quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Salvar vidas


Segue um link em que o Conselho Regional de Engenharia do Rio (CREA-RJ) apresentou sugestões de medidas simples e baratas, e que serviriam para salvar vidas. Por exemplo, soleiras e barragens nos leitos dos rios, feitas de pedras e de cimento, para diminuir a velocidade da água.


http://noticias.bol.uol.com.br/brasil/2011/01/26/ate-80-das-mortes-na-regiao-serrana-poderiam-ter-sido-evitadas-diz-conselho.jhtm


Temos de conhecer / exigir / fiscalizar, medidas assim. Que especialistas analisem a situação e proponham estas medidas. Que um engenheiro de solo, por exemplo, venha analisar a composição do solo nas áreas de risco, que proponha medidas de melhoria. Que um método de prevenção e alarme de tempestades / cheias seja implantado, com treinamento para pessoas em áreas de risco, e previsão de abrigos.


Para o Brasil, é preciso fazer um histórico das ocorrências, para definir onde devem ser priorizados os trabalhos. Que tal um concurso, em que qualquer um poderia apresentar sugestões, a serem analisadas por um grupo de engenheiros / especialistas (que tal os Conselhos de Engenharia regionais?), para definir as melhores, as mais simples, as mais baratas? Tudo feito de forma pública, transparente, racional, simples. Pode-se até pensar num prêmio para os que apresentassem as idéias vencedoras. Não, não, nada de milhão, algo bem mais modesto, apenas para demonstrar o agrado, acompanhado de uma cerimônia pública, nada de coquetel de milhões, apenas uma cerimônia pro Prefeito apertar a mão, fazer um discurso, dar uma medalha pro vencedor, puxar o aplauso dos cidadãos... algo assim, bem cafona, certo, mas que desperta o orgulho cívico. Orgulho cívico, para salvar vidas, e não algo podre e manipulado, de torrar os tubos de dinheiros públicos com um estádio de futebol, ou uma sede de juízo faraônica, e berrar "é o maior do mundo!"; "é o mais luxuoso do mundo!"; "tem tapetes persas, cristal da boêmia, mármore de carrara!"


Maneiras há.


Evangelho de Mateus, 7, 21-29:


  • Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.
  • Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? e em teu nome não expulsamos demônios? e em teu nome não fizemos muitos milagres?
  • Então lhes direi claramemnte: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade.
  • Todo aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as põe em prática, será comparado a um homem prudente, que edificou a casa sobre a rocha.
  • E desceu a chuva, correram as torrentes, sopraram os ventos, e bateram com ímpeto contra aquela casa; contudo não caiu, porque estava fundada sobre a rocha.
  • Mas todo aquele que ouve estas minhas palavras, e não as põe em prática, será comparado a um homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia.
  • E desceu a chuva, correram as torrentes, sopraram os ventos, e bateram com ímpeto contra aquela casa, e ela caiu; e grande foi a sua queda.
  • Ao concluir Jesus este discurso, as multidões se maravilhavam da sua doutrina;
  • porque as ensinava como tendo autoridade, e não como os escribas.
  • Escárnio




    Há oito meses, o grupo Gallway comprou por R$ 6,9 milhões um lote de ações, que a estatal Furnas Centrais Elétricas poderia ter arrematado, pelo mesmo valor. Agora, o grupo Gallway vende pra Furnas o mesmo lote de ações, por 80 milhões. Que tal? Um negócio pra render 1.142 % e uns quebrados, em oito meses? Nem Steve Jobs, nem Bill Gates, têm este toque de Midas; mas aqui, para a nossa sociedade, para a nossa polícia, para a nossa Justiça, é tudo normal. Ninguém deve ir em cana. Sabe com quem estamos falando, não é mesmo? Pessoas incomuns não pegam cana, não por aqui.


    Não é à toa que todos os espertos querem embarcar nessa jogada. Trabalhar por mil anos, de sol a sol, para ganhar uma migalha? Tem burro pra isso. Tem burro pra ser explorado. Pra ser roubado na cara, e ficar por isso mesmo. Pra não ter o dinheiro do remédio pro filho, de ir procurar um serviço público e ser humilhado. Ficar na fila do hospital, às 2 da manhã? Ficar na fila pro passaporte às 4? Ficar no chão de um hospital, porque não tinha mais leito? Ser achacado pela polícia, ligar pra polícia e ouvir dizer que a competência é da outra polícia? Tudo isso é normal, no país em que todo mundo pensa que não tem direitos. Que só podem olhar quietos e conformados, seus governantes gozarem de pensões ultra-especiais, para si, para suas mulheres, uma orgia de distribuir dinheiro público, num país que enxerga as mais negras misérias, nas cidades, nos campos...


    No caso de Furnas, lemos que o grupo Gallway tem sede em paraísos fiscais; que um dos nomes conhecidos do grupo é o de um doleiro conhecido no mercado financeiro, Lúcio Bolonha Funaro. Este Funaro já fora investigado na CPI dos Correios, e deu explicações para o fato de pagar aluguel, condomínio e outras despesas do apartamento ocupado por um deputado federal, Eduardo Cunha (PMDB – RJ), no flat Blue Tree Tower, em Brasília.


    A este Eduardo Cunha é atribuída a indicação do ex-prefeito do Rio de Janeiro, Luiz Paulo Conde, à presidência de Furnas Centrais Elétricas, na época em que houve a transação.


    Ou seja, tudo normal, tudo corriqueiro, tudo que lemos no jornal todo dia: indicações políticas, políticos ganhando favores, grandes oportunidades de negócios, ex-políticos ganhando cargos, lucros de 1.142 % sendo feitos, em oito meses... nada pra ninguém perder o sono, a Justiça leva 10 anos pra decidir se um assassino confesso, frio, calculista, covarde, deve ir pra cadeia, e aí, de repente, ih, prescreveu... ah, que chato! Talvez ainda tenhamos de ouvir uma voz empolada, de juiz de alta Corte, dizer que é o preço de se viver numa democracia...


    E é só mais um contrato, quantos mais podem ser feitos, basta as pessoas certas, nos lugares certos... e o país vê a briga de foice descarada por comandos de estatais, a discussão em termos de mercado: essa vale 10 bilhões, troco por duas daquela de 5! E nem um centavo a menos! Cães esfaimados brigando por um osso, e acusando-se de gulosos!


    Será que estes senhores estão mesmo interessados na maneira pela qual deve funcionar uma escola pública? Ou um hospital?


    Ah, pode deixar, já ganhamos nosso seguro de saúde gratuito por toda a nossa vida, para nós e nossos familiares! Reembolso integral, podemos até fazer tratamentos fora do país! É nosso direito adquirido, está nesta lei que votamos. Quem paga é o trouxa, digo, o cidadão.

    terça-feira, 25 de janeiro de 2011

    Tomorrow never knows - John Lennon



    O Amanhã nunca sabe


    Desligue sua mente relaxe e

    flutue descendo o rio


    isto não é morrer

    isto não é morrer


    Faça deitar todos os seus pensamentos

    Renda-se ao vazio


    ele está brilhando

    ele está brilhando


    E ainda você pode enxergar o significado das coisas por dentro


    é existir

    é existir


    Amor é tudo e amor é cada um

    é conhecer

    é conhecer


    E a ignorância e o medo

    lamentam os mortos


    é crer

    é crer


    Mas escute à cor

    do seu sonho


    não é deixar para trás

    não é deixar para trás


    E então jogue o jogo Existência

    até o fim


    do começar

    do começar

    Pensamento

    Por que todos correm pra fazer alguma atividade mínima, propagandística, no primeiro momento, e depois se retiram para fazer as coisas melhores?


    O que precisamos é do sacrifício constante de cobrar, de exigir, de denunciar, de não aceitar. Os que aceitam o roubo, contribuem para isto. Os que aceitam a mordomia, estão ali bem pertinho.

    Nova Friburgo




    Fico satisfeito de dizer que Friburgo está se recuperando, é o que ouvimos da boca de todos. Nossa cidade que sofreu a triste tragédia de nossa secular incúria. Fico feliz por saber que apesar de toda a tragédia as pessoas mantêm a força, e a sanidade, e mostram o melhor de si. Fico feliz porque vejo que conseguimos encontrar a força, e até a capacidade de rir do desespero. Fico feliz com a solidariedade humana. Parece até que estamos mais sérios, mais atentos para cada um ao redor. Mais solícitos, mais prestativos. Peço que oremos, que pensemos, em todos aqueles que suportaram tragédias imensas, inimagináveis, e que pensemos na melhor maneira de lhes dar todo o apoio. Poderia ter acontecido com qualquer um de nós, e isto nos irmana a todos. Dor e sofrimento terríveis demais para se falar.


    E só esperamos que um tal testemunho sirva para a grande mudança que este país precisa ter, para ser chamado de país. É preciso fazer um melhor trabalho de prevenção/ racionalização da ocupação de terras/ construção de moradias. É preciso mais, melhorar a educação para que tenhamos os cérebros, melhorar a prisão, para que a ocupem os corruptos, e os modos corruptos de se tomar decisões.


    Não aceitem. Não aceitem.

    Facebook

    Fiz um perfil no facebook, que eu descobri que é uma ferramenta muito útil para divulgar/compartilhar interesses. Não consegui incluir os amigos da lista de emails, então, pros amigos, quaisquer amigos, que tiverem facebook, favor contactar pelo perfil:

    João Sinatti

    Criar seu atalho

    Eu sou o homem



    dedicado a Reinaldo Arenas


    Eu sou o homem

    como diz Pascal

    este legado de misérias e de grandiosidade

    tão capaz para o belo

    tão capaz para o crime

    tão capaz para estar nu e cego, açoitado pelo vento,

    quanto para dizer não apedrejem,

    para uma turba tão sedenta de sangue.


    Eu sou o homem

    e o filho do homem

    tão capaz para o ódio

    quanto para sofrer o ódio numa cruz

    segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

    Da configuração do Estado - Capítulo dois - Sobre o princípio fundamental



    O princípio fundamental é que o Estado deve ser democrático. Mas democrático de fato, e não com uma mera aparência, ou proclamação, de seu caráter democrático.


    Lembremos que Estados violentamente opressores inscreviam em suas Constituições os nomes “República Democrática”. E mesmo Estados que possuem admiráveis instituições democráticas estão sujeitos a manchas históricas de perseguição a críticos, a poetas, a minorias. A História não é um tabuleiro com peças pretas e brancas, e ter a humildade de reconhecer isto é submeter-se à realidade, e o primeiro passo para lidar com ela.


    A realidade é que não existem Estados perfeitos, nações divinas, homens sem pecado. Não existe uma “classe” redentora, ou uma “raça” redentora. A realidade é complexa. Lutar contra é tolice.


    Deixar de lado inúteis buscas por “perfeição”, por uma infantil noção de “pureza”, geradora de intolerância e justificadora de extermínios, é medida salutar para o pensamento. O que não significa dizer que a busca por melhorias não é desejável ou exequível.


    Afinal, cada conquista de direitos individuais foi conquistada por altos preços. Nenhuma delas caiu dos céus. Nenhuma delas foi gerada pela falta do sonho, do pensamento, e da atividade do homem. Se foi instituído um voto livre, periódico, secreto, se foi instituído um sistema de seguro social, se foi instituído um princípio de “no taxation, without representation”, se foi adotado um princípio de separação dos poderes de Governo, deveu-se ao muito sangue, suor e lágrimas dos homens.


    Preservadas estas conquistas, dentre tantas outras, tão importantes, novas conquistas podem ser alcançadas, por que não? A batalha é para todo dia, regozijai-vos no bom combate. Aprofundar a liberdade, a fraternidade, a igualdade, a justiça, a paz social, a prosperidade...


    E o único meio pra isso é dividindo o poder político e a responsabilidade entre os cidadãos. Os membros adultos da sociedade, a quem deve ser atribuído DE FATO o poder e a responsabilidade de decidir.


    Dirão que muitos não se interessam por política. Mas também, mantêm a política como coisa alheia, distante, inacessível, para o cidadão comum. Nestas condições, realmente não faz sentido se interessar por política. Nada se consegue de prático ou de útil, em troca deste interesse. Apenas para os interesses pequenos, da politicagem, que passam a ocupar todo o espaço.


    Ao invés de ter a informação e a possibilidade de influir sobre alguma decisão de seu interesse, sobre algum uso do seu próprio dinheiro, ele vai simplesmente servir de cabo-eleitoral pra algum cacique, em troca de um empreguinho, de uma verba, ou algum outro interesse particular.


    Vai votar em qualquer candidato despreparado, por protesto, por piada, por desinteresse. Mas se aquele cidadão sentisse na própria carne o peso de suas escolhas, então seria bem diferente.


    Note-se: não se pode obrigar ninguém a ter interesse ou participar da política. Mas tem de ser garantido a todos o direito de participar e influir no exercício do poder. Afinal, a democracia diz que todo o poder emana do povo.


    Não basta de dois em dois anos ir às urnas para escolher algum candidato. Isto é indispensável, mas a democracia não se resume a isso. Ela precisa garantir que aquela comunidade específica que elegeu um representante tenha pleno acesso a ele, para cobrar-lhe qualquer explicação, para encaminhar os seus pleitos, para prestar contas do dinheiro que é destinado para aquela comunidade, para interceder por aqueles membros da comunidade em qualquer de suas legítimas demandas ao Poder Público.


    Isto significa vincular o político a TODOS os membros da comunidade que o elegeu (não apenas aos seus eleitores). Eles serão os seus fiscais, e o político eleito terá de cumprir suas funções de representante da comunidade. Terá de lhes prestar informações, encaminhar suas queixas, cobrar as respostas, discutir os projetos, ouvir as sugestões, etc etc.


    De que maneira se consegue esta vinculação do político à comunidade? Primeiro, reduzindo, delimitando, especificando a comunidade que tem vinculação com o político.


    Para Platão, a cidade ideal deveria ter um número estacionário de 5.040 famílias. Ele não escolhia o número 5.040 por acaso. Ele atribuía um valor místico, idealizado a este número, que é o produto dos sete primeiros números (1x2x3x4x5x6x7), sendo o próprio sete um número considerado divino em algumas culturas antigas. Para os judeus, por exemplo, o sete era o número de Deus, representativo da perfeição. 777 era o número divino, como 666 era o número da besta.


    Questões de simbolismo, sim, mas havia uma lógica a permear o raciocínio de Platão: uma cidade com poucos habitantes não vai conseguir prover os serviços, prover a segurança. Logo acabará exterminada ou escravizada, se não cair no caos por conta própria.


    Uma cidade com um número excessivo de cidadãos, por outro lado, promoveria a falta de responsabilidade pessoal dos cidadãos. Seria um local onde poucos se conhecem, e o controle moral, social, se faz de forma reduzida. Uma tal sociedade tenderia para a tirania, para a corrupção.


    Na primeira vez que li esta idéia de Platão, de estacionar o número de famílias em uma cidade em 5.040, cerca de 20 mil habitantes, ela me pareceu ridícula. Fiz a comparação com nossas cidades atuais, de dez milhões de habitantes, de 30 milhões de habitantes. Mas agora vejo que esta comparação é indevida, pois o termo cidade tinha para Platão um significado diferente do nosso.


    Cidade-Estado, a pólis grega, era uma unidade administrativa autônoma, soberana. Neste sentido se comparam aos nossos Estados atuais. Elas faziam suas leis, elas as executavam, elas faziam seus julgamentos. Podiam se organizar democraticamente, como a Atenas de Platão, ou, muito mais comum, em tiranias de reis.


    Considerando este sentido de unidade independente, a idéia de Platão de formar as unidades num número limitado volta a fazer sentido. Talvez, para funcionar de modo mais adequado a organização política, ela precise ter um número estável de membros.


    Claro, não significa que se vá pegar alguma cidade e expulsar o número excedente de habitantes, ou fazê-los se multiplicar em fábricas para atingir o número certo. Mas se pode dividir em unidades administrativas autônomas uma grande cidade, deixando aquelas comunidades envolvidas mais diretamente com seus representantes.


    A divisão administrativa do poder político não se coloca contra a idéia de nação. A nação foi a forma mais natural de dividir os Estados. Um grupo humano possui certos laços afetivos em comum, que faz uns se sentirem brasileiros, outros americanos, outros russos, ou japoneses, ou judeus, ou palestinos.


    Respeitar a diferença foi a forma mais sensata de evitar o conflito. Alguém pretender acabar com as unidades nacionais, em prol de algum outro valor, vai estar cometendo um crime e um erro. As nações lutam insistentemente para se organizarem num Estado próprio, que reflita suas leis, seus costumes. E a tendência do mundo foi a de ir se organizando nestas unidades nacionais, apesar de conflitos remanescentes de bascos, palestinos, antiga Iugoslávia, nações africanas reunidas artificialmente na época em que foram submetidas ao poder imperialista. Mas apesar disso, o princípio proclamado no início do século XX, “uma nação, um Estado”, veio se firmando historicamente.


    Ou seja, dar mais atribuições decisórias, dar mais independência a unidades administrativas/políticas, não significa desprezar as organizações políticas mais amplas: vai continuar a haver um Japão, ou um Brasil, com a necessidade de ser governado, não há dúvida. O Mundo Moderno se dividiu assim, até por conta do crescimento demográfico, tecnológico, econômico, etc.


    Tampouco a completa independência entre pólis rivais não deve ser vista como um modelo da perfeição. Era a experiência que Platão tinha, a realidade que concebia. Ele não podia prever dois mil anos no futuro, para enxergar a moderna Tóquio, e o Japão, e a China. Teria ficado muito surpreso se os visse.


    Mas as pólis de Platão, completamente independentes, viviam em disputas e guerras entre si, apesar de toda a afinidade de língua, origens, costumes, e outras. Cada uma, embora tão próxima da outra, teve desenvolvimentos radicalmente diferentes, e progressivamente antagônicos.


    Esparta, potência guerreira terrestre, Atenas, potência guerreira marítima; Atenas, democratizada, próspera, moderna; Esparta, hierarquizada, disciplinada, militarizada, tradicional, conservadora. Acabaram numa guerra terrível, fratricida, enfraquecendo os gregos, abrindo caminho para a perda da liberdade diante de invasores externos: os macedônios, os romanos. Leia-se o fascinante Tucídides, A História da Guerra do Peloponeso.


    Ou seja, pode-se buscar um meio termo entre a completa independência política das cidades, e a ausência, na prática, da participação política e decisória de cada cidadão no governo da sua cidade.


    Na verdade, já existe uma tal hierarquização definida na Constituição Federal. Os Municípios têm certas atribuições, e os Estados, e a União. Cada um com sua participação na elaboração das leis, com seus corpos legislativos, executivos.


    No Brasil, historicamente, e por uma questão de cultura, de tradição, a União, na prática, concentra poderes em demasia, o que faz gerar um desequilíbrio anti-democrático. Porque concentrando muito do poder no centro, retira-se-lhe das pontas, os cidadãos, e o poder, consoante o princípio democrático inscrito na nossa Constituição, emana do povo. Como proclamaram os princípios pelos quais se fez a Revolução Francesa, como foi conquistado pelos súditos ingleses, como resumiu brilhantemente Abraham Lincoln: “do povo, pelo povo, para o povo”.


    O mundo moderno proclamou como seu ideal a democracia, e demonstrou que seus ideais podem prosperar, quando são defendidos. E este ideal encontrou defensores inspirados, dispostos a correr o risco da própria vida. Não falo dos assassinos e dos mentirosos, mas daqueles de espírito verdadeiramente democráticos. Que acham ofensivo, ridículo, ou abominável, a pretensão de se ter mais direitos do que o outro. E que não estão dispostos a aceitar isto.


    Do meu ponto de vista, o caminho atual para aprofundar este ideal democrático passa por esta redistribuição do poder, para as pontas. Tornar mais próximo, mais efetivo, mais real, o exercício do poder pelo cidadão. Não basta a palavra bonita, não basta inscrever numa lei. É preciso ganhar consciência, ganhar carne, ganhar vida, o ideal democrático.



    É preciso que seja praticado, que seja aplicado pelas Cortes, que seja conquistado. É preciso que acabe o privilégio, que seja visto como uma vergonha, como inadmissível, inaceitável, abominável. É preciso que se inscreva nas consciências.


    Receber favores do Estado, receber salários e pensões diferenciados, receber privilégios, receber mordomias, o que é isto senão formar uma classe incomum dentro do Estado? O que é isto senão o esquartejamento do princípio da igualdade, também inscrito na nossa Constituição, caput do artigo 5º:

    Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.


    Mas isto foi um parêntese. Além da óbvia necessidade de se romper a cadeia da corrupção no país, o que se necessita fazer para nos aproximar deste ideal democrático seria dividir mais o poder entre os cidadãos. E para isto a solução é aproximar o representante e os representados.


    Uma cidade de um milhão de habitantes deve persistir, mas dividida, para fins políticos, em tantos distritos daquele número pequeno de cidadãos. Os que bastem para que se conheçam uns aos outros. Sim, o seu vizinho, aquele que está próximo. Aquele de quem você conhece a história, conhece a vida.


    Ninguém conhece um milhão de pessoas. Ninguém conhece cem mil pessoas. Mas se pode conhecer, razoavelmente bem, digamos, umas vinte mil pessoas.


    É este grupo, este distrito, para usar uma terminologia familiar, que deve ter o direito de ter o SEU representante. Com deveres bem definidos em relação ao grupo dos representados. Encaminhar os processos, prestar as informações de interesse público, encaminhar os questionamentos, as críticas, as sugestões, cobrar as respostas, cobrar os esclarecimentos, daquela comunidade. Eleito para uma mandato temporário por aquela comunidade, assessorado por servidores públicos para desempenhar suas funções.


    Este é o começo da verdadeira participação dos cidadãos no processo político. É o começo da sua liberdade, como diziam os gregos, aqueles povos que vivem sob a lei alheia, a lei da qual não participaram, são os povos de escravos. A liberdade verdadeira é viver sob a lei que nós mesmos criamos.


    domingo, 23 de janeiro de 2011

    Da República


    Todo Estado tem em mãos o exercício do poder. Mãos concretas, de homens, que terão o poder de decidir conflitos, de exercer funções, e de elaborar as leis que obrigarão a todos.


    No Estado em que os governantes recebem dinheiro de forma ilegal e imoral, a sociedade é submetida a um poder tirânico e corrupto. Um poder ilegítimo. Uma sociedade escravizada por seus governantes.


    A lei que não obriga a todos, de forma justa, é a lei de um Estado dominado pela corrupção. Corrupção nos mais variados níveis. Se para uns é permitido roubar, enriquecer de forma vil, sem justificativa, sem ser pelo fruto do trabalho honesto, este Estado não tem moral, e pode ser derrubado.


    Os cidadãos que cuidem de resgatar o Estado para si, pois os tiranos acostumados à tirania nunca largam mão do poder voluntariamente. Os cidadãos que tomem para si o Estado, de leis justas e equânimes, leis que punam a corrupção, o roubo, a escravização de uns por outros, os privilégios, as vantagens indevidas. Ou não serão cidadãos, serão escravos.

    Conde Drácula


    O que falar de Friburgo? Após a chuva, após a preocupação, após a dor, após a raiva, após a poeira vermelha que tomou conta da cidade?


    Uma triste notícia para o país: a sua maior catástrofe natural, envolvendo toda a Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro. Imprevisível? Não, porque outras tinham acontecido no passado, mas com o costumeiro dar de ombros da nossa “normalidade”. Duas dezenas? Tem notícia disso uma meia dúzia de vezes por ano. Discursos de políticos, cobertura de imprensa, choro e ranger de dentes. Depois acontece de novo, muitas vezes nos mesmos lugares. Prova da nossa incúria para dar alguma segurança pros nossos cidadãos.


    Área de risco? Demolir já. Faltam casas. Construam-se milhares, adequadas para abrigar esta população. Seja ela própria os braços, trabalhadores dignamente remunerados.


    É uma vergonha que nada disso seja feito, e os nossos políticos contentem-se em posar de palhaços bem pagos, curtindo as colunas sociais da vida.


    O que é que pode esperar uma triste vítima inocente? Um Cordeiro que testemunha na carne a falta do homem? Nada além de servir de lição, para que o homem mude seu jeito na vida.


    Que esta dolorosa lição tenha acordado alguém para a vida. Os quase oitocentos mortos. Os quase quinhentos desaparecidos.


    Que se mapeie estas áreas de risco. Que tenham os planos e os trabalhos para salvar vidas. Que não seja tudo esta corrupção medonha, das ótimas remunerações para fazer discursinhos enganadores e vazios. E não se fazer nada, nada que preste.


    Roubar e deixar roubar. Enquanto as vítimas podem ter morrido por falta de uma barreira de concreto, por falta de um teto digno. Parabéns, nobres senhores, sentados em cadeiras importantes, sentados em tronos! Sois tão poderosos, que lhe fazemos as reverências! Parabéns por nos fazer de escravos, por enriquecer às custas de nossos esforços, e nos deixar morrer por falta de um remédio, ou de um prato de comida! Sois tão espertos, e se não fizerem outros farão, não é mesmo? Parabéns, egos inflados ao ridículo, piadistas trágicos e involuntários, muito satisfeitos de pertencer à companheirada, muito satisfeitos de jogar o jogo, acobertar, justificar, seguir as ordens e os comandos. E aí, ganhar também o seuzinho, porque ninguém é de ferro...


    Parabéns, pequenos crápulas, parabéns, grandes crápulas!

    Malditos governantes


    Eu estava em Friburgo no dia em que a cidade sofreu a perda de mais de trezentos filhos. A Região Serrana do Estado toda sofreu por estar aprisionada ao velho descaso de nossos governantes, aprisionada à nossa velha ambição por ganhar uma grana fácil e rápida, de qualquer jeito.


    Depois da tragédia, vão ao velho corredor mal iluminado, pegar uma máscara pendurada na parede: a máscara da cara compungida, do coração apertado. Vão esbravejar, e falar pelos cotovelos. Vão prometer mais isso e mais aquilo. Um novo plano de ação, um novo radar. Mas como é que se consegue um novo caráter e uma nova cultura?


    Não podem ressuscitar os mortos. Não podem dar a uma mãe o seu filho. E logo andarão embalados com a festinha do Carnaval, e com o Reveillon com mais fogos do mundo. O brilho dos flashes para as capas de revista, o brilho de inveja nos olhos de todos. Ah, isto faz esquecer rápido, aquilo que de qualquer forma não tocou na gente. Apenas uma vozinha no ouvido. Vai ser facilmente esquecido, junto com o problema do superfaturamento nos contratos pro Reveillon. E as duas coisas estão muito ligadas.


    Na Serra, não aconteceu nada que não estava previsto. Uma grande cheia há dez anos, um grande deslizamento há quatro ou três. Mas eram sempre as costumeiras 20 ou 30 mortes, dava pra segurar com o velho jargão. E não se fez nada, entrou ano, saiu ano.


    Mas não temos uma Defesa Civil? Não temos pessoas empregadas nisso, com salário, com prédio, com instalação? E por que não foi organizada?


    Por que é que os nosso governantes, que justamente foram eleitos para organizá-la, assim como a Saúde, assim como a Educação, assim como a Segurança, permitiram que ela fosse uma total inoperante, uma total inútil, uma total desorganizada?


    Não se gastou o dinheiro, para se fazer as obras, para se fazer as casas, para se fazer os planos de segurança? Ah, mas se gastou o dinheiro... Se gastou o dinheiro, milhões e milhões, bilhões, de um povo miserável e sofrido, mas não se entregou NADA. Só desculpas, só acusações, só promessas.


    Um pequeno exemplo: no governo Lula, o ministro da Integração Social, Geddel Vieira Lima, político baiano, do PMDB, partido aliado do governo, destinou o grande percentual de gastos da pasta da Prevenção de Catástrofes, sob seu comando, a seus redutos eleitorais na Bahia. Na época, noticiou-se que os locais escolhidos NUNCA tiveram na História um registro de catástrofe.


    Quanto à Região Serrana do Rio, ouvi na televisão a notícia: em todo o ano passado, destinou-se ZERO de recursos para a prevenção de catástrofes. Apesar do seu histórico de catástrofes recorrentes.


    Estes são os fatos simples, e contra fatos não há argumentos. Contra os mortos não há explicação, não há desculpas. E este é apenas um exemplo, dentre muitos. Mas somos um XXXXXUUUUUUXXXXEXXXO, não é mesmo? Temos aprovação nas alturas, e bebemos vinho, e bebemos champanhe, e o povo nos adora, e todo mundo nos adora, só não fazemos é ressuscitar as pessoas.

    Cortem-lhe a cabeça!



    Eu pensei que tinha um motivo pra elogiar o governo Dilma, quando li a entrevista do então cotado pra ser o Secretário Nacional Anti-drogas, Pedro Abromovay, no qual ele se posicionava favoravelmente a uma distinção entre pequenos e grandes traficantes, evitando de punir os primeiros com a pena de prisão.


    Ele apresentava sólidos números para defender sua tese. Um percentual imenso de presos no Brasil é composto destes pequenos tráficos. A cadeia não contribui em nada para recuperar estes presos, pelo contrário, os expõe e os induz a progredirem na sua “carreira” criminosa. A célebre “escola do crime”, a cadeia, ao custo de bilhões para o contribuinte.


    Num artigo anterior à entrevista de Abromovay, eu justamente defendia uma rediscussão das penas, uma racionalização da prisão. Evitar a prisão pelos pequenos crimes, praticar as penalidades alternativas. Concentrar os esforços, policiais, judiciais, prisionais, naquilo que de fato agride a sociedade, os roubos de milhões descarados. Os assassinatos nojentos, ignóbeis, por motivos fúteis. Em número tão grande que passam a fazer parte da nossa normalidade. Não é normal, é terrível.

    É vergonhoso para uma sociedade que se dê ao respeito.


    Quando Abromovay ressaltou este ponto, e se comprometeu a levar adiante esta discussão, este trabalho, eu precisava aplaudi-lo. Não é porque odeio, abomino e detesto certas coisas que o governo faz, ou deixa de fazer, ou não se responsabiliza, ou desperdiça em mordomias, e etc etc etc, não quer dizer que eu vá me contradizer só pelo gosto de criticar o governo.


    Mas a alegria durou pouco. Logo em seguida à entrevista, o ministro da Justiça, ex-deputado federal petista, José Eduardo Cardozo, correu a desautorizar seu subordinado. “Não, não, ninguém aqui vai discutir mudança no trabalho das prisões, no trabalho da polícia, não tem nada disso. Nossas leis já são ótimas e não precisam de nenhuma mudança! Nós temos a segurança da sociedade sob total controle. Não olhe para estes números de assassinatos, estes números de super – lotação das prisões, não me façam comparações com outros países! Não precisamos aprender nada, não precisamos mudar nada. Não precisamos de nenhuma crítica”. Não sei se essas foram as exatas palavras, mas se o ministro desautoriza aquele que propunha mudanças, e até a proposta de se discutir uma mudança, só pode significar uma coisa: ele prefere as coisas como estão.


    O desenlace fatal veio no jornal Globo de hoje, reportagem de Jailton de Carvalho: “Abramovay deixa o governo depois de desagradar a Dilma e a ministro” “ (...) Depois de conversar com Dilma, Cardozo desautorizou publicamente o ex-secretário e, na quarta-feira, após longas negociações, acertou a saída de Abramovay”.


    Eu imagino a conversa de Cardozo com Dilma: “Mestra, Abramovay vai causar desconforto. Vai que a direita ataca a gente falando: o governo vai liberar o tráfico! Lembra do aborto? Sabe que é tudo uma guerra, e ali tem uns votos! Melhor detonar o cara”; e Dilma: “mas, companheiro, e o estado das prisões, e as penas alternativas, e...”. “Ah, mestra, isso aí eu não sei não. Mas olha só, tamo´mexendo no vespeiro... diminuir os presos nas celas? E o sindicato dos carcereiros, eu prometi mais mil empregos... e tem os contratos pra fazer as prisões, e o contrato das quentinhas... vai dar confusão... e os holofotes vão virar todos pra cá, vão vir perguntar que história é essa de liberar a maconha, vamo´ ter de dar um monte de explicação... vai por mim, é mais fácil detonar o homem”.


    Dilma ainda está indecisa: de repente, o telefone toca: chamada pra Dilma. É o Cara.

    sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

    Tempos Sombrios


    Na foto, o presidente do STF, Cezar Peluso, recebe aplausos do ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que escolheu Peluso para ocupar o cargo de Ministro daquela Corte, em 2003


    Agora lemos, nos jornais, que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, decidiu que apenas as iniciais das autoridades processadas criminalmente naquela Corte poderão ser informadas.


    E assim soçobra a Democracia... não mais sob o tiro do canhão, sob a truculência da força bruta, mas aos pouquinhos, aos bocados, minada em cada Instituição que deveria garanti-la...


    Como é que a mais alta Corte do país, aquela encarregada da nossa Constituição, pode agir assim, com um regulamento de um seu presidente, que simplesmente põe por terra o fundamento da Constituição do país? Afinal, não é esta a Constituição de um Estado democrático, em que todo o poder emana do povo? Está lá, no artigo 1o: A República Federativa do Brasil (...) constitui-se em Estado Democrático de Direito. E no parágrafo único do mesmo artigo: “Todo o poder emana do povo” Mas como é que um povo, ou qualquer um do povo, vai exercer o poder, se é mantido na cegueira e na escuridão? Como vai se defender e exterminar os vampiros que lhe sugam o sangue, se não pode enxergá-los, se não pode conhecê-los, se não pode cobrar dos que ganham salário justamente para combater os vampiros, porque estes mesmos apagaram a luz, favoreceram os Nossos Senhores que chupam nosso sangue?


    É preciso um artigo mais expresso da Constituição, para que se perceba sua violação? Eis aqui o artigo 93, inciso IX:


    IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)


    Notaram a construção do artigo? O interesse público se sobrepõe ao direito à intimidade do particular, em regra. Se o processo trata de um crime, que é uma violação de normas destinadas a proteger toda a sociedade, é o interesse público à informação que prevalece.


    A exceção são os feitos que não atingem a sociedade, mas precipuamente os indivíduos envolvidos. Exemplo: questões de família. Para estes casos é possível a decretação de sigilo do processo, pois o direito que a sociedade tem é à informação de interesse público, e não à informação de fofoca.


    Mas vem nossa mais alta Corte, aquela que deve julgar os mais incomuns cidadãos da República, e decide que não precisa prestar contas... ah, meu sinhô, pois não, pois não, pra que queu quero mermo sabê das tramóia das gente fina? Eu num intendo disso mermo, eu sô só um sujeitinho da isquina...


    Diante da grita de movimentos organizados da sociedade, o STF se dignou a informar à sociedade que cada ministro daquela Corte poderá, caso discordem do entendimento do seu presidente, Cezar Peluso, continuar determinando que seja divulgado o nome completo dos réus... Ora, faça-me o favor, a questão é o absurdo de um juiz, ainda mais na Corte guardiã da Constituição, decidir que julgamentos podem não ser públicos, quando há interesse da sociedade para que sejam. Dizer que outros juízes podem entender diferente não desfaz o absurdo, e só num país tão alheio aos seus direitos este absurdo pode passar assim, como coisa natural...


    Tentando justificar o absurdo, a tirania, a negação do Estado democrático de direito, a violação ao interesse público, a assessoria de Peluso divulga nota oficial dizendo que “uma política exacerbadamente publicista” pode prevenir os alvos de inquérito, prejudicando a investigação.


    Ora, é óbvio que se trata de duas coisas distintas, a investigação e o processo. Na investigação, enquanto os policiais fazem, por exemplo, escutas e monitoramentos, para investigar um crime, supervisionados pelo juiz, não se vai dar publicidade aos métodos de investigação. Ou alguém imagina que o juiz, ou o delegado, ou a imprensa, vão dizer pro Sr. Investigado: “Com licença, Sr. Investigado, eu vim te dizer que este telefone em que o Sr. costuma falar será grampeado, sim? Mas pode seguir conversando normalmente...”


    Outra coisa, bem diferente, é depois de iniciado o processo criminal, com base na investigação feita. Aí é direito do agora réu saber das acusações que foram feitas contra ele, e é direito da sociedade conhecer aquele processo.


    Mas talvez seja irreal almejar para um povo que mal sabe ler, e que se criou numa cultura escravagista até pouco mais de cem anos atrás, direitos democráticos.

    quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

    Leviatã



    Leviatã, monstro marinho, expressão do Poder do Estado justificado, e tornado, como Absoluto, em que uma só é a voz que decide, uma só é a voz que ordena. Não se concebe, não se tolera uma efetiva Oposição, uma alternância no exercício do Poder.


    É aquele velho lema, usado por ditadores e totalitarismos de esquerda e de direita: UM líder; UMA vontade; UMA voz.


    Pois Leviatã anda à solta, muito saliente, fazendo suas vítimas bem aqui, na nossa América Latina.


    Se duvidam, leiam a página 43 do jornal O Globo de 17.12.2010: a notícia da aprovação iminente da Lei Habilitante que permite ao presidente Hugo Chávez, da Venezuela, governar por decreto. Pois Chávez de fato aprovou a tal Lei Habilitante, na noite do próprio dia 17.12.2010, por um prazo de 18 meses.


    A pueril justificativa para esta concentração de Poderes, por um ano e meio, completamente na contra-mão dos modernos princípios democráticos, de separação e limitação de poderes, foram as fortes chuvas que atingiram a Venezuela. Creio que se não tivesse chovido Chávez pediria a Lei Habilitante para poder combater a forte seca afligiria o povo venezuelano.


    Mas podemos ficar tranquilos, pois na visão do Nosso Grande Guia, Nosso Mestre, Nosso Estadista, o ex-presidente Lula, na Venezuela tem democracia “até demais”...


    Na mesma página do jornal, outra notícia funesta à liberdade, desta vez vinda da Bolívia: o governador do departamento boliviano de Tarija, Mario Cossío, opositor do presidente Evo Morales, foi afastado do cargo com base na Lei de Autonomia, pela qual autoridades eleitas podem ser destituídas sem terem sido condenadas judicialmente. Basta uma acusação formal, e um promotor pode imediatamente suspender um político e designar um substituto. Segundo a reportagem, a lei já afetou vários políticos de oposição, suspensos de seus cargos, ou ameaçados pela lei.


    E assim vemos o espírito de Leviatã passeando bem pertinho, pela casa de nossos vizinhos, quem sabe se na nossa própria casa? Volta e meia não temos algum figurão falando em “controle social da imprensa”? Não ouvimos falar que se deve “extirpar” algum partido de oposição? Não se justifica qualquer ilegalidade dos aliados, enquanto se utilizam quaisquer ilegalidades para atingir a Oposição?


    Não vamos cair na esparrela de que não existe qualquer perigo à nossa liberdade... “A maior artimanha do diabo foi a de convencer o mundo de que ele não existia”.

    Qual é a imaginação de Dilma?








    Nossa presidenTA já deu indicação de que possui uma grande vaidade de se pensar que pode mudar o Brasil. Ela já anunciou uma grande meta, enfatizando-a em seu discurso, de tirar o Brasil da miséria. Resta saber se ela estará à altura de suas vaidades, para realizar o seu sonho.


    Ao ingressar na guerrilha contra o governo da ditadura militar, ela já mostrava que era capaz de agir por seu desejo de provocar uma mudança. Naquela época, a situação de ter sido posto na ilegalidade um mecanismo para a resolução democrática na escolha de projetos para o Brasil, fazia com que a escolha pela luta armada contra o governo ditatorial se apresentasse como justificável. Está certo que o projeto de muitos dos guerrilheiros não era em si justificável, pois almejava a substituição de uma ditadura por outra. Mas como estes projetos não chegaram a se tornar realidade, enquanto a ditadura militar era uma realidade, o movimento guerrilheiro, inclusive Dilma, ganharam esta legitimidade de se insurgir contra algo ruim.


    Acabada a ditadura, Dilma reaparece como uma burocrata, técnica de esquerda. Estudada, com curso superior, inteligência acima da média, identificada com o ideário dos “cumpanhêro” de esquerda, que aqui e ali, iam atingido seus objetivos de chegar ao Governo. Embora nunca tenha se distinguido no negócio de fazer política, propriamente dito. Ela nunca se candidatou a nada, nunca foi eleita a coisa nenhuma. Ela apenas era escolhida pelos eleitos pra ocupar este ou aquele posto, em alguma secretaria, ou diretoria, etc.


    Alçada a alto quadro técnico do PT, depois que o Partido elegeu Lula, ela teve a sorte de ver vários quadros importantes do Partido caírem em desgraça, ao longo do Governo Lula. José Dirceu, Antonio Pallocci, José Genoíno, envolvidos em escândalos diversos, tiveram de sair um pouco de cena. Ao mesmo tempo, Dilma se beneficiou do fato de o poder no Brasil se exercer de forma progressivamente personalista, com Lula virando Santo e virando Mito no imaginário coletivo.


    Este “super-Lula”, desfalcado das escolhas mais óbvias, decidiu, voluntoriosamente, investir seu prestígio político naquela figura improvável. Deve ter feito bem à vaidade descomunal do Mestre e Guia, a satisfação de eleger o famoso “poste”. Se ela era eleita, devia isso a ele, inteiramente. Era “a mulher do Lula”, para os eleitores. Era o “presente” que o “Cara” tava pedindo pro seu povo... e ainda ia ficar tão bonito, na biografia, o “Cara” dando uma Mãe pra cuidar do seu povo, nunca antes na História deste país, uma mulher na presidência!...


    Ajudado por uma Oposição desnorteada, acovardada, Lula se entregou de corpo e alma à tarefa de realizar Seu desejo. Afinal, ele é a opinião pública, como nos deixou saber, num discurso... ele é o Cara, a Vontade Geral, a voz desse povo... ele sozinho, o povo não pode ter outra voz, que não a dele. Ele está sempre certo, olhem o tamanho do meu sucesso! Este sucesso me garante ser o dono da Verdade. O mais amado, o mais festejado, o mais invejado... pra manter este sonho bom, esta certeza de estar sempre certo, não se admite a derrota eleitoral. Disputar é bom, sim, mas só quando temos certeza de que vamos ganhar.


    Lula deu o toque para o combate, convocou todos os ministros, empenhou todo mundo na guerra. E todos se deixaram usar de modo tão dócil pelo Grande Líder. Soldados bem treinados, dispostos a morrer pelo chefinho... (pelo menos no discurso...).


    Na campanha, nunca se viu uma atuação tão descarada do Governo para eleger sua candidata. Foi impressionante e assustador, com denúncias cabeludas de quebra de sigilo, agressões, discursos defendendo as barbaridades, financiamentos de campanha esquisitos, viagens, hospedagens, pagas com dinheiro público, para que figuras do Governo, inclusive o Presidente de toda a República, pudessem subir no palanque de uma candidata... nunca antes, na História deste país...


    Como é que reagiu a isso nossa Justiça Eleitoral, com seus Juízes e Tribunais pagos pelo dinheiro do público, com seus Procuradores da República, com nossas muitas e minuciosas leis para garantir a lisura dos pleitos eleitorais, para garantir o próprio funcionamento da democracia? Como é que reagiu esta mesma severa Justiça, que cassa candidaturas pelo país, por causa da mais mínima violação de algum destes numerosíssimos regulamentos? Pois começou aplicando multinhas de bagatela, que foram debochadas pelo próprio multado, e depois achou melhor deixar isso pra lá... é complicado, tem de pesar muitos fatores, não é bem assim, não vamos brigar por causa disso...


    Acabou que o Cara, mesmo sendo um Mestre e um Guia, teve de suar a camisa, numa eleição de segundo turno, apesar de toda a fraqueza da Oposição, apesar de seus tão propalados índices de popularidade. A campanha ficou agressiva, tendo de contar com reforços da indústria petrolífera, com ameaças de retrocesso e de caos social, caso o povo escolhesse o candidato da Oposição, e mais uma série de altas apostas.


    Mas o que importa, segundo a mentalidade oficial, é o fato concreto. É a vitória final. E esta acabou se concretizando, dando à situação a possibilidade de continuar gerindo os grandes recursos, tomando as grandes decisões, escolhendo os milhares de ocupantes dos cargos em comissão...


    Dilma, com a inesperada possibilidade de viver sua vaidade de ser a Líder da Nação, agarrou com unhas e dentes a oportunidade que lhe caía no colo. O nome do jogo é Faça o que o Chefe mandar? Pois vamos cumpri-lo à risca. Não ter uma palavra de crítica ao Mestre que ensina o caminho, nem que a vaca tussa. Depois, quando se tiver chegado ao poder, é outra história... aí, sem alarde, pode-se dar uma ou outra declaração que vai contra o discurso oficial do Grande Guia. Mas até lá, seguir o Chefe, e os outros Chefes que dividem o poder, e que podem nos garantir a governabilidade...


    É um jogo delicado, e daqui é que vem a importância da pergunta do título deste artigo: qual é a imaginação de Dilma? Sim, sabemos que ela tem o desejo de mudar o Brasil, não duvido de que ela esteja convencida de que possui as qualidades para fazer esta mudança para melhorar o Brasil. Para, digamos sinteticamente, livrá-lo de sua miséria. Com as mãos na Presidência da República, ela deve se sentir como escolhida pelos deuses para realizar este Grande Destino.


    Mas aí é que entra a questão da imaginação. Será que a sua imaginação comporta as boas mudanças para o país? Quando ela era jovem, a sua imaginação lhe dizia que bom para o país era uma dessas ditaduras de esquerda admiradas, onde a economia se estagnava, e milhões perdiam sua vida e sua liberdade por conta de divergências com o ocupante do Poder.


    Isto, claro, não seria bom para o país. Mas Dilma certamente não é a mesma que era quando tinha seus vinte, trinta anos. Ela certamente não defende mais que o Brasil se torne um Cubão, por exemplo. Mas, ainda assim, seus sonhos para o Brasil não necessariamente são as melhores realidades que o Brasil pode ter.


    Por exemplo: Dilma disse, quando candidata, que faria passar a reforma política do voto em lista fechada. Mesmo que ela se convença de que isto será bom, convencida pelos ótimos argumentos de muitos amigos, próximos, que com ela dividem o poder, será que isto será bom para a sociedade, se de fato acontecer?


    Claro, os motivos invocados serão os mais nobres (não são sempre?): melhorar a democracia; aumentar a coerência dos partidos políticos; aprimorar o compromisso com o conteúdo programático... todas as belas palavras. Mas e se com isso eternizarmos nossas castas selecionadas no Poder? Ou ao menos facilitarmos as condições para esta eternização? Não estaremos indo contra os interesses do país?


    Daí a importância, então, de definir o conteúdo da imaginação de Dilma. Além, é claro de sua habilidade para conduzir o dia a dia das disputas políticas. Não esqueçamos que Dilma é marinheira de primeiríssima viagem, nunca testada, e já colocada para pilotar o transatlântico.


    Mas nada temamos, ainda que Dilma faça um buraco no casco, temos aí a possibilidade da volta triunfal de Lulinha!...


    ai ai ai...



    Sobre cadeias e crimes


    O EUA é um país que encarcera milhões. Uma sociedade, organizada num Estado, tem o direito de encarcerar milhões? Será que uma sociedade tem milhões de pessoas que precisam ser encarceradas, como violentos e assassinos? Será que a única pena imaginável precisa ser por trás das grades.


    Uma sociedade que admite tais situações é uma sociedade repressiva. Ela elege comportamentos demais para permanecerem segregados.


    Existe todo um negócio em manter gente atrás das grades, sem dúvida. Uma economia envolvendo policiais, juízes, promotores, carcereiros, advogados, e gente que organiza os presídios, roupas de presos, comida de presos, grades para os presos.


    Mas será que é útil, de maneira geral, à sociedade? Será que as cadeias abarrotadas, e o mesmo desconforto com o crime e a violência, não provam que não se está conquistando aquele que seria o objetivo da sociedade: aumentar sua sensação de segurança.


    O crime também fatura milhões, todo ano, com seus negócios não regulamentados. Uma indústria que não parece deixar de prosperar, com todos os guardas e encarceramentos.


    E o mais grave: um Estado habituado a ser temido por seus súditos, um Estado que se arroga o direito de perseguir e punir uma parcela tão grande da população. Um Estado desses não é para ser respeitado, é um Estado a ser temido.


    No Brasil, também aumentamos em muito nossa capacidade de encarceramento. Tem acontecido ano após ano, bastando se olhar as estatísticas. E a sociedade se sente segura? Claro que não. A sociedade lê as notícias atônita, e percebe que todo este sistema não impede que assassinos habituais, verdadeiros insanos, chefes de quadrilha perigosíssimos, ladrões de milhões, continuem fazendo suas vítimas, com a multidão de habeas corpus, indultos, progressões automáticas, licenças para visitar a mamãe, no dia das mães. Absurdos que se repetem num sistema em que os protagonistas se sentem no direito de soltar pessoas que claramente causarão um novo grave dano à sociedade, e em que tudo isso passa sem que se pense em fazer qualquer mudança.


    Pelo contrário, o sistema só aprofunda seus defeitos. Segue metendo muita gente atrás das grades, enquanto se omite de manter os perigosos presos, e fornecer segurança para a sociedade.


    Ainda temos no Brasil nossas cadeias desumanas, em que os prisioneiros ficam amontoados, sujos, doentes, mal-vestidos, mal-alimentados, fazendo execuções para diminuir a lotação das celas.


    Que sistema sujo que é mantido por nossos impostos! Que grande corrupção, que grande violência cometida contra as pessoas, sem que se exija uma reforma.


    No mundo todo, as soluções passam por aceitar melhor os comportamentos que não tragam um risco ou um dano diretos para a sociedade, e utilizar o recurso da prisão apenas nos casos imprescindíveis à segurança da sociedade. Utilizar os recursos, utilizar os esforços, na prisão de assassinos, estupradores, ameaças. Para estes, a cadeia, e até um monitoramento posterior, para garantir ao máximo que a sociedade não pague com suas vidas, com as vidas de seus filhos, pelos comportamentos anti-sociais que comportam certos indivíduos.


    Existem também outras penas a serem aplicadas em indivíduos que cometem crimes sem violência, ou crimes não intencionais. Fraudadores, batedores de carteira, vândalos, atropeladores, podem receber outro tipo de punição, e outro tipo de monitoramento, menos gravoso que a prisão, baseado na natureza de seus crimes. Por exemplo, prestação de serviços à comunidade, restrição temporária de direitos, por exemplo, de dirigir, ou de frequentar certos ambientes, obrigação de prestar contas das atividades, etc. etc.


    Além disso, deve-se evitar a criminalização de número excessivo de atividades, principalmente procurando regulá-las para que diminua a possibilidade de risco social. Por exemplo, a prostituição. Mantidas certas regras, certos limites, não é útil à sociedade colocar na prisão, por exemplo, pessoas que busquem esta satisfação. Os EUA fazem isso, por exemplo.


    A questão da droga também tem se mostrado causa para uma Guerra Santa e Insana, bêbados, viciados em remédios, metendo em canas prolongadas um jovem porque estava fumando um cigarrinho de maconha. Os EUA, que também puxaram esta política de guerra anti-droga pelo mundo, com custos imensos, e com um ganho permanente e crescente para a economia subterrânea, agora vem testando alguns métodos louváveis de regulação deste comércio de substâncias psico-ativas. Este é comércio é uma realidade, um fato da vida. Existiram, existem, existirão, pessoas procurando por alguma (s) destas substâncias, dispostos a pagar por elas. E existiram, existem, existirão, pessoas dispostas a obter lucro pela venda de tais substâncias.


    Também existiram, existem, existirão, políticas feitas com base em idéias erradas, com base em sentimentos de ódio e de medo, irracionais, irrefletidas, que não resolvem o problema que se dispõem a resolver, e às vezes inclusive gera outros mais, inadvertidamente.


    O que importa é reconhecer estas políticas, e reformá-las, numa tentativa de conquistar benefícios à sociedade. A tarefa mais difícil talvez seja enfrentar os interesses, organizados ou não, que têm seu benefício particular atrelado à situação. Estes não vão querer a mudança que beneficia a sociedade. Outros vão continuar sem desejá-la por puro irracionalismo, às vezes manipulado por interesses inconfessáveis.


    Lembrem-se que um país que encarcera milhões, que agride os seus presos, é um país que demonstra não ter apreço pela Liberdade do indivíduo, pela Dignidade do indivíduo, não importam seus discursos auto-congratulatórios, à direita ou à esquerda do espectro político.


    Os EUA encarceram uma grande quantidade de sua população. Cuba também (alguns podem dizer que Cuba toda é uma prisão). A China não dá o direito de expressão. A Rússia continua manipulando processos judiciais. O louco Bush quer reeditar a tortura. Na França suspendem-se direitos para alguns "tipos" de cidadãos. No Brasil, como se disse, prossegue o abarrotamento de presidios inqualificáveis. A lógica dos Estados que jogam seu peso sobre os seus indivíduos atravessa da esquerda à direita, podendo crescer e se expandir ao longo do tempo, em qualquer país. Não há indivíduo ou nação que se possa proclamar imune.


    Mas todos podem tentar expandir e manter o campo da liberdade humana. Para nós mesmos, para nossos filhos.



    segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

    Arte da Guerra 4


    O mestre cineasta chinês John Woo retornou às locadoras em grande estilo, com sua obra-prima: A Batalha dos 3 Reinos, um épico em que encena a histórica guerra que colocou em lados opostos o Reino do Norte, de Cao Cao, que dominara sobre o Imperador Han, e desejava submeter todos os Reinos da China à sua tirania, e outros dois Reinos, do Sul, de Su Qan, e do Oeste, de Liu Bei, que compunham a única resistência às pretensões de Cao Cao.


    Não importa se houve liberdades artísticas na recriação deste episódio histórico. Com certeza, o filme constrói mitos de guerreiros perfeitos, essas coisas. Basta ver as cenas em que os chineses se mostram craques num tipo de futebol pra perceber a utilização de efeitos especiais no cinema. Mas o bom cinema não é justamente essa criação de mitos com "realismo"? O realismo da visão, é claro, iludida.


    Mas o filme conta uma história bem coerente e estruturada sobre uma batalha envolvendo dois adversários mais fracos, resistindo a um outro, tremendamente mais forte. Constrói personagens fortes e convincentes, de personalidades bem definidas, para representar os papéis dos Reis, dos Generais, dos Conselheiros, dos Estrategistas.


    O filme é principalmente sobre a Arte da Guerra. Ele dá uma ilustração prática dos famosos conselhos de Sun Tzu, principalmente a antecipação dos movimentos do adversário. Também, a importância de se conhecer e se utilizar das vantagens de terreno, de escolher e utilizar a arma certa, a formação certa, a tática certa, que podem levar a vantagem e a vitória mesmo ao exército mais fraco.


    John Woo precisou de todo o seu conhecimento acumulado de fazer filmes. Desde os seus primeiros filmes de kung-fu, até seus filmes de ação estonteantes, envolvendo gângsteres, policiais, e matadores. John Woo, na China, fez alguns dos filmes de ação mais recheados de adrenalina do cinema recente, muitas vezes estrelado pelo ótimo Chow Yun Fat: Fervura Máxima, Matador, a série Alvo Duplo, Bala na Cabeça. Foi “descoberto” e carregado pros EUA, onde diluiu seu estilo intenso, tanto nas cenas de ação quanto nos dramas intensos, literalmente de vida ou morte de seus protagonistas.


    Woo realmente injetou uma dose de ânimo na forma de se fazer cinema de ação nos EUA. Quentin Tarantino, por exemplo, bebeu de sua fonte. O próprio Woo, em sua passagem por Hollywood, fez coisa boa, ao menos divertida, um filme do Van Dame, O Alvo, e ainda A Outra Face e A Última Ameaça. Mas não tinham aquele calor dos seus filmes chineses, e Woo acabou fazendo uns filmes bem mais ou menos da franquia Missão Impossível, chegando até uma bomba estrelada por Dolph Lundgren, Black Jack.


    E eis que ressurge este mestre, como uma planta que precisasse do solo pátrio para florescer. Que bom que hoje em dia a oferta de filmes não se prenda à mesmice de Hollywood, e seus block busters!


    A Batalha dos 3 Reinos tem muito mais ação, intriga, decisões políticas, inteligência, que qualquer filme da saga Guerra nas Estrelas. Deveria ser bem mais apreciado, pelo menos pelos maiores de quinze anos. Mas na nossa época de propaganda maciça, as filas e os acampamentos se formam pra assistir os novos filmes do Guerra nas Estrelas, e um filme bom como este da Batalha permanece um ilustre desconhecido, também por falar chinês, e, oh, pecado maior, ser tão diferente do que estamos acostumados...


    Cotação: Cinco estrelas

    P.S . Para quem quiser se aprofundar sobre a História por trás da Batalha dos 3 Reinos, a wikipedia é muito útil: http://pt.wikipedia.org/wiki/Tr%C3%AAs_Reinos


    Sobre este assunto, também, existe um livro clássico do século XIV, de Luo Guanzhong, “aclamado como uma das Quatro Grandes Novelas Clássicas da literatura chinesa, com um total de 800.000 palavras, quase mil personagens[2], a maioria históricos, em 120 capítulos.” Cito da wikipedia http://pt.wikipedia.org/wiki/Romance_dos_Tr%C3%AAs_Reinos. Dá água na boca pensar em tal livro. Alguma chance de ser publicado no Brasil?


    P.S.2. Quem sabe este filme podia ser adotado pelos oficiais no treinamento do BOPE? Assim, talvez eles parassem de debochar da palavra "estratégia".

    Era Lula 2






    “Eu estou me lixando pra opinião pública” - deputado federal Sergio Moraes (PTB – RS)


    Como será, afinal, caracterizada esta era Lula? Qual terá sido o grande marco distintivo deste Governo que se encerrou recentemente, aquilo pelo que será lembrado pelas gerações futuras, seu lugar na História?


    Sim, foi o momento em que uma pessoa vinda dos estratos sociais mais baixos atingiu o principal cargo público do país. Lula, muito jovem, com sua família, foi um retirante do sertão nordestino, engrossou as correntes de trabalhadores braçais nas indústrias do Estado de São Paulo, um destino de outros tantos milhões de brasileiros pobres. Lula se distinguiu, então, por seus talentos de liderança e de comunicação, como sindicalista e uma das vozes de oposição ao regime militar, que então já mostrava sinais de desgaste.


    Lula foi então adotado pela forte e aguerrida tradição de pensamento esquerdista do país, como figura principal deste movimento. Setores da igreja católica dita progressista, intelectuais e formadores de opinião pública, professores, funcionários públicos, estudantes, e todos aqueles que, mesmo sob a repressão dos militares, mantinham a esperança de uma mudança no país, rumo ao socialismo.


    Estas forças “ideológicas” da sociedade garantiam a Lula e seu partido, o PT, 30% dos votos nas eleições que disputavam, a partir da redemocratização do país. Por três eleições (Collor, e duas vezes Fernando Henrique), Lula e o partido do “contra tudo isto que está aí”, o partido que, ao chegar ao poder, acabaria com a corrupção, e refundaria a República sobre bases de Justiça para todos, foram derrotados.


    Na disputa pela sucessão de Fernando Henrique, porém, a “Situação” encontrava-se desgastada nos seus doze anos de Poder. Collor caíra no primeiro e único impeachment da História do Brasil. O país lutara longos anos contra a inflação e um imenso desequilíbrio nas contas públicas, lutara contra crises externas, e escândalos de corrupção variados. O Governo, embora enfrentasse com sucesso problemas graves que afligiam os brasileiros, como a inflação, acumulava sua cota de erros, sua cota de arrogâncias, sua cota de mãos sujas... além do desgaste natural sentido pelos brasileiros num período em que o país lutava essas diversas guerras econômicas, políticas, e sociais.


    Enquanto isso, o principal partido de oposição mantinha seu discurso de “nós somos diferentes”, “nós não aceitaremos a corrupção”, e, “nós implantaremos o Reino da Justiça Social, Comunista, com Abundância para Todos, o que só não acontece por culpa deste Governo Neo-Liberal, egoísta”.


    Era fácil, para Lula e o PT, manter este discurso da “pureza”. Eles eram a pedra, e o Governo era a vidraça. O Governo ostentava os pecados genéricos de ser “corrupto”, “neo-liberal”, “entreguista”, “conservador”. É verdade que pelo país se colecionavam escândalos e abusos em lugares onde o PT era Governo, e nos financiamentos de campanha... mas, primeiro, não parecia nada muito diferente de nossas “tradições ancestrais”; segundo, quem é que lê jornal, ainda mais as seções de política, de economia, num país com tanta porcentagem de analfabetos, e semi-analfabetos? O que vale para a maioria são as linhas gerais, a Grande Figura, e não os detalhes complicados, que se precisa analisar e discutir. Para a maioria, Governo é o “cara” de Brasília, Oposição é o “cara” do outro lado. É nesse nível que a propaganda vai trabalhar, e Lula, o “cara” do outro lado, nunca tinha ocupado efetivamente um cargo público, para ter seu trabalho avaliado. Mantinha-se no seu papel exclusivo de opositor ao regime, fazendo discursos, fazendo denúncias e bravatas. Talk is cheap.


    Além dos 30% de fiéis, muitos até letrados, e alguns com títulos disso e daquilo. Mas para esses é questão de fé, a Forma Pura do Socialismo, o Reino da Justiça e da Liberdade, o Reino da Pureza, o Reino da Abundância e da Fraternidade...


    Como se vê, não é possível baixar os crentes dos seus sonhos felizes para a discussão de detalhes neste feio Mundo da Realidade, para a discussão de detalhes... quem tenta isso consegue apenas se tornar objeto de ódio, porque é um careta que não compartilha do Sonho... paredón, para estes, é até medida misericordiosa...


    Mas falava de Lula. A sua foi uma história de ascensão pessoal, sem dúvida, rara e impressionante, proporcionada pela democracia. Palmas para a democracia, único regime que permite esta mobilidade política.


    Agora, palmas também para Lula e seu Governo? Bem, aqui caímos de novo no dualismo mito/realidade. Para os que cultuam o mito, o símbolo, deve-se aplaudir automaticamente o pobrezinho que “chegou lá”. Para nós outros, miseráveis incrédulos, homens de pouca fé, é o conteúdo das decisões do seu Governo, e os resultados, positivos ou negativos, decorrentes destas decisões, que farão a diferença entre uma avaliação favorável ou desfavorável.


    Sim, já disse e repito: Lula tem qualidades de comunicador, qualidades de liderança. Mas, sejamos francos, tais qualidades o Silvio Santos tem. Sejamos ainda mais francos: tais qualidades Hitler possuía. E o Governo de Hitler, foi bom ou ruim?


    Para esclarecer: não estou dizendo que o Brasil de Lulinha seja igual à Alemanha de Hitler. Estou dizendo que qualidades pessoais do líder não necessariamente fazem bem ao país.


    Outro esclarecimento: não posso ser definido como um opositor de Lulinha devido a suas origens pobres, como se apressam a classificar seus fiéis qualquer crítica ao Seu Mestre e Guia. Aliás, um aparte: deu no jornal de hoje que Gilberto Carvalho, ex-Secretário Geral da Presidência de Lulinha, atual de Dilminha, no seu discurso ao reassumir a Secretaria, disse que morreria por Lulinha... antes, o horror... o horror... Agora, o ridículo... o ridículo... Sem saber o que é mais horrível e o que é mais ridículo.


    Mas, dizia, não posso ser definido como um desses inimigos figadais e radicais de Lulinha, um membro dessas amaldiçoadas “elites”, que não suportam ver o Povo no Poder, não suportam o suuuucesso do Filho do Brasil. Isto porque, na disputa presidencial de 1989, entre Collor e Lulinha, eu era totalmente pró-Lulinha! Oooooh, revelação... eu confesso... tinha meus 16 anos. Não cheguei a votar no ômi, porque ter o título era facultativo para menores de 18 anos, e porque tinha achado demagógica a campanha para diminuir o limite de idade para o voto... sim, já era contestador e rebelde na época, e me orgulho de sê-lo até hoje. Mas na época, com muitos ideais no coração, com poucos fatos na cabeça, eu também pensava que o Socialismo era o Mundo Melhor. Hoje, fico feliz de não ter votado em Lulinha. Mas eu era um de seus defensores, contra Collor. Mea culpa, mea maxima culpa... Se bem que do outro lado estava o Collor. Se tivéssemos uma nova disputa entre Collor e Lula pra presidência... nossa, que pesadelo! Mas eu acho que teria de voltar a defender o molusco. Embora, provavelmente, eu anulasse meu voto.


    Apresentadas minhas credenciais para a crítica (coisa que precisamos fazer, neste país tão pouco afeito à crítica dos Donos do Poder), volto à questão inicial de definir o que, neste Governo Lula, se mostrou como fato distintivo, evento representativo, marcante.


    Para facilitar, vamos compará-lo com o de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, coisa que Lula e os petistas tanto temem/anseiam por fazer. No Governo FHC, com início antes, no Governo Itamar, planejou-se e executou-se a política econômica que conseguiu amansar o dragão da hiper-inflação crônica. Este foi o evento marcante de FH, apesar de problemas, apesar dos pesares. Juros altos, alianças espúrias, indexação excessivamente prolongada do Real ao dólar, desgaste político para aprovação da reeleição, etc. etc.


    Também houve outros sucessos, outros avanços. Praticamente universalizou-se o acesso das crianças à escola. Instituiu-se uma Lei de Responsabilidade Fiscal. Saneou-se dívidas de Bancos e Estados. Desestatizou-se, em alguma medida, a economia. Manteve-se o país navegando, em meio a diversas crises, externas (México, Rússia, Leste Asiático, Argentina...), e interna, provocada pelos temores de uma virada radical nos fundamentos econômicos do país após a vitória eleitoral de Lulinha. Etc. etc.


    Mas o fato marcante, emblemático, a coroar o Governo FHC, foi sua vitória sobre a inflação.


    E quanto ao Governo Lula?


    Primeiro, vamos ouvir o que dizem seus defensores: o Governo Lula foi coroado pela saída da miséria de milhões de brasileiros. Foi coroado por uma taxa de desemprego baixíssima, uma economia que avançou, com novas oportunidades de negócios para os brasileiros. Também urram que “nunca antes, na História deste país”, quiçá deste Mundo, o presidente chegou ao final de seu mandato com uma aprovação de 87%.


    Pois vamos à análise destes argumentos, ou melhor, destas invocações.


    (continua)