quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Pimentel e a salvação da lavoura




(...) Ia procurar nos cantos, quando sentiu uma ferroada no peito do pé. Quase
gritou. Abaixou a vela para ver melhor e deu com uma enorme saúva agarrada com toda a fúria à
sua pele magra. Descobriu a origem da bulha. Eram formigas que, por um buraco no assoalho, lhe
tinham invadido a despensa e carregavam as suas reservas de milho e feijão, cujos recipientes
tinham sido deixados abertos por inadvertência. O chão estava negro, e carregadas com os grãos,
elas, em pelotões cerrados, mergulhavam no solo em busca da sua cidade subterrânea.
Quis afugentá-las. Matou uma, duas, dez, vinte, cem; mas eram milhares e cada vez mais o exército aumentava. Veio uma, mordeu-o, depois outra, e o foram mordendo pelas pernas, pelos pés, subindo pelo seu corpo. Não pôde agüentar, gritou, sapateou e deixou a vela cair.
Estava no escuro. Debatia-se para encontrar a porta; achou e correu daquele ínfimo inimigo que,
talvez, nem mesmo à luz radiante do sol, o visse distintamente...

- O Triste Fim de Policarpo Quaresma - Lima Barreto

No Sul, a colheita de uvas se perdeu, uma tempestade de granizo, fora de época, e o prejuízo é de milhões. Pessoas que passaram o ano trabalhando, para cultivar a terra, vê-se frente ao desespero e ao risco. Perder dinheiro, perder, quem sabe, sua propriedade? Seu meio de vida? Seu emprego?


Um seguro preveniria isto, contratos justos de bancos, divisão de riscos. Ou o país não considera socialmente relevante preservar seus produtores de alimentos, seus agricultores, homens de trabalho?


Parece que não. Nosso primitivismo fala mais alto, tem falado. Pois aqui não se vêem as pessoas, se vêem os bons lucros.


Nossa culpa, nossa máxima culpa.


Nossos governantes, agora mesmo, estão ocupados com o exercício do poder. Ocupados em gastar nosso dinheirim. Nosso suado dinheirim. O que para uns homens é fonte de luxo, para outros é fonte de miséria. Pois enquanto o agricultor lá no sul sofre por causa de dez mil, por ali se gasta um milhão, assim, de bobeira.


Como é que se vai preocupar em organizar o trabalho na lavoura? Como é que se vai organizar um seguro, algo que garanta a renda, quando as calamidades surgirem? Que remunere quem trabalhou, ao invés de se aproveitar de quem passa dificuldades, tomar-lhes os bens, tomar-lhes as terras?


Não, nossos governantes estão ocupados demais para tratar disso. Estão ocupados discutindo se é justificável ganhar 1 milhão, 2, 3, 4 milhões, assim, do dia pra noite, por trabalhos e consultorias que nunca podem ser confessados. Nossos governantes ainda estão querendo saber se isto é adequado, correto, pertinente...


Ao invés de trabalhar para proteger o trabalho, mais vale ganhar um milhão, do dia pra noite. Para fazer umas palestras que nunca houve, é o que aparece hoje na imprensa, Fernando Pimentel não realizou as tais palestras que justificariam sua gorda comissão, de um milhão, um milhão e pouco. “Pra sobreviver”.



http://g1.globo.com/videos/jornal-nacional/t/edicoes/v/fernando-pimentel-e-alvo-de-nova-denuncia/1733040/



Este é o homem que é nosso ministro, ministro do Planejamento, aquele cargo bem gordo. Altos Planejamentos. Este é o homem que nos representa, que agora mesmo está em Genebra, cagando uns discursos. Pra inglês ver.


Este é o homem que, do alto de sua empáfia, considera que “não deve” ir ao Congresso, aos representantes do povo, para dar explicação.


Então é fácil assim? Qualquer um do povo pode cagar solenemente ao Congresso do Povo? “Deputados Federais, Senadores? Não, não, não quero dar explicações para os representantes do povo.” E fica por isso mesmo, com o Governo manobrando para evitar convocações. E agora a presidente vem se manifestar sobre o episódio, para dizer que se trata da vida privada de Pimentel.


E depois vem o representante do Governo no Congresso, repetir o mote: “é a vida privada”. É alguma defesinha ensaiada?


Claro, Pimentel é amigo do peito da PresidenTA. Pimentel tava junto na guerrilha, na época da ditadura, é uma amizade de longa data. Carinho, nada menos que carinho, a presidenTA sente por ele. Quis colocá-lo bem pertinho dela, presenteou-lhe com o ministério do Planejamento. Da sua "cota" pessoal. E agora querem tirá-lo dela, e já posso ouvir os lamentos da presidenTA:


"oh, oh, oh, imprensa maldosa, imprensa malvada... imprensa burguesa, capitalista, imperialista... é por isso que precisa de controle social da imprensa!


Já lhes dei a cabeça de Lupi, do Palloccinho, querido, do Orlando Silva, do ministro da Agricultura, do ministro dos Transportes... mas do meu queridinho, do meu Pimentelzinho, nem vem que não tem. Ele está em outra categoria, é meu companheiro de armas, como saudei José Dirceu outro dia. Meu companheiro de armas... quero lá saber de mensalão, consultorias suspeitas, um milhão mal explicado, dinheiro na cueca... são meus companheiros de armas, e nesta luta contra os reacionários, os burgueses, esta sociedade injusta, capitalista, vale tudo.


Não me preguem moralismo pequeno burguês. Isso é discurso de oposição, pra ganhar o poder. Nós não somos crianças, no mundo real valemos nós contra eles. Exército branco, exército vermelho. Roubou um milhão? Foi pela causa. E, se um soldado tão esforçado, resolve presentear-se com uns mimos, um helicopterozinho, um apartamento novo, um milhãozinho, isto é a vida privada dele. Ele merece. É o repouso do guerreiro.


Ainda me chamaram de faxineira ética, vê se pode. Os que foram afastados das grandes mamatas receberam sua grande punição: contentar-se de novo só com sua mamatazinha. Vão manter seus altos cargos, e como não? Cadeia, para esses? Só em sonho, lindinho.


Cadeia é pro misera, pro desgraça, pra esses loucos que infestam as cidades.


Cadeia. Ou cova rasa.


Pra nossa doce elite, contudo, são as viagens internacionais, “a bem do povo”. As hospedagens milionárias, “pela dignidade do cargo”. As mordomias de embarcar as namoradas, as esposas, as sogras, tudo com dinheiro público, “é pelo bem da família”."



Mordomias, e miséria. Agricultores empobrecidos, fortunas feitas da noite pro dia.

"E assim nos tornamos
Brasileiros..."

http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2011/12/moradores-de-cidades-atingidas-por-granizo-contam-prejuizos-no-rs.html

(...) A luz se lhe fez no pensamento... Aquela rede de leis, de posturas, de códigos e de preceitos, nas mãos desses regulotes, de tais caciques, se transformava em potro, em polé, em instrumento de suplícios para torturar os inimigos, oprimir as populações, crestar-lhe a iniciativa e a
independência, abatendo-as e desmoralizando-as.
Pelos seus olhos passaram num instante aquelas faces amareladas e chupadas que se encostavam nos portais das vendas preguiçosamente; viu também aquelas crianças maltrapilhas e sujas, d’olhos baixos, a esmolar disfarçadamente pelas estradas; viu aquelas terras abandonadas, improdutivas, entregues às ervas e insetos daninhos; viu ainda o desespero de Felizardo, homem bom, ativo e trabalhador, sem ânimo de plantar um grão de milho em casa e bebendo todo o dinheiro que lhe passava pelas mãos - este quadro passou-lhe pelos olhos com a rapidez e o brilho sinistro do relâmpago;

- O Triste Fim de Policarpo Quaresma - Lima Barreto

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