O Mensageiro do Diabo, tem um título também ótimo, do original em inglês: Noite do Caçador. É o único filme dirigido pelo famoso e grande ator inglês, Charles Laughton. Lembro dele principalmente como o louco vilão monstruoso e “da nobreza”, em A Estalagem Maldita, de Hitchcock. Mas ele teve uma grande carreira como ator, de teatro, e de cinema, desde 1932, com o filme Se eu tivesse um milhão, até 1962, com Tempestade sobre Washington. http://pt.wikipedia.org/wiki/Charles_Laughton
Em 1955, dirigiu este seu único filme, que conquistou seu lugar em todas as listas de melhores de todos os tempos. Uma fábula moral, um conto de fadas e de bruxas moderno, realista ao detalhe, alegórico e expressionista. Uma obra inclassificável, extremamente pessoal, com imenso bom gosto, com extremo cuidado com as imagens. Ainda que às vezes excessivo, como parecia ser a pessoa de Laughton, do que transparecia no seu modo de atuar, intenso, exagerado.
Como grande ator, Laughton escalou com sabedoria. A lendária Lilian Gish, estrela dos filhos de Griffith, da própria infância do cinema, os filmes mudos, agora uma senhora encantadora como sempre foi, tendo um papel crucial na trama, abrindo o filme com seu rosto, para depois intervir na própria conclusão do filme. Ela é o elemento que resiste ao mal.
E o mal foi escalado na figura de Robert Mitchum, outra grande estrela. Aqui, ele terá talvez o papel de sua vida, interpretando ninguém menos que o demônio. Cumprindo à risca gestos, olhares, vozes, que o demônio teria, seguindo aquelas cenas. Chegando a urrar e gritar como um animal, um macaco, quando ferido ou em risco, caindo-lhe por completo a capa de ser humano.
Mitchum é um caçador, como diz o título original. Uma coruja, uma aranha, um batráquio, como sugerem as imagens. Um vampiro, hipnotizador de suas vítimas. Um louco, conversando com Deus. Um assassino sedento de sangue, que fez do sangue o seu ganha-pão, na época da Grande Depressão (1929).
Neste suspense arrepiante, somos levados a ver a intimidade deste demônio. Até os seus segredos de alcova: o demônio, buscado pela vítima, a rejeita ("Sabemos que o diabo é um impotente do sentimento" - Nelson Rodrigues), aprisionando e destruindo seu espírito, até destruir também seu corpo, que a razão abandonara.
A cena da morte da mãe das crianças é mais terrível do que a profusão de facadas em Janet Leigh, em Psicose. Porque a cena da morte não é mostrada, é deixada inteira para a imaginação. Depois, vem a cena marcante, horrível e bela, do corpo da mulher assassinada dentro do carro, no fundo do lago.
Aliás,a mistura do horror ao belo é característica de todo o filme. A fotografia é outro ponto alto, o preto e branco fazendo verdadeiras pinturas na tela. Stanley Cortez foi o responsável, vindo de outro clássico formidável, Soberba, de Orson Welles, mostrando que Laughton soube escolher seus colaboradores. Na fuga das crianças pelo rio, por exemplo, Laughton fez algumas imagens formidáveis, unindo natureza e simbolismo, naquela aterrorizante luta pela sobrevivência. O pequeno homem contra o poderoso diabo. O espírito contra a matéria.
Pode-se até ver que Laughton aprendeu com Hitchcock muitas técnicas do mestre do suspense, inclusive, tendo estrelado um de seus filmes, teve oportunidade de ver seu trabalho de perto. Mas o filme, de suspense, não é Hitchcockiano. É Laughtoniano, aquilo que se chama autoral. Inclassificável, como eu disse acima. Muito embora, Laughton tenha reunido grandes profissionais ao redor, atores, fotógrafo, operadores de câmera, escritores, roteiristas, e tenha trabalhado harmoniosamente com eles, aceitando sugestões. Inclusive, a direção do filme é creditada também a Mitchum, a Gish, e a Shelley Winters. Mas o filme é conhecido como filme de Laughton. O estilo é o homem, o filme é o homem.
Laughton consegue passar toda uma visão de mundo, todo um comentário sobre a vida e a morte. Sobra espaço para mostrar e comentar os processos do fanatismo religioso, da ingenuidade temerária, da hipocrisia, da insanidade, da violência, do enforcamento e da turba, da Grande Depressão, com suas crianças vagando, espalhando o Terror e a Insanidade, na figura de um pai desesperado, na figura de um pastor demoníaco.
Mas também mostra o poder da esperança, da perseverança, do inexplicado, que protege. A mulher que ama e que recupera, resiste lutando, recolhendo as crianças, e recebendo, em troca, amor.
O demônio de Mitchum é, afinal, dominado, de um jeito bem interessante. Um jeito bastante humano, até. Nada de estacas no peito, nada pirotécnico, quedas em abismos, explosões. Pode até parecer anti-climático, mas é genial: o demônio é arrastado para a luz do sol, sujo e amarrotado. Pequeno, diante dos homens que o colocam no chão. Aí é que vem uma cena de gênio: o garotinho associa aquela imagem ao momento em que seu pai foi preso, e levado para o enforcamento.
Corre e chora pelo demônio, e faz a confissão: a entrega do dinheiro, que pelo filme todo foi ocultado. O dinheiro, que atraiu tanto mal, responsável por tantas mortes, tanta loucura, que como uma semente podre deu frutos podres, agora era trazida ao sol e murchava.
Laughton escolheu e dirigiu os atores com maestria neste filme. O jovem casal de irmãos, a determinação do garotinho, a angústia pelo sofrimento da garotinha. Nunca o cinema mostrou uma ameaça tão perturbadora, tão palpável, aos mais inocentes. O louco pastor, dividido pelo amor e pelo ódio, mostra.
Mais informação sobre o filme: http://www.moviediva.com/MD_root/reviewpages/MDNightoftheHunter.htm
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