domingo, 12 de junho de 2011

Ernesto Sabato


Ernesto Sabato, escritor argentino, morreu recentemente.


Escritor por quem tive, e tenho, muito apreço.


Descobri-o nas estantes da biblioteca do Centro Cultural Banco do Brasil. Queria conhecer algo da literatura hispano-americana. Folheei o livro “Nós e o Universo”, fui fisgado. Levei o livro para ler em casa, li-o todo, admirado dos curtos ensaios aliando erudição humanista e científica, muito bem escritos.


Admirei o autor, admirei mais do que a Borges. Não sei por que somos levados a fazer estas comparações, mas somos. Sim, Borges me leva sempre a páginas de deleite, e os seus contos são muito marcantes. Mas Sabato possuía uma qualidade importante, suas páginas são mais urgentes, e são mais reais. Era homem das grandes angústias, e das páginas de pesadelo. Prezava muito sua liberdade humana, e portanto sua liberdade de autor. Escrevia com honestidade.


Não que Borges fosse desonesto, não estou dizendo isto. Mas Sabato me parecia mais enfronhado no humano, enquanto Borges pensa bibliotecas, e labirintos, e tigres, e espelhos...


Mas, de novo, não há nada que compará-los, apenas porque eram argentinos, e contemporâneos, circunstâncias fortuitas.


E ambos, muito inteligentes e eruditos. Leitores íntimos de alta filosofia.


Preferi Sabato dos ensaios. Aquele primeiro livro dele que li, “Nós e o Universo”, permaneceu marcante, e sinto vontade de relê-lo.


Depois, li “O Túnel”, um curto romance sobre um homem que mata uma mulher, enlouquecido de ciúmes. Somos levados dentro da mente do assassino, um livro, como se vê, tenso. Um livro de pesadelo. Forte, honesto, mas não me interessou tanto. Também não é passa-tempo, está-se vendo.


Depois, li uma parte de um livro de diálogos, “Meus Fantasmas”, umas partes de um livro de crítica literária, “Os escritores e seus fantasmas”, estou lendo um livro de diálogos com Borges.


Todos cheios de grandes sacadas, de pontos de vista interessantes, de erudição.


Fora estes, comecei a leitura de um romance complexo, “Sobre heróis e tumbas”. Uma trama envolvendo história argentina, fantasias paranóicas, personagens densos. Fiquei interessado pela história, e me impressionei com a força algumas cenas de sonho. Mas não consegui ir adiante no livro, está esperando por uma nova tentativa... talvez, quando estiver mais preparado? Mas me parece ser o seu tour de force.


Mas, como dizia, os seus ensaios é que pude ler com mais interesse. Além do já citado “Nós e o Universo”, outro que eu li todo, e me agradou muitíssimo foi “Homens e Engrenagens”. Este, com uma discussão mais histórica, me apresentou uma idéia, que achei bem justa, e depois vi reproduzida em outros pensadores filosóficos contemporâneos, como Eric Voegelin e John Gray: o liberalismo e o socialismo são variantes de uma raiz comum de filosofia progressista e utópica.


Sabato reflete sobre isto emocionalmente, rejeitando ambos os sistemas do Mundo “Moderno” e “Avançado”, representados por Estados Unidos e União Soviética.


Um a imagem deformada do outro. Gêmeos disputando e se odiando. Esaú e Jacó, não reconhecendo a origem comum.


Claro: alguém ouviu um liberal da gema falando? Mercado tudo regulando, o Paraíso, eu vejo uma Mão Invisível, eu vejo uns anjos!.... dá pra ver o olho brilhando.


E alguém já ouviu um socialista da gema falando? Um fantasma ronda a Europa... Operários de todo o mundo, uni-vos!.... de olho brilhando.


Ambos culpados de se perder no mito de seu pensamento feliz, de sua vaidade auto-confiante, e perderem de vista o ser humano.


O ser humano concreto, visto por estes como meios, ou obstáculos, para atingir os seus “fins” elevados, os seus sonhos de pesadelos.


Isto que Ernesto Sabato viu, e denunciou com a sua convicção, com o seu comprometimento, sua coragem, sua palavra. Americanos sacrificando homens para o Deus-Mercado; soviéticos sacrificando homens para fazer a Grande Rússia, com seu Grande Sistema, com seu Grande Planejamento, mandando homens pro espaço, e outros homens pro Gulag...


Uma competição insana para ver que país manda no mundo. E todas as população convocadas para estes falsos ideais, temendo e odiando uns aos outros, e se esquecendo de questionar o luxo de seus governantes, e a própria miséria, a própria fila pro pão, o próprio desemprego devastador, ou trabalho duro pra conseguir uma merreca, enquanto o corrupto ensaca milhões e bilhões...


Sim, uma grande farsa, intensamente sentida, intensamente denunciada por Sabato.


Também li um livro de suas memórias, “Antes do fim”, que desvenda bastante da vida deste escritor. Sua infância, sua escola, e depois foi para a Europa, trabalhar como cientista. Seu envolvimento com o grupo dos surrealistas em Paris, exercendo uma vida dupla inabitual de cientista e boêmio. Seus dramas familiares. A grande crise em que desistiu da ciência e das esperanças que se depositavam nele, como cientista, para voltar para a Argentina, e se isolar no campo, e se tornar um escritor.


Bem, estas são minhas considerações sobre Ernesto Sabato e sua obra, e algumas coisitas más.


Descanse em Paz, Ernesto.

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