terça-feira, 26 de outubro de 2010

Caso de Polícia

“No Brasil, não importam os fatos, mas as versões sobre os fatos” - Presidente Lula, em declaração sobre a violação de sigilo fiscal de adversários políticos

E a Polícia Federal pegou o sujeito que pagou para violar os dados fiscais de Eduardo Jorge Alves Caldeira, vice-presidente executivo do PSDB, de outros políticos do PSDB, e de Veronica Serra, filha do candidato à presidência pelo PSDB, José Serra.

Foi o jornalista Amaury Ribeiro Júnior, que admitiu em depoimento ter contratado os serviços de um despachante para levantar os dados sigilosos.

Mas ninguém pense que o fato de terem sido violados dados de políticos e familiares ligados ao candidato do PSDB à presidência tenha alguma coisa a ver com a campanha eleitoral em curso. Pelo menos é o que nos garante o diretor da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa:

“Os dados violados foram utilizados para a confecção de relatórios, mas não foi comprovada sua utilização em campanha política. A Polícia Federal refuta qualquer tentativa de utilização de seu trabalho para fins eleitoreiros com distorção de fatos ou atribuindo a esta instituição conclusões que não correspondam aos dados da investigação”.

O diretor da PF, ao considerar que não foi comprovada a utilização dos dados em campanha política, descartou o fato de Amaury ter se hospedado, depois de obtidos os dados, em Brasília, num flat de propriedade de pessoa ligada à pré-campanha de Dilma Rousseff. Tampouco considerou o fato de que Amaury, no início deste ano, foi chamado pelo empresário Luiz Lanzetta para montar uma equipe de inteligência da campanha de Dilma.

Mas do que adianta esta coleção de fatos? É só os envolvidos alegarem qualquer coisa, jurarem de pés juntos que nunca, jamais tiveram qualquer motivação eleitoral, e tá tudo resolvido! Ah, pegaram um monte de dados sigilosos de pessoas ligadas ao principal candidato da oposição, à presidência da República, À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, NADA MENOS? VAZARAM ESSES DADOS NA INTERNET, NA IMPRENSA, ESTABELECERAM LIGAÇÕES ENTRE A PESSOA QUE VIOLOU OS DADOS E PESSOAS DA CAMPANHA DA CANDIDATA GOVERNISTA? Ah, mas nada está comprovado... basta falar isso, falou tá falado...

Ninguém vai ter de passar dez, quinze anos vendo o sol nascer quadrado numa prisão, por crime de violação de dados, por crime contra a democracia. É só ficar de biquinho fechado, não envolver nenhum figurão, que nada dá em nada. Em 2006 os aloprados do PT não foram apanhados com a boca na botija, 1,7 milhão de reais em cima de uma mesa de um hotel, para pagar um fulano pra dar declarações falsas sobre o mesmo José Serra, na ocasião candidato ao Governo de São Paulo? E no que deu? Deu em nada, os aloprados estão soltinhos por aí, e até continuaram aloprando no Governo, outro dia um foi apanhado, numa outra operação da polícia, outro escândalo, tornado tão rotineiro no Brasil atual, ninguém mais se espanta...

Tivesse vontade mesmo, botava o passarinho na gaiola. É aquela história: só canta o passarinho na gaiola. Botava na gaiola, com uma perspectiva de pegar 10 ou 15 anos, DE VERDADE, NÃO DE MENTIRINHA. 10, 15 anos, vendo o sol nascer quadrado, pelos crimes gravíssimos cometidos. A não ser que cantasse, bonitinho. Aí podia até se safar com uma liberdade provisória. A tática de usar o peixinho pra pegar o peixão...

Mas isso, é claro, numa Utopia, em que a polícia trabalharia como polícia, livre de pressões de poderosos, e a Justiça cumpriria seu papel de punir os malfeitos, e proteger a sociedade contra as violações de suas leis... uma Utopia, está visto, bem distante da realidade no Brasil...

Aqui, já se viu, é o próprio diretor da Polícia Federal, ninguém menos, que descarta rapidamente a possibilidade de terem sido utilizados os dados violados na campanha política. Deve ter sido coincidência, não mais que coincidência, o fato de os dados se referirem a pessoas ligadas ao principal adversário da candidata cuja campanha negociou os serviços da pessoa responsável pela violação. Mas, “não há provas”. Nenhuma confissão da candidata, gravada em rede pública. Ou por escrito, assinada em três vias, em cartório, com 18 testemunhas e reconhecimento de firma, isto para a Polícia simplesmente investigar a possibilidade de terem sido utilizados os dados violados na campanha política!

Parece que a Polícia chegou aonde podia chegar, em suas investigações. Além deste ponto, é proibido. Pegou os executores diretos do crime, aqueles que praticaram a quebra de sigilo, Amaury e o despachante que ele usou.

A partir daí, “não há provas”, infelizmente, respeitável público! Aliás, a polícia não precisa de provas, quem precisa de provas é a Justiça, para condenar. A polícia precisa apenas de indícios, para conduzir as investigações, e produzir as provas.

Mas o que fazer, se a polícia esqueceu de uma perguntinha básica em qualquer investigação: “a quem aproveita?” Mas já tinha tido um exemplo anterior, vindo do Judiciário, e nada menos que do Supremo Tribunal Federal, de esquecimento oportuno dessa perguntinha. Foi no caso da violação dos dados bancários do caseiro Francenildo. Decidiu-se então aceitar a denúncia contra o então presidente da Caixa Econômica Federal, mas não contra Antonio Palocci, então Ministro da Fazenda. Aquele teria violado os dados do caseiro a pedido deste, para favorecer a este. Mas aquele ia responder ao processo, e a denúncia contra este seria arquivada.

Seguindo esta lógica, deveríamos libertar os mandantes do assassinato de Chico Mendes, por exemplo. Eles se beneficiaram do crime, certo, encomendaram o crime, muito bem, mas não foram eles, diretamente, que mataram. Cadeia só pros executores do crime, os que serviram de instrumentos para realizar os desejos de quem queria Chico Mendes morto.

É aquela história da corda, que sempre arrebenta do lado mais fraco. Se continuarmos assim, nessa “interpretação jurídica” de punir os instrumentos, e aliviar pros mandantes, pros idealizadores, daqui a pouco veremos um figurão qualquer, uma dessas pessoas incomuns, que assassinará a esposa ou a namorada com um revólver, e o figurão será absolvido, e o revólver será condenado a 30 anos de reclusão, pelo crime ignóbil!

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