Na edição 646 da Revista Época foi publicada uma interesssantíssima matéria comparando os governos de FHC e Lula através de 100 indicadores, na forma de gráficos, abrangendo diversas áreas da atuação governamental: educação, saúde, cultura, segurança, meio ambiente, economia são alguns dos tópicos. Eis o link da reportagem: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI176275-15223,00-ANOS+DE+EVOLUCAO.html
Com os gráficos, é possível visualizar com facilidade o desempenho dos dois governos. Em termos brutos, são parecidos. Um teve um avanço um pouco melhor numa área, outro em outra. Onde havia uma linha ascendente no primeiro, manteve a ascensão no segundo, o mesmo se dando quando a linha era descendente. Isto em regra. Em muitos casos, as taxas de evolução se assemelhavam, e algumas comparações favoráveis a um eram compensadas por comparações favoráveis ao outro. Para os exemplos, remeto os leitores ao link da reportagem.
Tudo isto significa que FHC e Lula são muito parecidos? Não. Os números são parecidos, e os números não mentem, mas é preciso contextualizar os números.
A verdade é que FH pegou o Brasil num momento difícil, com grandes desafios a serem enfrentados. Foi de FH o mérito, quando ainda era ministro da Fazenda de Itamar Franco, de reunir uma equipe para elaborar um plano de combate à hiper-inflação que o país sofria, e, depois, fazer aprovar o plano no Congresso. Foi um plano bem sucedido, que não recorreu a congelamentos de preços, confiscos de poupança, ou outra destas heterodoxias traumáticas e fracassadas, a que o país fora submetido no passado.
A população reconheceu os méritos de FH na queda da inflação, tanto que o elegeu presidente por duas vezes, no primeiro turno. Mas o governo FH foi conturbado, ainda, por diversas crises internacionais, e isto num momento em que o Brasil começava a se firmar de novo sobre as pernas, após anos de hiper-inflação e planos malogrados de combate à inflação.
Começou com a crise tequila, no México, em 1994/1995, justo nos primeiros anos do Real. Depois, teve a crise financeira dos asiáticos, em 1997/1998, a crise financeira da Rússia, em 1998/1999, a crise financeira argentina, em 2001/2002. De oito anos de governo FH, apenas em 2, 1996 e 2000, não tivemos uma crise financeira internacional. A especulação era toda contra o Brasil, recém-saído de um período de descontrole monetário intenso, economia emergente como a de vários outros países em crise...
Para piorar, em 2002 tivemos outra crise de confiabilidade na nossa economia, pela perspectiva da vitória eleitoral de Lula, e da ameaça de implantação de medidas econômicas radicais, que tinham sido a plataforma do PT desde a fundação do partido, em 1980.
Podemos lembrar ainda que a própria mudança de paradigma, de um modelo de inflação alta, para um modelo de inflação baixa, gera custos e problemas de adaptação, para os atores em jogo. FH e sua equipe tiveram de lidar com uma crise da dívida de Estados e Municípios, com uma crise bancária, com uma crise de investimentos públicos. Tiveram uma atuação razoável, recuperando certos fundamentos, inaugurando novas práticas; fizeram o PROER para os bancos, a Lei de Responsabilidade Fiscal para prevenir novas dívidas dos governantes, as privatizações para contar com recursos da iniciativa privada para financiar certas áreas, como telecomunicações, exploração de minério...
Estou passando por alto nesta análise das realizações de FH, haveria certas críticas a fazer, mas ficam para outra ocasião. O foco, agora, é uma comparação geral entre os governos de Lula e FHC.
Pois bem. Vimos que o governo FH foi um período conturbado, com grandes problemas, que o governo enfrentou satisfatoriamente. Fazendo uma comparação náutica, foi um período em que o navio Brasil atravessou mar aberto, com correntes traiçoeiras, com tempestades, furacões, tendo de fazer reparos no casco durante a tormenta.
Já o governo Lula foi um período, principalmente, de bonança internacional, tendo se beneficiado ainda de uma nave mais preparada, mais resistente, deixada por seu antecessor. Uma nave com inflação baixa, com finanças de Estados saneadas, com um sistema bancário fortalecido.
Podemos medir isso, pelos gráficos da Revista Época, olhando o indicador do Risco país: no governo FH, teve média de 955. No governo Lula, teve média de 340. (Aliás, o risco atingiu seu pico no governo FH em 2002, chegando a 1.640, ante a perspectiva da eleição de Lulinha...)
O governo Lula, de fato, não introduziu qualquer alteração significativa nos fundamentos do país. Apenas repetiu e manteve o que seus antecessores haviam feito, desde a redemocratização. Senão vejamos: em 1992 (governo Collor), o Brasil inicia sua abertura ao exterior, concorrência de importados; em 1993, governo Itamar, tem início o processo de privatizações, a renegociação da dívida externa, a autonomia, na prática, do Banco Central, e o país começa a ter um expressivo ingresso de investimento estrangeiro. Em 1994, o grande marco no combate a inflação, o Plano Real. Em 1998, governo FH, a resolução de problemas de liquidez e solvência de bancos e do setor público; a renegociação da dívida de 25 Estados e 180 municípios. Em 1999, adota-se o regime de metas de inflação, com o Banco Central utilizando a taxa de juros para frear o ímpeto inflacionário. Em 2000, a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, e o início do programa de transferência direta de renda, origem do famoso Bolsa Família do Lula.
Ou seja, todas estas realizações, todas estas conquistas, todas estas mudanças de modelo aprovadas pelas urnas, e de que resultou este novo Brasil, menos engessado, mais competitivo, mais rico, não tiveram qualquer participação de Lula ou do PT. Estes, aliás, mantiveram-se sistematicamente contra todas estas mudanças, propugnando, todos estes anos, um receituário totalmente distinto.
Caminhávamos em direção de uma maior abertura da economia, de uma maior responsabilidade fiscal, estabilidade de preços, privatizações, cumprimento de pagamentos da dívida? O PT era contra. Tudo isto é neoliberal, é entreguista, e o que o Brasil precisa é de uma economia socialista, fechada, estatizante, este era, e ainda é, em grande medida, o discurso padrão dos petistas.
O PT e Lula perderam três eleições seguidas com esse discurso. Estacionado nos 30% de votos. Então, às vésperas da eleição de 2002, passou por uma metamorfose: escolheu para vice de Lula um membro das “direitas”, olha só. Do Partido Liberal. Mandou publicar uma Carta aos brasileiros, em que fazia questão de acalmar o mercado. Tudo aquilo que ele passara 20 anos esbravejando? “Na oposição a gente faz muita bravata” - brincou Lulinha, já presidente, com um sorriso maroto... os bilhõezinhos que evaporaram do Brasil por causa daquelas bravatas? Não se fala mais nisso, olha só quem é o novo dono do Poder, agora... nisso, nós brasileiros somos mestres: em nos curvarmos diante de quem ocupa o Poder, e abanarmos a cauda.
Mas Lulinha, ao atingir a presidência, foi bafejado pela sorte. O mundo conheceu um período de prosperidade sem igual na História: simplesmente, um bilhão de chineses ingressava no Mercado, com taxas de crescimento assustadoras de uma China comunista, praticante do capitalismo mais selvagem. Um bilhão de chineses, até então excluídos, ávidos por participar do jogo do mercado. Querendo consumir carne, querendo consumir soja, consumir aço, outros minérios, consumir petróleo, consumir gás, tudo aquilo que podiam aproveitar para seus negócios, suas indústrias...
E que feliz coincidência, justamente as matérias primas que o Brasil vem desenvolvendo há anos, com muito trabalho, vencendo muitas dificuldades, e no exato momento em que o país superava um imenso desequilíbrio econômico, anos e anos de inflação extremamente alta...
E quem chegava lá, bem na hora desta colheita? O Lulinha, menino de sorte! O Governo nem precisou fazer muita coisa, na verdade... apenas por não ter mexido em quase nada do que fora deixado, em termos macro-econômicos, todo o arranjo já feito por seus antecessores, pôde surfar a onda de prosperidade.
Só que Lulinha poderia ter feito muito mais, ido muito mais longe. Basta lembrar que, esta potência toda que é o Brasil, vendendo tanto para tantos chineses, num ano de sua presidência, de imenso crescimento da riqueza mundial, conseguiu fazer o Brasil crescer mais apenas do que o Haiti, nas Américas! Uma vergonha mundial, o Brasil continuou sofrendo bastante com o peso de um Estado corrupto e ineficiente, mas a conjuntura mundial seguindo tão favorável, o Brasil acabou impondo o peso de sua economia. Afinal, o Brasil é um país-continente, quase do tamanho da Europa, de enormes potenciais físicos e humanos. O Brasil, simplesmente, é muito grande para parar, por mais que seja mal administrado, ainda mais num momento em que o comércio externo cresce tanto, e valoriza tremendamente as matérias primas que o país produz.
Na comparação entre os presidentes FHC e Lula, portanto, temos de comparar o momento da economia mundial nos períodos de um e de outro. Já vimos que o primeiro pegou época de tempestades, o outro pegou época de bonanças. FH, em oito anos de governo, pegou seis de crises internacionais. Lula, em oito anos, pegou dois, a crise americana de 2008-2009. E o Brasil já estava então fortalecido pelos ajustes feitos anteriormente, e por muitos anos de valorização de seus produtos no mercado mundial.
Uma âncora forte, e o Governo faturou crédito em cima do fato de nosso país não ter sido gravemente afetado pela crise americana. De novo, em sua própria atuação, o Governo foi mal, jogando com o temor da crise para avançar suas queridas teses de mais poder e mais intervenção do Estado. Aumentou, e seguiu aumentando gastos públicos, “para enfrentar a crise!”. Já sentimos os velhos fantasmas animados ante a perspectiva de reencarnar: descontrole das contas públicas, juros altos, inflação... mas isso não importa pro Governo, preocupado com o horizonte imediato de uma nova eleição. Azar de quem pegar o Governo, mais à frente, azar das futuras gerações...
Voltando aos gráficos da Revista Época, temos, por exemplo, que a evolução no acesso adequado a esgoto sanitário teve no Governo Lula uma taxa de 1,4% ao ano. Menor que a de FH, que já era baixa, 1,9% ao ano, e sempre lembrando que o período FH foi muito mais complicado.
Acesso a água encanada? A evolução no governo Lula foi a uma taxa de 0,8% ao ano. FH: 1,4%. Redução de analfabetismo? FH reduziu em 3,6% ao ano, Lula, 3%. E por aí vai...
O Governo Lula teve seus melhores indicadores, em comparação ao Governo FH, na área de Economia, e de Trabalho e Renda. Geração de emprego formal, média do PIB, salário médio dos ocupados...
Mas os atos do Governo, em si, não contribuíram pra isso. Foi o Governo FH que criou os projetos, as leis, os planos, que levaram à estabilidade do país, e à sua possibilidade de crescimento. Isso, com a oposição cerrada de Lula e do PT, ironicamente, os beneficiários políticos do ajuste.
O resto, foram condições externas, da economia mundial, não atribuíveis aos Governos de Lula e de FH.
Portanto, na comparação de FH e Lula, para mim é evidente que o primeiro fez muito mais, em seu Governo, mas não posso congratulá-lo, porque acho que também não conseguiu levar o país para um ponto sem volta na senda do progresso. Não conseguiu, digamos assim, fazer o foguete escapar da atmosfera terrestre. Ultrapassar o ponto sem volta.
Aliviou graves problemas, mas não conseguiu vencer o verdadeiro desafio: pelos corações e pelas mentes do povo; não conseguiu formar uma massa crítica da população, que se sentisse livre e confiante de progredir pelo seu trabalho, e resistindo, e não permitindo que ladrões e corruptos enfiem a mão no seu bolso, e no seu direito, e no direito dos mais fracos da nossa sociedade.
quarta-feira, 20 de outubro de 2010
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