quarta-feira, 23 de março de 2011

Maria Bethânia e a Cultura

Maria Bethânia recebeu autorização do Ministério da Cultura para captar R$ 1,350 milhão para criar um blog, "O mundo precisa de poesia", a ser mantido por um ano, no qual declamará poesias. Bethânia embolsará R$ 50 mil mensais para declamar um poema por dia, num total de 365 vídeos, com direção do ilustre cineasta Andrucha Waddington, sócio da "Conspiração Filmes"...


A notícia gerou polêmica, com defensores e críticos da declamadora de versos com dinheiro público. O músico Lobão foi um dos que criticaram: “Sugeriria fazermos uma campanha tipo: Devolve essa porra, Bethânia! Daí essa MPB formada por cadáveres insepultos querendo permanecer no presente contínuo através da chapa branca.”


Já o cineasta Jorge Furtado considera “a gritaria (...) uma mistura de ignorância, preconceito e mau caratismo (...) O governo brasileiro deveria tirar do seu caixa o dinheiro (...) e entregar para a Maria Bethânia, junto com um buquê de rosas e um cartão, pedindo desculpas pela confusão”. Que pessoa linda, o Jorge Roubado, ops, Furtado... que alma de artista, que generosidade... com o dinheiro alheio...


O também cineasta Cacá Diegues concorda: “Ela não está pedindo dinheiro ao MinC, mas o direito de captar na iniciativa privada. Não é dinheiro público, é privado.”


Sobre a questão de ser ou não dinheiro público, leia-se o ótimo artigo de Ricardo Noblat, “Ó paí, ó!”. http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2011/03/21/o-pai-370017.asp


Destaco trechos:


“Existe uma lei de nome Rouanet aprovada pelo Congresso no final de 1991. Ela permite às empresas aplicarem em projetos culturais até 4% do que pagariam de Imposto de Renda, e às pessoas físicas até 6%.

A maior parte da clientela da lei difunde a idéia de que é privado o dinheiro destinado a financiar projetos.

Mentira! Na verdade, o governo abdica de receber uma parcela de impostos para que a cultura floresça entre nós.

(...)

Com frequência o processo é nebuloso. O governo limita-se a receber depois a prestação de contas.

Está para existir no mundo civilizado um modelo sequer parecido com esse.

Transparência? Esqueça!

Não pense que é pouco o dinheiro envolvido em transações por vezes tenebrosas. Em 2003 foram R$ 300 milhões. Seis anos depois, R$ 1 bilhão.

(...)



A Polícia Federal produziu no ano passado um relatório sigiloso sobre projetos tocados adiante com base na Lei Rouanet. Pelo menos 30% do dinheiro que empresas dizem ter investido em projetos foram devolvidos para elas por debaixo do pano.

Devolvidos por quem? Pelos arrecadadores com a cumplicidade de artistas. Isso é corrupção.

(...)



Apenas 3% dos que apresentam projetos ao Ministério da Cultura ficam com mais da metade do dinheiro atraído pela lei. Repito: apenas 3%.

Mais da metade do dinheiro banca projetos nascidos no eixo Rio-São Paulo, e somente ali. Fora do eixo, deu a entender certa vez o produtor paulista Paulo Pélico, “o resto é bumba-meu-boi”.”



Deu pra entender? Pra resumir, vamos registrar o que o músico Marcelo D2 comentou sobre o “projeto cultural”, muitíssimo bem remunerado, de Bethânia: “Quando uma empresa “abate” do IR essa grana é nossa”.



Será que é bom para nossa cultura que o Estado financie regiamente os projetos de alguns artistas “figurões”? Será que é bom termos artistas comendo na mão do Estado? Não seria melhor, com esse R$ 1 bilhão de incentivos, registrado em 2009, para financiar meia dúzia de filmes, meia dúzia de peças, pra meia dúzia de público, o Estado aplicar o dinheiro em Casas de Cultura, para dar acesso a filmes, livros, debates, junto a populações carentes? Já escrevi um artigo a respeito. Não seria melhor pagar R$ 2 mil para vinte e cinco pessoas, por mês, para tomarem conta de, digamos, vinte e cinco destes espaços, do que pagar R$ 50 mil para uma Bethânia declamar uma poesia por dia?



Escolhas... escolhas... façam suas escolhas, façam suas apostas.


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