quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Nietszche, e a condição humana, e o Brasil

Li esta história, de algum jornalista, algum escritor, na internet.


Seu pai era analfabeto, mas manifestava interesse em conhecer algo do que tinha sido escrito.


O jornalista/escritor, com cultura literária, pensou em alguns livros importantes historicamente. Não sei se foi o primeiro que leu para o pai, mas leu A Apologia de Sócrates, de Platão, para ele.


Depois de ouvi-lo, o pai lhe disse: “não precisa me ler mais outros livros. Este já disse tudo o que me era preciso ouvir.” E preferia que o filho o relesse para ele, em vez de ouvir outras histórias dos livros.


Eu penso nesta história quando lembro de Nietsche combatendo Sócrates. Desafiando Cristo. Desafiando Confúcio, Buda, e outros mestres espirituais da Humanidade.


Querendo fundar uma nova moral, de um novo homem.


O que é isto? O que é este novo homem?


Se para mim o homo sapiens é o homo sapiens, desde sempre.


Aqueles animais com frio, lutando por comida ao abrigo de uma caverna.


Aqueles animais morrendo estupidamente, soterrados numa caverna, devorados por algum predador, e ainda assim construindo impérios, sonhando, construindo importância para a sua existência.


“Cego, nu e perdido”. Como aquele pobre animal na caverna. Ou como aquele outro que se perde e se devora na angústia deste minuto. Na loucura de passarem as horas.


Ter seu dinheiro, construir sua família, proteger os seus, ir a festas, jantares, recepções. Aprender, ensinar. Ou se envolver numa briga de gângster, ser um funcionário do Estado, existir, perserverar.


Esta a decantada natureza humana, que produz matadores, produz pinéis. Produz o médico, engenheiro, cantor de jazz, ladrão, polícia, juiz. Carcereiro, e condenado.


Eis a natureza humana, para quem não a conhecia. Eis o homem. Eis o filho do Homem.


Nos templos da Índia. Nos morros do Japão. Na favela e no Senado.


E um único caminho foi divisado bom, para esta única natureza, para esta única condição, para o homo sapiens, desde uma tribo no paleolítico, até as mais refinadas civilizações. Um único caminho, de dignidade, de honestidade, de trabalho. Isto o que qualquer mestre espiritual disse. E mais: que esta dignidade só era atingida preocupando-se com o outro. Amando ao próximo. Deus estaria neste amor pelo próximo, quanto mais indefeso, fragilizado, mais haveria Deus neste amor.


Mais se amaria ao próximo, mais se amaria a Deus.


Dedicando-se pela causa alheia. Não aceitando a miséria do outro, e a falta de um atendimento, de um cuidado, ao outro. Não aceitando que ao outro faltasse a Justiça, e a dignidade.


Não aceitando que as crianças dos outros sejam usadas como prostitutas. Ou que os filhos dos outros sofressem injustiça. Não aceitando que o outro seja humilhado, explorado, agredido, aviltado.


Pelas nossas leis, pela nossa sociedade, conheceremos o fruto.


A sociedade que se organiza pela palavra de seus verdadeiros mestres vai prover atendimento médico para os doentes. Vai prender como criminoso, e ameaça à sociedade, seus assassinos. Vai promover o trabalho honesto, digno, que proporcione uma educação de qualidade para as crianças.


Este é o básico. E estamos bem longe disso.


Com milhares de assassinatos por ano. 50 mil, para ser mais preciso.


E 99% dos homicídios terminando sem condenação.


Só por este dado já é possível ver o absoluto descalabro brasileiro. Ou pelas filas de doentes, morrendo em hospitais lotados. Deixados no chão, como sacos, espalhados. E não tem qualquer discurso oficial que vá mudar este quadro.


E, enquanto isso, os "incomuns" queimam bilhões. Queimam bilhões, com todos os luxos legais, e com todos os esquemas milionários.


Seguem outra filosofia de vida, diversa daquela ensinada pelos mestres espirituais.


É a filosofia: dinheiro fácil, sem trabalho, de um dia pro outro. Sendo desonesto, sendo corrupto. Vale a pena, não dá cadeia. Ou você quer que eu acabe também na fila dos pobres? No chão do Hospital?


Então, não vamos mudar nunca. Com uma sociedade dividida, cada lado um espelho distorcido do outro: o luxo. A miséria. O pobre no hospital de pobre, o rico no hospital de rico. Duas classes de pessoa, duas espécies de seres humanos.


Um com direito ao tratamento x, outro com... "direito"? ao tratamento y.


É a sociedade que não vai ter dignidade. Porque só é possível ter dignidade se você consegue amar ao próximo. Como a si mesmo.


E como saberemos? Pelos frutos os conhecereis.


A sociedade que tem 50 mil assassinados, e não se organiza para impedir isso?


A sociedade que não tem médicos e recursos bem distribuídos?


Esta é a sociedade que ama ao próximo, e àquele que mais precisa de ajuda?


Ou a sociedade dos pitiboys, agressores em bando, atropeladores bêbados, batendo racha, queimadores de índio?...


É esta a sociedade de bonzinhos, de bonitinhos, de agradaveizinhos? Dos que sabem a última piada de salão, e sabem rir da miséria alheia, e sabem apreciar todo luxo e mordomia?



Mas não é a sociedade de dignos.


No desgoverno, se beneficiam os corruptos. Se a Justiça não prende os assassinos, vai prender os lavadores de dinheiro? A quem interessa uma polícia organizada, focada nos grandes criminosos, os assassinos e violentos, os golpeadores do erário?


Uma sociedade corrupta, cheia de miséria, vai ser uma sociedade digna?


É evidente que não existe qualquer hipótese disso.


Os homens foram atrás de dinheiro rápido, perderam a sociedade organizada em moldes dignos.


Porque perderam seu meio de vida.


Se podiam cultivar seu campo, e prosperar segundo seu modo de vida. Se prestavam auxílio à viúva, e ao órfão. Se respeitavam o estrangeiro. Então tinham sua sociedade digna.


Não precisavam sequer andar pelos templos, batendo no peito, em altas exclamações.


Não precisavam fazer guerra uns aos outros, para provar que Deus era louro ou moreno. Isto aconteceu em épocas bem pouco dignas, com muito ódio e ignorância.


Deus nunca esteve nas guerras, nunca esteve com os poderosos. Nunca esteve com escravizadores.


Deus nunca esteve com a indignidade, Deus não é indigno, como poderia?


Deus esteve sempre com o homem, e com a sociedade, que conseguiu ajudar outro homem. Que ao invés de cobiçar e roubar os seus bens, trabalhou para que ele também fosse atendido, se lhe faltasse o sustento.


Desde que o mundo é mundo, desde que o homo sapiens é homo sapiens.


E nenhuma modernidade, ou pensador louco da modernidade, mudaria isso.





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