
Alice no país das Maravilhas, o filme de Tim Burton, não reconta a história famosa de mesmo título criada por Lewis Carroll (1832-1898). O filme se baseia em personagens dos livros Alice no país das Maravilhas e Alice no Através do Espelho, ambos de Carroll, para criar sua própria história, mais parecida com os épicos de aventuras tipo Senhor dos Anéis, com um Alice adolescente e, ao final, guerreira, evocando Joana Darc.
Talvez por isso o filme tenha gerado alguns muchochos de insatisfação. Não recebeu grande atenção dos críticos, e ganhou apenas os Oscars secundários de Figurinos e Direção de Arte (muito merecidos), mas sequer concorreu a melhor filme, melhor diretor, melhor roteiro. Também poderia ter sido indicado para melhor atriz, a cativante Mia Wasikowska, num papel cheio de nuances, e melhor ator coadjuvante, Johnny Depp como Chapeleiro Maluco, um papel de força.
Apesar dos resmungos críticos, o filme foi sucesso de público, inclusive pela ótima utilização da grande velha novidade, o 3-D, nos mundos de imaginação gráfica, criados/coordenados pelo talvez mais credenciado diretor da atualidade no quesito criatividade visual.
Tim Burton recupera, com a tecnologia moderna, mas sem desprezar os antigos recursos, esta formidável capacidade que o cinema possui de gerar seus mundos de sonhos, algo parecidos com a realidade. Vide a entrevista de fã que Tim Burton faz com Ray Harryhausen, o criativo desenhista/escultor de monstros e outros bichos, nos extras do dvd “O Monstro do Mar Revolto”. Burton também homenagearia Harryhausen em seu “Marte Ataca!”, na estética dos discos voadores.
Talvez também por proficiência visual de Burton alguns críticos façam pouco de suas idéias. Associam Burton a um cinema de puro deleite para os olhos, mas com jeito de filme “b”, filme trash. Fast food, cinema-pipoca, diversão sem cérebro.
Puro preconceito. Burton vem usando a gramática e a influência do filme “b”, do filme-diversão, mas sempre veiculando alguma(s) idéia(s) interessante(s), desde seu primeiros filmes, vide Eduardo Mãos de Tesoura. Às vezes mais bem sucedido, às vezes menos.
No “Alice”, ele teve campo fértil para este veículo de idéias, nutrindo-se no universo simbólico riquíssimo de Lewis Carroll. O roteiro de Linda Woolverton é original e criativo, valendo-se bem das personagens e situações criadas por Carroll para compor sua aventura. Não faltam as críticas à vaidade e aos poderosos, os elogios à loucura e aos bons sentimentos, os vários níveis de leitura, psicológica, mitológica, existencial, da obra. É realmente um trabalho extremamente bem feito, e que se peca, às vezes, é por excesso (é melhor pecar por excesso).
Mas é verdade que uma boa tesoura de uns 15 ou 20 minutos fariam bem ao filme. Por vezes pareceu que o afã de dizer coisas retardou desnecessariamente o andamento. Uma ou outra solução poderia ter sido mudada, mas, enfim, este não é o meu filme. Também, são detalhes, que é até chato invocar quando o filme é composto de tão altas qualidades quanto este Alice. Grandes cenas, grandes momentos, de roteiro/cenários/figurinos/atuação/etc. em que Burton consegue infundir a mágica da emoção. Mas não chega a ser A grande obra-prima de Burton, na minha opinião, em função destes excessos. A obra-prima de Burton, para mim, permanece Ed Wood.
Mas, enfim, não deixa de ser um dos melhores, de um dos melhores. E que merecia melhor fortuna crítica do que teve.
Cotação: 4 ½
Pequena seleção de Tim Burton:
Os fantasmas se divertem (1988)
Eduardo mãos de Tesoura (1990)
Ed Wood (1994)
Peixe Grande (2003)
A Noiva Cadáver (2005)
P.S. Não deixem de assistir ao clássico desenho da Disney, Alice no país das Maravilhas, e de ler os livros de Carroll, todos 5 estrelas. Olhando na wikipedia, vejo que Alice tem longuíssima carreira cinematográfica, a começar por um filme de 1903 (!). Quanto aos livros, saiu uma edição primorosa pela Jorge Zahar, repleta de comentários, reunindo o País das Maravilhas e Através do Espelho: “Alice, edição comentada”.
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