sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A República dos Sindicalistas, ou, As Novas Relações Perigosas

Engraçado como funciona nossa mente... vamos lendo uma notícia aqui, vendo uma imagem ali, ao longo de meses, mesmo de anos... de repente, no meio da noite, somos acordados por um pesadelo que associou todo aquele material latente em nosso cérebro, dando-lhe um sentido conjunto.

Felizmente, hoje, temos a internet, pra rastrear aquelas imagens perdidas, aqueles fragmentos de idéias, e dar uma forma concreta ao nosso pesadelo. É um belo ritual de exorcismo.

Começo por uma foto, que vi no jornal O Globo, e que muito me assombrou, por muito tempo:





Olhando o link da reportagem associada à foto (http://oglobo.globo.com/pais/mat/2008/04/09/centrais_fazem_festa_para_parlamentares_que_aprovaram_repasse_de_imposto_sindical-426766230.asp), fiquei surpreso: a notícia foi publicada em 09.04.2008, há mais de dois anos! Obrigado, internet! Sem você, este registro estaria perdido!

Vou reproduzir só o primeiro parágrafo da reportagem: “As centrais sindicais promoveram mais uma festa nesta quarta-feira, desta vez no Congresso, para comemorar os R$ 100 milhões anuais que receberão a partir deste ano do imposto sindical. As primeiras festividades ocorreram na semana passada com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Regado a uísque black label Jonhie Walker, vinho tinto chileno Ventisquero; champanhe e proseco Garibaldi, coquetéis de frutas, sucos, refrigerantes, canapés e sushis preparados na hora, a festa para 1.500 pessoas custou R$ 17.500 - sendo R$ 3.500 para cada central.”

Daí então lembrei da notícia sobre o comício da Força Sindical nas comemorações de 1° de maio deste ano, com a presença do nosso presidente da República, e que se converteu em ato de apoio à candidata do Governo, Dilma Rousseff. Descobri uma reportagem da Veja que informava que a Oposição representaria junto ao Tribunal Superior Eleitoral contra a Força. Link: http://veja.abril.com.br/blog/eleicoes/veja-acompanha-dilma-rousseff/oposicao-entrara-com-representacao-contra-forca/

Neste outro link da revista Veja (http://veja.abril.com.br/blog/eleicoes/dilma-rousseff/dinheiro-publico-a-servico-de-dilma/), vemos como foi a atuação do “Paulinho da Força”, deputado federal, presidente da Força Sindical, durante o comício. Reproduzo trecho do link: “O sindicalista, acusado de desvio de verbas do Ministério do Trabalho, atacou duramente o tucano José Serra, adversário de Dilma: “Serra não veio aqui porque não gosta de trabalhador. Quem tem medo de trabalhador não pode ser presidente para depois tirar nossos direitos”.Em seguida, pediu explicitamente votos para Dilma e puxou o coro: “olê olê olá Dilma Dilma”. A Lei Eleitoral veda eventos públicos de campanha antes das convenções de junho. Ainda mais com verba federal. (Por Otávio Cabral, de São Paulo)”

Sobre a verba federal mencionada, vemos neste outro link do jornal A Tarde (http://www.atarde.com.br/politica/noticia.jsf?id=2316719) que “O evento da Força Sindical teve patrocínio de estatais como Petrobras, Banco do Brasil Eletrobras e Caixa Econômica Federal”.

Sobre Paulinho da Força, vemos no link do jornal O Globo que teve evolução patrimonial de 493% nos últimos quatro anos ( http://oglobo.globo.com/pais/eleicoes2010/mat/2010/07/31/variacao-patrimonial-de-paulinho-493-aumento-foi-registrado-nos-ultimos-quatro-anos-917291477.asp ). neste outro link (http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/tag/paulinho-da-forca/), lembramos notícias sobre investigações feitas para apurar desvio de recursos do BNDES, desvio de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), Paulinho sendo investigado, a mulher de Paulinho sendo investigada... uma festa...

Este jogo de associação de idéias se estende ao infinito. Uma lembrança leva a outra, uma página da internet leva a outra... lembro/vejo na internet, reportagens que davam conta da falta de fiscalização sobre o gasto do imposto sindical, 1 dia de trabalho por ano de cada trabalhador, coisa de uns R$ 2 BILHÕEZINHOS, por ano; sindicalistas comprando mansões, comprando helicópteros, comprando jatinhos... (http://oglobo.globo.com/pais/mat/2007/11/03/327018755.asp); sindicalistas patrocinando ações políticas com o dinheiro do imposto ( http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,centrais-gastam-r-800-mil-do-imposto-sindical-para-pedir-voto-contra-serra,560547,0.htm); lembro/vejo reportagens sobre Lula vetando artigo de lei que permitia ao TCU fiscalizar as contas de sindicatos (http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u388497.shtml)...

Este, como eu disse, é um jogo infinito... mas acho que já dá pra se ter uma idéia da intrincada rede das relações perigosas que se estabelecem no nosso modo atrasado de organização política. Este é o Estado patrimonialista, em que prevalecem as relações pessoais, e que se opõe ao Estado de direito, em que as relações são reguladas pela lei, de modo igualitário, impessoal. No Estado patrimonialista, confunde-se o público com o privado, os recursos públicos são utilizados para favorecer o governante e o grupo que o apóia, o Rei e sua Corte...

Este é o Estado em que um macaco coça o outro, uma mão lava a outra, uma mão suja a outra, do troca-troca de favores... é a nossa tradição, a nossa cultura, arraigada na sociedade. É o país do pistolão, do jeitinho, do Q.I. (quem indica), do presentinho, do suborninho, da cervejinha, do “sabe com quem tá falando?”, do pessoal incomum, dos diminutivos simpáticos: “você me faz um favorzinho, eu te dou um empreguinho, um carguinho comissionadinho, você me arruma uma licencinha, eu te dou meu apoiozinho, você me libera uma verbinha, eu chamo meu priminho delegado pra meter umas porradas naquele dissidente, você fala com seu sobrinho juizinho, eu peço pro meu vovô senadorzinho, a gente combina com nossos amiguinhos deputadinhos pra passar uma leizinha mais camaradinha...” um jogo infernal, infinito...

A teia de aranha, gigante, rodeando tudo, o país inteiro, e dentro das nossas almas. Está em toda parte, e é invisível. Todo mundo se enreda, e ninguém se dá conta. É a nossa tradição, é a nossa cultura, falar contra vai mexer com tantos interesses, vai atrapalhar a dieta de tantas aranhas... aranhinhas e aranhonas, as mosquinhas somos nós, “contribuintes” (outra palavrinha simpática!), sem as “boquinhas” em órgãos públicos, sem os padrinhos e os pistolões... os sujeitinhos das esquinas, a galerinha da senzala, esse povinho comum, que morre porque mete o pé em esgoto...

Falar contra é o único crime, é a lei do silêncio, é a omertá. Quem fala contra atenta contra nossas tradições, deve ser logo tachado de traidor dos interesses da nação, inimigo do povo, traidor da Pátria Amada, Mãe Gentil, entreguista, amigo de ianques, burguês, fascista, racista... qualquer um desses palavrões consagrados, ou na moda, não importa que não tenham qualquer relação com a realidade. Trata-se apenas de colar um rótulo odioso, demarcar que a figura atingida é um dos inimigos, a ser combatido.

Neste panorama, nada contribui mais para aprofundar o jogo de troca-troca que o gigantismo estatal. Não existe terreno mais fértil para os Donos do Poder operarem seus esquemas, espalharem suas teias, estabelecerem suas relações perigosas... que felicidade, ganhar um patrocínio de uma empresa estatal! E por que é que no Governo Lula cresceu exponencialmente o número de cargos de confiança? Por que se faz tanta passeata, e se puxa tantos coros, contra privatizações? Por isso que se tem tanta lei contra capital estrangeiro. O petróleo é nosso! O minério é nosso! Os meios de comunicação são nossos! Os aeroportos são nossos! Os bancos são nossos! “Nossos”, subentenda-se, de quem pode nomear as diretorias, manipular os preços, redigir os contratos, organizar as licitações, liberar as verbas de patrocínio...

No país do favorzinho, do compadrio, eis a medida do sucesso: nomear um diretor, nomear um presidente, nomear um ministro... de uma pasta bem importante, com uma verba bem polpuda, digamos, o Ministério de Minas e Energia... olha que imponente...

Alguém se lembra daquela figura pitoresca, quase uma caricatura nossa, o ex-deputado federal Severino Cavalcanti? Severino teve seu momento de glória quando se tornou presidente da Câmara dos Deputados, em 2005, durante o primeiro mandato de Lula. Foi uma cochilada do Governo, uma ironia do destino. Tendo o mal sido feito, Severino presidente da Câmara, “Lula chamou Severino e lhe ofereceu um cargo em alguma estatal para selar uma aliança política”, conforme reportagem neste link http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/16276_BATALHA+NA+PETROBRAS. Severino, do seu modo direto, despudorado, exigiu logo aquela diretoria “que fura poço e tira petróleo”.

Grande, Severino, sabe onde está a grana preta, o ouro negro... “Se não for assim, agora é pau”, ameaçava nosso Severino... lembrem da figurinha:



Mas talvez a caricatura de Severino fosse muito dolorosa para ficar exposta sob os holofotes da presidência da Câmara... talvez as ambições de Severino fossem muito ousadas, muito desmedidas... talvez se tenha concluído que negociar com Severino era muito constrangimento... o fato é que Severino logo caiu. Renunciou, depois que Sebastião Buani, o dono de um restaurante da Câmara, o acusou de cobrar-lhe a mensalidade de 10 mil reais sob a ameaça de fechar seu restaurante... ficou conhecido como escândalo do mensalinho... pobre Severino, depois de sonhar com a diretoria que fura poço e tira petróleo, enredar-se na merreca de dez pau por mês... a glória de alcançar a presidência da Câmara talvez lhe tenha cobrado o preço da queda... sic transita gloria mundi... ou, “a arrogância precede a ruína, e a soberba precede a queda” (Pv, 16, 18). Seria trágico, não fosse cômico, ou cômico, não fosse trágico?

Mas não precisamos gastar nossas lágrimas com Severino (melhor chorarmos por nós mesmos). No nosso país do “péga nada”, Severino já se elegeu de novo, agora é prefeito de João Alfredo (PE). Lulinha, claro, já fez discurso em Pernambuco pra defender Severino. Na sua versão, foram “as elite” que derrubaram Severino. Olha o link: http://www.blogdafolha.com.br/index.php/materias/10325?task=view

Talvez Lula tenha uma simpatia real por Severino, seu conterrâneo de Pernambuco. Lulinha talvez seja apenas um modelo novo, mais adaptado, mais palatável, do velho modo de fazer política que Severino representa. De qualquer modo, Severino já retribuiu a gentileza recebida: defendeu a idéia de um terceiro mandato pra Lulinha. Somos ou não somos o povo cordial descrito por Sérgio Buarque de Hollanda?

O mal de Severino foi morder mais do que podia engolir; ele era uma pessoa “incomunzinha”, que sonhou virar uma pessoa “incomunzona”. Não é de uma hora pra outra que se vai sentar em cima de um Ministério de Minas e Energia, que se vai abocanhar uma diretoria que fura poço e tira petróleo... que se vai sentar a bundinha num trono na Casa Grande, olhar a fila dos pedintes vindo se ajoelhar e beijar sua mão...





Digressiono, digressiono... falava de gigantismo estatal. Eis aí Leviatã. Vou lhe dedicar outro artigo, este já vai ficando muito longo e amorfo. É o que dá escrever a intervalos, e tentar dizer muita coisa.

Concluo este aqui, lembrando que o comecei inspirado em um pesadelo que eu tive, que concentrava um monte de idéias distantes no tempo. Concentrava numa imagem, que me ficou na cabeça, e era mais ou menos assim:

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