sexta-feira, 29 de abril de 2011

Liberdade e Democracia

Para que o poder pertença ao povo ele precisa ser exercido por cada pequena comunidade. Estes quinze mil cidadãos aqui? Fazem um distrito, para eleger um vereador. Estes ciquenta mil aqui? Perfazem uma região, elegem um deputado regional. Para as leis gerais de todo o país, reúnam, digamos, 200 mil cidadãos, e elejam o seu representante. O deputado distrital, digamos, o que seria o deputado federal que temos hoje.


Esta “escadinha” de poderes escalonados, partindo do pequeno para o maior, é que vincularia o representante ao representado, e garantiria a democracia.


Quando não há um poder regional, efetivo, o poder escapa das mãos do cidadão. Vai ficar distante, centralizado, ilegitimamente.


Se temos um país de 200 milhões, vamos dividi-lo, igualitariamente, em pequenos distritos, todos com direitos iguais, direito a uma educação de qualidade, direito a uma saúde pública de qualidade, direito à segurança, direito a resolver os conflitos de modo rápido, eficiente, com segurança, pelo trabalho do Poder Judiciário. Direito a ter dinheiro investido, uma repartição adequada do grande bolo dos tributos. Direito a uma vida digna, enfim, direitos do cidadão.


Se não temos isso, não temos democracia, embora tantos velhacos e ingênuos insistam em ver o mundo em cor de rosa, ou em vender óculos cor de rosa. Não temos democracia, sequer entendemos o que significa esta palavrinha: democracia. Significa liberdade.



quinta-feira, 28 de abril de 2011

Pequena História e Apologia da Liberdade



A decadência é caracterizada pela perda do auto-governo por uma população.


Viver sob as leis de outro povo, ou de outra classe, ou de algum partido, foi fatal para o esplendor e a glória, para a própria saúde espiritual, tanto de povos antigos, quanto no presente, em cada lugar do globo.


Os antigos gregos, introdutores do conceito de democracia, de auto-governo, pelo menos na sua forma mais elaborada, ou conceitual, com leis, instituições, práticas, ilustram bem isso.


Os cidadãos atenienses constituíam um grupo igualitário. Todos e cada um podiam se pronunciar nas Assembléias, julgar, constituir corpos legislativos, executivos. Viviam sob suas próprias leis, com proximidade e igualdade, irmanados nas suas guerras e na sua paz.


Não só Atenas, várias das Cidades Estados gregas. Algumas eram autoritárias, mas ainda assim havia uma igualdade de direitos entre os seus cidadãos, como Esparta.


Por outro lado, mesmo na democrática Atenas houve vezes de o poder ser usurpado, por um ou vários tiranos, que fizeram a experiência de direitos diferenciados para alguns, “incomuns”, perseguição política a opositores, e toda a escalada de males que advêm da concentração de poderes. Da diferenciação entre cidadãos, entre indivíduos.


Mas pela maior parte do tempo os cidadãos das cidades Estados gregas conseguiram viver sob suas próprias leis, e com igualdade perante as leis. E este foi um período de esplendor e desenvolvimento humano. Um dos grandes, na História do homem.


Os gregos prosperaram, cresceram em número, mesmo sua terra dando bem pouco. Com a população crescendo continuamente, saíram em busca de espaço, fundaram colônias, da Ásia Menor à Itália, preservando sua cultura, a chamada Magna Grécia. Na cultura, na mitologia, nas artes, na matemática, na ciência, na filosofia, deram mostras de uma capacidade extraordinária.


Para manterem seu estilo de vida, sua independência, sua dignidade, ou seja, o direito de viverem sob suas próprias leis, recusaram orgulhosamente a “oferta” dos emissários persas, que lhes propunham terem suas vidas poupadas, em troca de reconhecerem a soberania do rei persa.


Em resposta, aqueles gregos atiraram os emissários persas em um poço, dizendo que ali encontrariam a terra e a água que lhes eram requeridas, em sinal de submissão.


Com as guerras médicas que se seguiram, os gregos unidos mostraram que um povo livre pode constituir um exército bem treinado e vitorioso. Lutando unidos e sincronizados na formação de falanges, tanques de guerra da época. Ou construindo uma esquadra, às pressas, para fazer frente à esquadra persa. Venceram uma guerra contra o primeiro grande império da humanidade, numa desproporção de forças absurda. E mantiveram sua liberdade.


O que se seguiu foi o apogeu da cultura clássica grega. Atenas, a cidade que se destacara no comando da guerra, que sofrera a ocupação dos persas, nas seguintes gerações teria sua “Era de Ouro”, com Platão, Sócrates, Péricles, Heródoto, Fídias, Ésquilo, Sófocles, Aristófanes... atraía os grandes sábios da Grécia, Protágoras, Hípias, tantos outros.


Como numa tragédia grega, porém, a hybris (orgulho), em seguida trouxe a queda. A estrela que muito intensamente brilhava se apagaria bem rápido.


Atenas mantivera sua esquadra, dominante sobre as esquadras de outras cidades gregas, após a guerra pérsica, na chamada Liga de Delos. Deveria ser para a segurança dos gregos, mas depois de algum tempo, algumas das cidades, considerando que o custo de permanecer na Liga não compensava a incerta ameaça de um novo ataque persa, manifestaram a intenção de deixar a Liga.


Atenas, porém, que dominava a Liga e cobrava os tributos das outras “sócias” para manutenção da esquadra , reagiu com a violência de uma nova tirana àquelas pretensões de afastamento.


O dinheiro para a manutenção da esquadra, o ouro que pagava soldados, remadores, construtores, afluía para Atenas e gerava a prosperidade da cidade. Quando ameaçou faltar, a população, viciada nos prazeres que o ouro pode comprar, moveu-se na direção da guerra, fiados em seu grande poderio, para submeter a vontade das cidades gregas livres.


No fabuloso “História da Guerra do Peloponeso”, de Tucídides, existe um episódio brutal e representativo, durante a guerra, em que os soldados de Atenas dizem muito claramente aos habitantes de uma pequena cidade Estado insurreta, recém-dominada, que a escolha que eles têm é de obedecer às ordens de Atenas ou morrer. E aqueles habitantes, também muito claramente, dizem que sua escolha é morrer, e realmente morrem por isso.


Esparta, e outras cidades coligadas, que sentiram a ameaça de uma Atenas que tencionava se tornar tirana sobre as outras cidades gregas, lançaram-se a uma luta de 26 anos (431 – 404 a.C.), repleta de episódios pavorosos, principalmente para Atenas, da peste na cidade à louca expedição fracassada na Sicília, e que culminaria com sua derrota frente a Esparta, para nunca mais recuperar seu antigo brilho.


A própria geração de Sócrates, Platão, Péricles, já experimentaria a ruinosa guerra do Peloponeso, que esgotaria, não só Atenas, mas toda a Grécia, que no meio da infinita guerra fratricida veria sua liberdade política ser tomada pelos macedônios Filipe e Alexandre. Depois dos macedônios, os romanos, e a Grécia livre era uma página virada da História.


Foi quando se instaurou a decadência. Ainda haveria os clarões de um Aristóteles, de um Eurípedes, e outros, mas qual é a graça da vida, para um povo antes livre, orgulhosamente livre, submetido à escravidão, sem ver meios de escapar?


Ainda manteriam algumas de suas tradições, algumas instituições, mas sabendo que estavam sob um domínio alienígena. A última palavra passava a ser dos macedônios, ou dos romanos. A sua liberdade para criar suas leis, e viver sob suas leis, era uma liberdade limitada, consentida. Nestas condições, será que ainda faz sentido falar em “liberdade”? Creio que não.


E junto com a liberdade foi-se o brilho, o esplendor, o interesse vital. O pensamento, e claro, a filosofia, passou a ser voltado para o próprio umbigo, hedonista, relativista, negativista. De fato, de que adiantava viver como antigamente, viver como homem público, participando da vida da cidade, de suas votações, de suas decisões?


Mais vale viver num Jardim de Epicuro, mais vale buscar uma resposta individual na ataraxia. Mais vale dizer que nada vale a pena, ou que tudo é relativo. Mais vale votar em Tiririca.


Afinal de contas, é verdade que participar da política sem a liberdade é participar de um teatrinho, de um faz de conta.


Os gregos antigos nunca conseguiram recuperar sua liberdade. Mas é claro que na História do homem representaram um glorioso papel. A liberdade, aliás, nunca foi tão abundante assim, na História do homem.


Mas os gregos foram um exemplo marcante nessa história da conquista da liberdade pelo homem, e influenciaram seus próprios conquistadores, macedônios e romanos, e toda a cultura ocidental, e hoje todo o mundo.


Não falamos em democracia, a torto e a direito? Não falamos em liberdade? Não falamos em igualdade?


Olhem para essa história grega. Olhem para essa cultura.


Não que se esteja idealizando a liberdade, tal como foi experimentada historicamente pelos gregos. Já se disse, a democracia ateniense se corrompeu, agiu tão cruel e violentamente quanto qualquer tirano soberbo. A democracia ateniense também calou seus críticos, expulsou o filósofo Protágoras, queimou seus livros, condenou à morte Sócrates, seu modelo de homem livre.


Também: o direito de voto era restrito aos cidadãos do sexo masculino, livres, porque havia muitos escravos na população, mas que não eram contados como homens livres.


Tudo isto é verdade, mas não existe perfeição neste mundo. Na comparação com outros povos, mesmo de hoje, os gregos antigos davam um baile de liberdade. No mundo antigo, então, aquele era um exemplo de experiência humana que cintilava. Um pequeno grupo humano, mas marcando a história com seus mercadores, com sua cultura, com suas histórias, com suas leis, com suas instituições políticas, com seus guerreiros...


E se é verdade que a liberdade e a igualdade eram restritas a um pequeno grupo, também é verdade que, dentro daquele grupo, elas eram reais, efetivas.


A liberdade e a igualdade continuariam a cintilar dentro de outros povos, depois de perdidas pelos gregos.


Foi assim, por exemplo, com os macedônios, na sua igualdade de soldados. Alexandre, o general, que combatia na linha de frente, com seus irmãos guerreiros. Roma, que expulsou os seus reis etruscos e se fundou como República de patriarcas agricultores e guerreiros, vitoriosa em mil guerras.


E os regimes igualitários de tribos bárbaras, que se chocariam com o já decadente império romano, e o fariam ruir.


E a longa batalha dos ingleses para limitar o poder dos seus reis, à medida que se desenvolvia o poder de seus nobres, e depois de seus mercadores, de seus cidadãos (no sentido de os que vivem nas cidades).


E os grupos igualitários de puritanos que fundavam colônias no Novo Mundo, e em 200, 300 anos, conquistavam sua liberdade da Metrópole, e se desenvolviam aceleradamente, para espanto, admiração, inveja, de todo o mundo.


De novo: sempre com seus problemas, sempre com suas imperfeições. Mas os ideais de liberdade e igualdade podem ser identificados, nestes e em outros exemplos, atuando na História, inspirando alguns povos, proporcionando períodos de glória para alguns povos, embora sempre sob ameaça de sofrer retrocessos e até serem perdidos, no desenrolar da História.


Será que os sintomas da decadência, que identificamos em maior ou menor grau em toda e qualquer sociedade, com os crimes bárbaros, com os costumes frouxos, com a perda, progressiva ou súbita, da liberdade, com a corrupção aumentando, e a miséria, e os luxos e os mimos, e as guerras, e a falta de disposição para o trabalho, e a dissolução das famílias, e todos os vícios, todo o conformismo, todo o individualismo, será que a decadência, e todos os seus sintomas, serão reversíveis?


Também neste caso podemos recorrer às lições da História: podemos lembrar dos nazistas, ou do imperador japonês “divinizado” da época da segunda guerra mundial. Não se concebe maior atentado à liberdade do que nestes exemplos.


Pois não foi preciso mais do que uma ou duas gerações depois da guerra para que o Japão e a Alemanha (Ocidental) se reerguessem com Parlamentos e liberdade para o povo, no processo atingindo também os primeiros postos da Economia mundial.


Está certo, foi preciso uma derrota sofrida na guerra, mas não deixa de ser gratificante ver a rapidez com que a liberdade frutificou em progresso material e humano, uma vez plantadas as sementes, dentro dos próprios povos que tão recentemente a haviam renegado por completo.


O que demonstra que não existe um defeito congênito a alemães ou japoneses, ou a qualquer outro povo, que os impeça de apreciar e aproveitar a liberdade. Tratava-se de circunstâncias históricas, em que a liberdade perdeu prestígio por todo o mundo, traumatizado por crises econômicas, guerras “totais”, sanguinolentas, competição sem limites de todos contra todos.


Alemanha e Japão terão experimentado, talvez em maior grau, esta insegurança traduzida como ameaça à própria existência. Identificaram talvez os sintomas da decadência, na carestia, na falta de alimentos, e voltaram-se contra a liberdade, identificada como fraqueza fatal, num mundo de sobrevivência do mais forte.


Negaram, radicalmente, a liberdade ao indivíduo. O homem tinha de ser um trabalhador e um guerreiro para o Estado, as mulheres boas reprodutoras, e cuidariam da família. Tudo para fazer a nação “forte”, e em troca o Estado daria segurança para os indivíduos.


Chegou-se ao extremo da falta de compaixão, de não se admitir a vida aos mal formados, aos pobres loucos, aos incapazes. “Degenerados”, berrava a propaganda nazista, “deturpadores da raça”, e os executava em massa, impiedosamente. Vide o documentário “Arquitetura da Destruição” e “Homo Sapiens 1900”, de Peter Cohen.


Na verdade, seguindo meu argumento, a tentativa desesperada de fugir à decadência pela cassação da liberdade redundava na suprema decadência de um Estado violento, covarde, insano, que declarava guerra ao indivíduo e ao mundo, buscando a própria destruição, como um cão raivoso, que precisa ser abatido, buscando o seu próprio fim.


Ao sentirem-se decadentes, sentiram medo, ao sentirem medo, pensaram em abrir mão da liberdade para aumentar a segurança.


Mas que segurança tiveram, quando seus líderes, cegos e perdidos como eles próprios, os conduziram para o abismo da guerra?


Caso lutassem pela liberdade, e a conquistassem, ou a mantivessem, ou a aprofundassem, a liberdade real, de participar da formação das leis a que se submeterão, afastariam a decadência, e o sentimento de ameaça.







sábado, 23 de abril de 2011

Diz-me com quem andas, e eu te direi quem és


Na matéria do Globo de 20.04.2011: “Lula retoma vida política ao lado de mensaleiros” (http://amecidade-arquivo.blogspot.com/2011/04/carros-da-prefeitura-sao-usados-para.html).



No texto da reportagem, “Lula participou de uma reunião com dezenas de prefeitos, vices e parlamentares paulistas, ao lado do deputado João Paulo Cunha, um dos acusados no mensalão, e do ex-ministro e deputado cassado José Dirceu, processado no Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção ativa e formação de quadrilha. A reunião, realizada num hotel em Osasco, na Grande São Paulo, foi organizada pelo PT paulista para dar início à campanha da sucessão municipal, no próximo ano”.


Que grande mudança, hein? De “eu fui traído”, e “eu não sabia de nada”, para “cumpanhêro mensalêro, que satisfação de te encontrar de novo...”


A onipotência destes seres é formidanda... eles próprios pronunciam as sentenças que os condenam: se algo é um crime de que de nada sabiam, se algo é uma traição, como é que se explica esta proximidade com criminosos e traidores? Não se explica, fica por isso mesmo. Foi só o teatrinho da hora da insegurança, da hora do aperto... naquela hora, achou-se melhor entregar uma cabeça coroada. O cumpanhêro Zé Dirceu, para acalmar a plebe ignara.


Mas já na despedida, entre lágrimas e discursos comovidos pelo cumpanhêro que sacrificava pelo partido, podíamos prenunciar que não demoraria a farsa... também, o Zé tirou umas férias dos holofotes, mas pôde até se dedicar com mais afinco a sua lucrativa profissão de consultor de empresários sequiosos de fechar bons negócios com o governo...


E também não durou muito o ostracismo... Dirceu está a todo vapor com os cumpanhêros do governo, apenas, atuando nos bastidores, vide seu ensaio de volta à cena pública na campanha de

Dilma: não pegou muito bem, aquele discurso aos petroleiros, instigando e exaltando a tomada de poder, a manutenção do poder, “ideológica”... é, sim, mano, é nóis contra eles, nóis do socialismo, nóis da isquerda, contra aqueles burgueses reaça... é nóis, nóis que brigô contra a ditadura, ainda que apoiássemos, e nos apoiássemos, em algumas das ditaduras mais brutais e fanáticas que já assolaram a raça humana... ah, mas eram as ditaduras “boas”, as ditaduras de isquerda, igual que nóis...”


Não, não pegou bem, Dirceu foi novamente relegado às sombras... mas das sombras ainda saíam os arrotos: “o presidente Lula vai me ajudar a desmontar a farsa que foi o mensalão...” Farsa? Ué, não era “crime”, não era “traição”?


Este imenso, este formidando esquecimento das próprias palavras, é chocante e terrível. Ou então será uma prepotência insana, do tipo, “Eu posso tudo!”. Eu posso pisotear a ética, a lógica, a coerência, o mais elementar bom senso, e não pega nada. Pode-se cagar pra opinião pública, que tá tudo dominado, mais uma eleição no papo, mais um contrato de milhões, nas barbas de fiscais, polícias, juízes, ministérios públicos... pode até sair em fita de vídeo pela imprensa... a gente acusa a imprensa de golpista, e além do mais, quantas pessoas lêem o jornal? Quantas se importam? é nóis na fita...


É verdade que nem toda a empáfia e a prepotência do mundo tornam a mentira menos mentira, a desfaçatez menos desfaçatez, a corrupção menos corrupta... mas na nossa “ditadura do proletariado”, nossos políticos enfiam a cabeça no luxo e no poder e repetem, como o personagem de Chico Anysio, o deputado Justo Veríssimo, aquele que quer que pobre se exploda, isso é relativo, isso é relativo...


Querem um símbolo? Leiam no adendo à mesma matéria do Globo, no mesmo link, sob o título: “Carros da prefeitura são usados para atividade partidária”


Uma festa de carros oficiais. Este foi o cenário flagrado pelo GLOBO ontem, na entrada da reunião dos 32 prefeitos do PT com o ex-presidente Lula e o ex-ministro José Dirceu.


Pelo menos oito prefeitos e deputados chegaram em carros do poder público, alguns deles cometendo infrações de trânsito. O prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho, teve seu carro oficial estacionado na contramão, a uma quadra do hotel de Osasco onde ocorria o evento.

Abordado por repórteres do GLOBO, Marinho reagiu com palavrão e perguntou se deveria chegar ao local de bicicleta.

Ex-ministro do Trabalho de Lula, Marinho foi abordado pela reportagem durante o almoço de encerramento do encontro, quando foi perguntado se poderia falar sobre o assunto.

— Falar sobre o quê? Se for sobre essa putaria do GLOBO, essa de carro oficial, não. Falo sobre coisas sérias.

Marinho, no entanto, confirmou que usava o carro da prefeitura:

— Quer que eu venha de bicicleta? Eu sou prefeito. Ando de carro oficial e com segurança. Ou você quer que eu seja morto como o Celso Daniel? — ironizou ele, referindo-se ao ex-prefeito de Santo André assassinado em 2002.


É nóis.




quarta-feira, 20 de abril de 2011

Inflação e corrupção





A gasolina sobe, na véspera do feriadão. Vamos encher o cofre, cambada, vamos encher bem rápido!


O governo vai afrouxando o combate à inflação. Back to the future. Para as garras do dragão.


Não tínhamos pré-sal, não éramos o país do futuro? Eu vejo o futuro /repetir o passado /eu vejo um museu /de grandes novidades...


Agora, nem o álcool escapa. Aumento de preço, na época da safra. E o Brasil não era o futuro, o futuro do biocombustível? E o Brasil vai pagando caro pra importar biocombustível, também.


Tudo desorganizado, tudo mal feito. O governo enterra dinheiro pra sustentar o negócio, o dinheiro desaparece, nada melhora, nada se resolve... uma mixórdia de problemas, mão de obra explorada, falta de investimentos, falta de segurança nos campos, e o país parece que caminha para trás, eternamente. Quem sabe reeditamos o pro-álcool?


No governo, tudo inoperante, embora na propaganda (regiamente paga) sejamos os melhores do mundo! Ehhhhh, que grande festa! Temos agora uma presidenTA, que é uma grande planejadora, uma grande gerente, perdão, uma grande gerenTA, a "MÃE DO PAC"! Que fórmula linda, merecia o Nobel da Literatura...


E enquanto a Grande Planejadora planeja, o Brasil tolera a inflação... a ordem é gastar, gastar rápido, gastar muito! Bons negócios se fazem, quando se gasta muito, quando se gasta rápido, quando se cria dificuldades para a fiscalização do TCU...


É, acabou de dar no jornal, manchete de primeira página: O Globo: “Projeto do governo dificulta controle de obras pelo TCU”. E aí vem Copa, aí vem Olimpíadas!


Vamos construir estádios, OS MAIORES DO MUNDO! Vamos construir estádio no deserto, vamos construir estádios na selva!


O negócio é gastar, gastar muito, gastar rápido! Raspar o tacho correndo, aproveitar enquanto é tempo!


Vamos trazer de volta a inflação, esse imposto não votado, de incidência maior sobre os mais pobres... é terrível, eu sei, mas por outro lado é um ótimo instrumento pro governo torrar dinheiro... vamos rodar a maquininha, vamos fazer a mágica de novo, vamos fazer chover dinheiro!


Não importa que já tenhamos trilhado este mesmo caminho rumo ao abismo, não importa que já tenhamos nos esborrachado todos...


CORRE PRA PEGAR O SEU! É HOJE SÓ, AMANHÃ NÃO TEM MAIS!


Link relacionado:





http://oglobo.globo.com/opiniao/mat/2011/04/20/tirar-poder-do-tcu-cercear-legislativo-924291176.asp



O Rei é um Velho Crocodilo Inchado, Maligno, Estúpido, e prestes a engolir um anzol


Democracia decai em demagogia. Será que revogaram a lei descoberta por Aristóteles?


Cada regime, manipulado pelos donos do poder, faz a sua propaganda escondendo as suas falhas. “este é o melhor regime do mundo, e não nada para ser mudado”; “quem quer mudar é um subversivo, melhor mandar prender, ou matar, para garantirmos nossas posições”.


Liberdade é uma bela aspiração, mas ela só existe se houver democracia. Mas um regime pode ser democracia só no nome, pode ser uma farsa. Os regimes mais tirânicos, supressores de liberdades, anunciavam-se como “democracias populares”, “verdadeiras democracias”.


Democracia se corrompe e se torna demagogia. Democracia de fachada, democracia no nome.


Uma democracia real é onde o povo trabalha, em prosperidade, sem ser extorquido pelo Estado. Dão sua contribuição módica sobre aquilo que produziram, aquilo que podem pagar, e recebem de volta de um governo que mantém a paz, e que presta serviços para melhorar a situação da comunidade.


Governo que confisca, governo que extorque, é governo tirano. Por mais que diga que é pros melhores fins, que é pra acabar com a miséria, é fachada, é mentira.


Acabar com a miséria? Isto é 0,00001% do orçamento de um ano. Identificar, distribuir, melhorar o ensino? 0,000001%. O resto é permitir que as pessoas trabalhem naquilo que sabem fazer, retirando os entraves, melhorando a infra-estrutura, o ambiente.


Mas é bom que se eternize a miséria, porque aí sempre se pode invocar o combate à miséria, para praticar toda injustiça e toda a extorsão. Invocar a miséria aos berros e aos prantos, como se fosse um grande campeão dos coitadinhos, buá-buá-snif-snif.


Hoje no jornal deu que no 1o trimestre, batemos novo recorde. BRASIL – ZIL – ZIL. Em arrecadação de tributos. Duzentos e vinte e poucos BILHÕES de reais. Daria pra dar, de mão beijada, para CADA um dos cerca de DUZENTOS MILHÕES DE BRASILEIROS, R$ 2.000,00, por este trimestre.


Isto no país em que quinhentos e poucos reais é um salário mínimo, e em que muitos trabalham de sol a sol e sonhariam receber um salário mínimo. País em que se contrata assassinatos, fácil, por cem real. País onde se mata, fácil, por um tênis, um relógio, um cordão.


E onde tantos e tantos vivem na abjeta miséria, famílias e famílias sem comida na mesa, sem piso no chão, crianças amontoadas num cobertor.


Enquanto isso nossos políticos e nossos governos prometem seus planos mirabolantes, acostumados no luxo e na mais descarada corrupção impune.


Esta é a verdadeira corrupção da democracia, a demagogia, que faz perder o único regime onde é possível a liberdade. Pior: faz perder a democracia de uma forma solerte, sub-reptícia: mantendo uma fachada de democracia, para enganar os tontos. Os cegos, que não querem ver.


Povo roubado, povo oprimido, povo tiranizado luxo de ladrões, dez vezes ladrões, mega-pilantras, apanhados com a mão na massa e a mão na merda. A impunidade mais descarada, o deboche de gente sem vergonha. Algum grande Magistrado ainda vai encher a boca pra falar: “é o custo de se viver numa democracia”.



Democracia aonde, democracia pra quem, emporcalhando o nome da democracia. Tirania mal disfarçada, mas ninguém aponta pro Rei e diz: “olhem, o Rei está nu! O Rei é um Velho Crocodilo Inchado, Maligno, Estúpido, e prestes a engolir um anzol”. Não, estão todos ocupados demais, anestesiados demais, preocupados demais em também garantir sua própria lasquinha do Real.



terça-feira, 12 de abril de 2011

Voto Distrital

http://www.euvotodistrital.org.br/

Quem lê este blog sabe que sou crítico do nosso sistema eleitoral, e também das propostas de reforma deste sistema para a introdução da lista fechada.

Apóio, contudo, as propostas de reforma que ampliem e fortaleçam o modelo democrático, o que na minha opinião se realizaria pela adoção do sistema distrital puro, em que os eleitores ficariam mais próximos de seus representantes.

Já assinei dois manifestos neste sentido, um que recebi pelo email, e outro de um movimento da sociedade civil, "Eu voto distrital", cujo link vai acima, para os interessados em reforçar esta idéia.

Um pequeno gesto, mas um gesto.

domingo, 10 de abril de 2011

Homenagem a uma brasileira íntegra




Foi publicada no jornal O Globo do dia 08.04.2011 uma entrevista feita pela repórter Letícia Lins com Marilena Ferreira, uma pequena agricultora de 44 anos, assentada na região canavieira de Pernambuco, e que se recusa a aceitar o dinheiro do Bolsa Família, programa que qualifica como “um cala-boca que o governo arranjou para acomodar o povo da cidade e do campo”.


Para ela “o que a gente precisa é de condições para trabalhar, porque o trabalhador do campo gosta mesmo é de viver do suor do seu rosto”.


Lulinha paz-e-amor, na sua nova roupagem de dono do poder, deve qualificar esta trabalhadora de imbecil ou ignorante, por criticar a menina dos olhos de seu governo... Mas deixe-me transcrever na íntegra esta reportagem, de uma pessoa simples, mas com muito a ensinar a doutores e poderosos:


'O que a gente precisa é de trabalho'

Para assentada, Bolsa Família é cala-boca para acomodar povo no campo e nas cidades


MARILENA: "Esse modelo de reforma agrária tem que ser reformulado, porque o que está aí não serve para nós nem vai fazer bem ao país"


Marilena Ferreira, de 44 anos, dedicou dez anos de sua vida à luta por um pedaço de terra, dividindo acampamentos com 299 famílias no Engenho Prado, região canavieira de Pernambuco. A ocupação foi marcada por conflitos. Das 300 famílias, só 153 foram assentadas. Algumas sobrevivem com o Bolsa Família, mas Marilena se recusa a receber esse auxílio, que chama de migalha. Para ela, benefícios como esse não dignificam o homem do campo, a quem, em sua opinião, o governo "deve dar condições de trabalhar e não esmola".


Letícia Lins


Por que a senhora diz que essa não é a reforma agrária que sonhou?


MARILENA FERREIRA: Porque não é mesmo. Quando a gente fala em reforma agrária, pensa em fartura. Mas o que a gente vê é outra coisa: "faltura". Falta tudo: crédito, habitação, casa digna, escola, posto de saúde, água, estrada. Se a gente tivesse incentivo, como os usineiros, a coisa seria muito diferente. Quase ninguém teve financiamento por aqui, mesmo assim está plantando. Somos nós que garantimos a feira do município vizinho com nossos produtos. Acho que os assentados podem ser considerados heróis por isso.


Geralmente, as pessoas em dificuldade elogiam e até disputam o dinheiro do Bolsa Família. Por que a senhora o recusa?


MARILENA: O Bolsa Família é um cala-boca que o governo arranjou para acomodar o povo da cidade e do campo. Em vez de dar auxílio de dinheiro, o governo deveria nos dar incentivo para trabalhar. Disso tenho certeza. Se não deixassem os assentados ao deus-dará, sairíamos da "faltura" para a fartura. Infelizmente, o povo do campo é muito esquecido. Mas nós somos fortes o suficiente para nos juntarmos e irmos à rua. Ninguém tem que se intimidar porque recebe cesta básica ou outra ajuda do governo. A meu ver, Bolsa Família é uma vergonha. O que a gente precisa é de condições para trabalhar, porque o trabalhador do campo gosta mesmo é de viver do suor do seu rosto.


Por que a senhora acha que os ex-sem terra são esquecidos?


MARILENA: Você pode reparar: até a ciência aqui é voltada para o agronegócio. Nós temos tido muitos prejuízos com a macaxeira (aipim). Não sei se devido a algum fungo ou a problemas no solo. A macaxeira fica imprópria para o consumo, sem valor no comércio. Fomos a uma unidade de pesquisa no vizinho município de Carpina, da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Os pesquisadores disseram que só trabalham com cana.


Apesar das dificuldades, a senhora está vivendo do seu lote e se recusa a receber de programas sociais como o Bolsa Família. O que falta para a tão sonhada fartura?


MARILENA: É o pequeno que produz mais de 80% da mandioca e 70% do feijão do Brasil, mas o governo não se lembra disso, e aqui, na Zona da Mata, está até incentivando os assentados a plantar cana, que só dá dinheiro para o usineiro. O Engenho Prado, onde estamos, é rico em água, mas essa água a gente não pode usar porque ficou em terras da usina. Se pudesse, ia aumentar a nossa renda, criando camarão e peixe. Aqui, de fato, falta água até para beber. Esse modelo de reforma agrária tem que ser reformulado, porque o que está aí não serve para nós nem vai fazer bem ao país.


FONTE: O GLOBO


O Grande Bode




É difícil falar sobre a tragédia. Só é fácil para aqueles mercadores da dor, ávidos em estampar a face da dor, do desconsolo, da angústia, para um público também ávido por consumir tais estampas.


A tragédia se abateu sobre os brasileiros, sobre a Cidade Maravilhosa, sobre um de seus bairros, o Realengo.


O que se viu não pode ser descrito, não pode ser explicado. A dor, o horror.


Ter raiva de quem fez isso, do autor dos disparos? Parece tão inútil quanto culpar Deus, ou o Destino. Li sua carta, um pensamento incoerente, o sofrimento... alguém que tantos anos viveu sua vida de doente mental, de “diferente”, de excluído.


Um mundo também muito duro, de competição feroz, de pouco tempo para os problemas alheios, pouco tempo para a solidariedade.


Quanto não sofreu esta alma atormentada, desde as crianças na escola, que cada vez mais se utilizam da agressão e da impunidade para dar vazão ao seus sentimentos de aversão e repulsa por aqueles que identificam como “diferente”, até os pais destas crianças, relapsos para lhes ensinar o respeito pelo próximo, ensinando-lhes, ao contrário, o desrespeito mais cruel e acintoso.


Sim, não se iluda, ilustre e honrada sociedade, você não está alheia a todo o problema, isenta de toda culpa. Não foi o seu filho assassinado ou assassinando, mas poderia ter sido.


Não tome estas palavras duras como um desejo de mal, antes como um desejo de bem.


As tragédias não se prevêem nem se explicam, mas isto não importa. O que importa é que podem ser evitadas.


Mas apenas se construímos um ambiente de respeito mútuo para vivermos. Num ambiente de corrupção, de decadência, de imoralidade, de inconsciência, as tragédias se repetirão.


É a escola, que tinha profissionais treinados, tinha médicos, inspetores, assistentes sociais, psicólogos, orientadores, e os vai perdendo para a lógica pequena dos que tomam decisões “econômicas”.


Economizam o centavo na folha de pagamento, pra gastar no milhão do “por fora”.


Crianças, e adultos, que poderiam ter um cuidado melhor, uma oportunidade melhor, uma chance, são colocados pra escanteio por esta “lógica do mercado”, corrupta e perversa.


Será tão caro, para uma comunidade organizada, próspera, solidária, uns 200 mil cidadãos, digamos, arcar com um salário de 4 mil, de 5 mil, para ter um profissional nas escolas, dedicados àquelas crianças? Eu digo quanto cada membro desta comunidade precisa gastar por mês para pagar o salário de R$ 5.000,00 deste profissional: R$ 0,025. Se cada membro desta comunidade pagar R$ 1 por mês, será possível pagar 40 profissionais para esta escola, recebendo R$ 5.000,00 cada.


Dá pra montar uma bela escola, com 40 profissionais trabalhando 8 horas diárias, nossa jornada de trabalho padrão. Dá pra ensinar muita coisa, pra um bocado de crianças, e mais do que isso, dá para proporcionar um ambiente de cuidado e de importância, com as crianças sentindo que estão sendo observadas de perto, e protegidas.


Eu não sei quantos profissionais são suficientes para cuidar das crianças de uma comunidade de 200 mil cidadãos. Mas com 2 reais por cabeça são 80, com 3 reais, 120... com 20 reais, 800. Será que está ficando mais próximo? As comunidades mais pobres podem receber algum repasse das comunidades mais ricas. Falo em comunidades de 200 mil cidadãos porque este seria o número aproximado, se o Brasil fosse dividido em distritos eleitorais, na base: população do país dividida pelo número de deputados federais que temos.


Será um bom retorno para os seus 20 reais, cidadão, pagar o salário de 800 profissionais para atenderem suas crianças? Que diferença podem fazer, numa comunidade, 800 profissionais bem treinados, bem preparados, com objetivos claros, estabelecidos pelas leis do país, atuando no ensino das crianças? Bem conhecidos, bem avaliados nas comunidades onde trabalham, segundo a comparação objetiva proporcionada pelas leis gerais, e pelos resultados obtidos pelas outras comunidades? Com os currículos de ensino, com os equipamentos e os materiais didáticos, e outros aspectos do trabalho, definidos e uniformizados pelas leis gerais, discutidas e aprovadas por legisladores escolhidos por estas comunidades, compromissados com estes distritos eleitorais, presentes a estes distritos eleitorais, para prestar contas a eles, para brigar por eles, se houver necessidade, nos termos da lei. E, se não o fizer, é simples: troca-se de representante na próxima eleição.


Organizar um sistema verdadeiramente democrático, cuja base, cujo pilar, é a escola, deveria ser o trabalho de nossos representantes. Um trabalho que evitaria tragédias neste nosso Vale de Lágrimas, embora saibamos, perfeição está reservada para o Paraíso.


Mas nossos governantes se contentam em fazer o teatrinho, discursos comoventes em frente das câmeras, poses de indignação (o governador do Estado chamou o assassino de “animal” - é tão fácil desumanizar o outro...). Convenientes demonstrações de tipo: “Olhem como eu sou legal, uma pessoa linda, sensível”; e “Olhem como todo a culpa é do outro, aquele animal, aquele bode expiatório”.


Depois, anunciarão com estardalhaço alguma falsa solução simplista para todos os problemas: DETECTORES DE METAL EM CADA ESCOLA! CAMPANHAS DE DESARMAMENTO! E aí poderão voltar para suas viagens internacionais com o dinheiro dos trouxas, para suas mansões e banquetes, muito bem protegidos e seguros, eles e seus familiares, por batalhões de soldados de segurança. Pagos com o dinheiro dos trouxas, naturalmente.


A grande mentira é a dos que cobram bem caro da sociedade, mas dizem que ela tem de se contentar com bem pouco. Uma péssima escola, com profissionais mal treinados, desmotivados, alguns sobrecarregados, muitos fingindo que trabalham, todos sem um objetivo claro, sem fiscalização, sem reconhecimento... crianças desatendidas de suas necessidades, tolhidas de suas possibilidades, gerando adultos também desatendidos e tolhidos, que, alguns, explodirão em tragédias, explodirão em raiva, em sofrimento, em dor.


Sim, uma grande mentira, mas é a nossa realidade.


Sim, os grilhões que nos aprisionam são todos mentais, mas terrivelmente reais.


quinta-feira, 7 de abril de 2011

O deserto de idéias do Camelo





Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Não são algumas toneladas de pedras ou tijolos ao alto
Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo.
Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes
Desertas porque não passa por elas senão elas mesmas,
Grandes porque de ali se vê tudo, e tudo morreu.

Grandes são os desertos, minha alma!
Grandes são os desertos.

- Fernando Pessoa, sob o heterônimo de Álvaro de Campos



No Segundo Caderno de hoje, 07.04.2011, o músico Marcelo Camelo ataca aquilo que chama de “fundamentalismo materialista”, “um pensamento que sustentaria a reação (“De uma classe média dateniana, com um caráter denuncista escroto”) à autorização dada pelo Ministério da Cultura para que o blog de poesia de Maria Bethânia captasse R$ 1,3 milhão”.


As pessoas entendem o valor de uma barra de ouro, mas não entendem o valor de Bethânia declamando poesia” - afirma.


Oooooohhhhh, Camelo, a que vem tanta arrogância? Será porque você é um músico, um ser sensível, especial? Você é um poeta, que entende o valor de Bethânia declamando poesia, diferente dessas pessoas que não entendem, que são fundamentalistas materialistas?


Você não faz parte desta classe média que assiste televisão, e pior, assiste programas de baixo nível, como aquele apresentado pelo jornalista José Luiz Datena. Nunca! Você é um artista, de senso estético apurado, assim como Bethânia.


Por que é que seres tão especiais teriam de responder às críticas daqueles que questionam o destino dos dinheiros públicos? Sr. “Contribuinte”, pague e cale a boca! Pessoas de classe média, sujeitos da esquina, por que vão questionar, denunciar, criticar, o destino do dinheiro público que cai no bolso de uma das pessoas incomuns?


Ah, maldita a sociedade escravocrata, maldita a cultura escravocrata, ou de tradições escravocratas! Maldita a sociedade dividida, a sociedade partida, a sociedade de seres que se consideram muito especiais, que pensam que cagam ouro, que pensam que têm o sangue azul, que ficam ofendidos quando os sujeitinhos das esquinas lhes questionam os privilégios!


Ah, mas no discurso, na máscara, são todos democratas, muy democratas, defensores da democracia... não é o que fala a nossa Constituição, a República Federativa do Brasil, e todo poder emana do povo, e todos são iguais perante a lei? Muito lindo, mas eu quero ver é na prática!


Ou então, façamos o teste: vamos ver se os burocratas, os técnicos, os agentes, os DAS, os diretores, o Ministro, toda a multidão do Ministério da Cultura aprova o meu projetinho de ler poesia na internet. Olha só, vou fazer uma bela promoção: em vez de pagar R$ 50 mil por mês pra Bethânia ler uma poesia por dia, paguem R$ 30 mil por mês para mim, para declamar uma poesia por dia, por um ano. Pagariam R$ 600 mil à Bethânia, ao final de um ano? Paguem apenas R$ 360 mil para mim, olha que bom negócio!


Mas sejamos mais técnicos para não dar ensejo a críticas: não me pagarão R$ 360 mil, apenas aceitarão que deixe de entrar R$ 360 mil no Tesouro Público, para me pagar para oferecer cultura ao nosso coitadinho de povo inculto.


Bem, Bethânia ficaria com R$ 600 mil, ainda sobrariam R$ 700 mil da renúncia fiscal do Estado. Foi autorizada a captação de R$ 1,3 milhão, lembra? Pois os R$ 700 mil pagam o custo de ligar uma câmera para registrar Bethânia, mais uma lâmpada, iluminação, e a trabalheira de botar o vídeo na internet... ufa!


Pois no MEU projeto, também vou dar um abatimento no preço: em vez de R$ 700 mil pelo trabalho de filmagem/informática, deixo por quinhentinhos... total: R$ 860 mil, uma economia de R$ 440 mil em relação ao projeto de Bethânia!


Se eu vou encontrar empresários querendo financiar estes R$ 860 mil? Moleza! Afinal, os ilustres empresários, ao invés de entregar R$ 360 mil de tributos pro Governo, pode entregar pra mim, que sou seu amigo... e ele pode ter um irmão ou um sobrinho que é cineasta, isto é, que tem uma câmera, e que pode embolsar os R$ 500 mil pra dirigir esta obra de arte...


Não é uma beleza? Seria, se o Minc me autorizasse levantar a grana... mas eu não sou Bethânia, um ser iluminado, uma artista, uma pessoa incomum... mas não são todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza? Ah, mas alguns animais são mais iguais do que os outros, como queria a porcada da Revolução dos Bichos, de George Orwell...


Ah, maldita a sociedade escravocrata, maldita a cultura escravocrata, ou de tradições escravocratas! Maldita a sociedade dividida, a sociedade partida, a sociedade de seres que se consideram muito especiais, que pensam que cagam ouro, que pensam que têm o sangue azul, que ficam ofendidos quando os sujeitinhos das esquinas lhes questionam os privilégios!




sábado, 2 de abril de 2011

Para entender o Brasil

Duas reportagens do Jornal Nacional de 02.04.2011:

http://g1.globo.com/videos/jornal-nacional/v/relatorio-feito-pela-policia-federal-confirma-denuncia-de-mensalao-no-governo-lula/1475748/

e

http://g1.globo.com/videos/jornal-nacional/v/jornal-nacional-destaca-explicacao-das-autoridades-para-descaso-na-saude-publica/1475576/#/Edi%C3%A7%C3%B5es/20110402/page/1

Deu pra entender?

O Inferno é a Burocracia


"Alguém devia ter caluniado a Josef K., pois sem que ele tivesse feito qualquer mal foi detido certa manhã." - O Processo, Franz Kafka. Link pra download do ebook: http://ebooksgratis.com.br/tag/franz-kafka/



Infernizam com milhões de regulamentos

e toda a energia que se tem de desprender

para lidar com milhões de regulamentos


infernizam a sua vida

faltou um carimbo

faltou uma taxa

faltou um qualquer


infernizam a sua vida

humilhe-se cachorro

da minha empáfia e do meu bom humor

dependem a sua solicitação


é caso de vida ou de morte?


Ora, não me aborreça

estou no meio do meu descanso


eu fico cansado

lidar com tantos tipos


gente pobre e ignorante

e eu nasci para o rico salão


estou aqui não é porque eu queria, não,

se tiver um trouxa eu ponho pra fazer o meu trabalho


não pega nada

e eu tenho as costas quentes


você conhece alguém?

Pode-se dar um jeitinho


eu tenho meus privilégios

eu tenho meus ricos salários

sou o assessor de porra nenhuma

de algum grande homem


um dos incomuns

que cagam pros seus problemas bestas


têm muito que fazer

gastando o dinheiro de otários


e eu fico na rebarba do grande homem

eu, o capacho vil,

mas que se vinga


acerta essa fila aí! Vamos calar a boca, cambada,

gente que apanha de chicote dos seguranças do trem!


Isto é até bom demais pra você!”



"Mas as mãos de um dos senhores seguraram a garganta de K. enquanto o outro lhe enterrava profundamente no coração a faca e depois a revolvia ali duas vezes. Com os olhos vidrados conseguiu K. ainda ver como os senhores, mantendo-se muito próximos diante de seu rosto e apoiando-se face a face, observavam o desenlace. Disse:

— Como um cachorro! — era como se a vergonha fosse sobrevivê-lo."