tem um revólver, e tira uma vida, pagaria com o dinheiro que tivesse, e com descontos nos salários que recebesse, por toda a vida, para indenizar os tratamentos hospitalares, as despesas com advogados, os lucros cessantes, os danos morais, de suas vítimas e dos parentes de suas vítimas. Sem prejuízo de cadeia ou outras penas cabíveis.

Mas aí então perderíamos nosso título de campeões da impunidade! Atentar-se-ia contra nossas tradições arraigadas! Crime de lesa Pátria!

Este artigo está fora de tom. Eu estou fora de tom. Não importa. Está escrito.

Atualmente o caso está na mesa do ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello. Quando este ministro concedeu habeas corpus a Pimenta Neves, garantindo sua liberdade provisória, “foi um grande choque”, nas palavras de João Gomide. Ele continua:

“Eu peço a ele (ministro) para ser mais humano com as pessoas que sofrem a perda de um filho, que ele não sabe o que é a perda de um filho depois de criado. Que ele desse a pena do Pimenta. Para a gente ficar mais aliviado e não ficar com tanta raiva da Justiça como eu tenho. Eu quero passar a acreditar na Justiça brasileira, mas até agora não estou acreditando.”

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