quarta-feira, 9 de março de 2011

Da configuração do Estado - Capítulo Quatro - Sobre o Contrato Social


O único Contrato Social digno deste nome entre os homens seria aquele que proporcionasse milhões e milhões de empregos para as diversas vocações. Que cada vocação tivesse à disposição um emprego digno, e o indispensável treinamento para exercer este emprego. Útil à sociedade, haver milhares de enfermeiras, professores, médicos, engenheiros, espaço para todos. Com salários dignos, com horários que não seriam uma vergonhosa exploração.


Somente isto socorreria a dignidade do homem: um trabalho que lhe dê o sustento, de que possa se orgulhar. Por que devemos aceitar que isto não seja assim, quando hoje possuímos os recursos para que seja assim?


Temos nossa organização num Estado. Temos os bilhões e bilhões que este Estado nos retira de tributos. Por que estes bilhões e bilhões não servem a melhor propósito do que o de sustentar gritantes privilégios e desperdícios com uns poucos, ao invés de retornarem para toda a sociedade na forma destes empregos dignos, bem remunerados?


Justificar o aluguel de um palacete para deixar uma embaixada em Roma? Justificar os jatinhos, as milhares de milhas de passagens aéreas, as hospedagens pra parentada em hotéis internacionais de cinco estrelas, os milhares de litros de gasolina, para os deslocamentos “oficiais”... ai, a lista é interminável daquilo que nos rouba, muito mais que os bilhões, nos rouba da possibilidade daquela sociedade justa que distribui seus empregos!


Em termos econômicos: não é o excedente de mão de obra de braços parados que faz com que os salários se achatem, que gera a competição feroz, a aceitação de condições indignas, o medo e a incerteza? O que aconteceria se uma sociedade não tivesse esse excedente de mão de obra parada, se uma pessoa, com vocação para ser enfermeira, recebesse um treinamento de enfermagem, e fosse empregada, em algum lugar onde houvesse necessidade dela. E assim por diante, para cada vocação, cada carreira, desde aquele que lava os pratos e que lava as roupas, até o grande gerente, e o cientista. Com menos horas trabalhadas, e com mais reconhecimento pelo seu trabalho.


Uma vida que pode não dar os luxos, mas que terá assegurado para seu trabalho o gozo de bens indispensáveis: haverá um médico, um hospital, um enfermeiro, um juiz, um policial, um professor pros seus filhos, ou mesmo para si próprio. Tempo, este bem tão fundamental, tempo para viver.


Mais do que tudo isto: o gozo de tudo isto se dará pela dignidade de seu trabalho honesto. Poderá ser o lavador de pratos, poderá ser o gerente: alguns bens indispensáveis foram feitos para todos.


Nada disso significa, por certo, uma idolatria ao Estado-babá, que eu entendo como o Estado que dá dinheiro de graça. De graça, em termos, porque não existe almoço grátis.


O Estado-babá, com seus luxos, com sua injustiça, com sua imoralidade, é justamente o problema a erradicar. O Estado-babá, capturado pelos malandros.


Mas isto não quer dizer que, para assegurar este pleno emprego, este pleno bem-estar social, a presença do Estado seja inútil ou dispensável. Ou então, respondam a esta pergunta: o que deve acontecer com um sujeito, com a cabeça rachada, sem um tostão no bolso? Letra a: deve ser atendido de graça, por um hospital, por um médico, capacitados; Letra b: deve entregar sua vida aos dogmas do liberalismo econômico, na certeza de que, não ele, mas a sociedade que ele deixa, estará um pouco mais perto do Paraíso do Livre Mercado.


Não digo que o Mercado não deveria atuar neste novo Contrato Social. Seria um erro tão grave quanto o dos que dizem que o Estado seria inútil ou dispensável. Dois tipos de radicalismos fazendo seu diálogo de surdos, contribuindo para que tudo fique parado no mesmo lugar ruim.


Nem estatólatra, nem mercadólatra, extremos que se odeiam, mas que tantas vezes se tocam, se fundem.


Falo de outra coisa, de um outro Contrato Social. O Mercado é um grande gerador de empregos, gerador de riquezas. Por que combatê-lo? Por que contentar-se com um slogan mental, muito fácil, muito conveniente, muito falso? “Toda propriedade é um roubo!”; “Pela Igualdade: todos devem ser magnatas!”; “Pela ditadura do proletariado!”. Na melhor das hipóteses, estas doces ilusões permanecem como nuvens, alheias à dura realidade; na pior, servem para justificar o assassínio e o roubo, e são rapidamente apropriadas por qualquer demagogo tirano.


Falo de um outro Contrato Social: que ótimo que o Mercado gere seus médicos, seus engenheiros, seus gerentes, seus lavadores de louça e de roupa! Seus industriais e operários. São empregos dignos, e devem ser tornados mais dignos pela prevenção da exploração. Basta que cada um destes empregados receba dignamente pela sua hora de trabalho, e que os bens indispensáveis não lhes sejam sonegados.


Se o lavador de pratos tem acesso a um médico quando fica doente; se os seus filhos podem ir à escola. Se ele mesmo pode fazer os seus cursos e complementos de educação. Se o Estado gasta alguns poucos dinheiros, de tantos bilhões que arrecada, para complementar a renda deste trabalhador. Então, teremos o Contrato Social justo. E não precisa querer perseguir e derrubar o sujeito porque ele quis trabalhar e juntar e comprar um carro.


Aceitar que o Mercado Livre atue não implica abdicar de usar o Estado para suprir aquilo que o Mercado, por si só, não proporciona. Voltamos ao sujeito de cabeça rachada. Embora eu reconheça, claro, que nada é tão simples. A atuação do Estado gera seus problemas e seus perigos, temos visto ao longo da História, burocracias, corrupção, empreguismo, desperdícios, e a longa fila de etcs. O equilíbrio entre Estado e Mercado é frágil, difícil de alcançar. Eu reconheço tudo isso, mas não entendo como justificativa para cruzar os braços e encerrar o debate. Uma forma ou outra sempre vai nos governar, e qual é o problema de buscar a melhor forma, mesmo que nenhuma perfeição seja possível? Perfeição não é possível, mas são possíveis as pequenas vitórias nesta luta. De qualquer forma, maior a empresa, maior a glória. Não chore, meu filho / não chore, que a vida / é luta renhida / viver é lutar / A vida é o combate / que aos fracos abate / que aos fortes, aos bravos / só faz exaltar / O homem que é forte / não teme a morte / só teme o fugir.


Então, como nova forma de Contrato Social, minha proposta é essa: Mercado trabalha, tributos são uma proporção fixa da movimentação financeira, Estado estabelece as matérias de cada carreira, os conteúdos bem definidos, elaborados por especialistas de cada área, Estado e Mercado formam os profissionais, Estado divide os tributos para pagar aos profissionais, ou complementar a sua renda. Cada indivíduo tem garantida sua participação nos bens indispensáveis da sociedade: Educação; Saúde; Segurança. Cada indivíduo deve ganhar sua vida de forma honesta, e receber o apoio de que precisa para exercer sua vocação.


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