quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Sobre cadeias e crimes


O EUA é um país que encarcera milhões. Uma sociedade, organizada num Estado, tem o direito de encarcerar milhões? Será que uma sociedade tem milhões de pessoas que precisam ser encarceradas, como violentos e assassinos? Será que a única pena imaginável precisa ser por trás das grades.


Uma sociedade que admite tais situações é uma sociedade repressiva. Ela elege comportamentos demais para permanecerem segregados.


Existe todo um negócio em manter gente atrás das grades, sem dúvida. Uma economia envolvendo policiais, juízes, promotores, carcereiros, advogados, e gente que organiza os presídios, roupas de presos, comida de presos, grades para os presos.


Mas será que é útil, de maneira geral, à sociedade? Será que as cadeias abarrotadas, e o mesmo desconforto com o crime e a violência, não provam que não se está conquistando aquele que seria o objetivo da sociedade: aumentar sua sensação de segurança.


O crime também fatura milhões, todo ano, com seus negócios não regulamentados. Uma indústria que não parece deixar de prosperar, com todos os guardas e encarceramentos.


E o mais grave: um Estado habituado a ser temido por seus súditos, um Estado que se arroga o direito de perseguir e punir uma parcela tão grande da população. Um Estado desses não é para ser respeitado, é um Estado a ser temido.


No Brasil, também aumentamos em muito nossa capacidade de encarceramento. Tem acontecido ano após ano, bastando se olhar as estatísticas. E a sociedade se sente segura? Claro que não. A sociedade lê as notícias atônita, e percebe que todo este sistema não impede que assassinos habituais, verdadeiros insanos, chefes de quadrilha perigosíssimos, ladrões de milhões, continuem fazendo suas vítimas, com a multidão de habeas corpus, indultos, progressões automáticas, licenças para visitar a mamãe, no dia das mães. Absurdos que se repetem num sistema em que os protagonistas se sentem no direito de soltar pessoas que claramente causarão um novo grave dano à sociedade, e em que tudo isso passa sem que se pense em fazer qualquer mudança.


Pelo contrário, o sistema só aprofunda seus defeitos. Segue metendo muita gente atrás das grades, enquanto se omite de manter os perigosos presos, e fornecer segurança para a sociedade.


Ainda temos no Brasil nossas cadeias desumanas, em que os prisioneiros ficam amontoados, sujos, doentes, mal-vestidos, mal-alimentados, fazendo execuções para diminuir a lotação das celas.


Que sistema sujo que é mantido por nossos impostos! Que grande corrupção, que grande violência cometida contra as pessoas, sem que se exija uma reforma.


No mundo todo, as soluções passam por aceitar melhor os comportamentos que não tragam um risco ou um dano diretos para a sociedade, e utilizar o recurso da prisão apenas nos casos imprescindíveis à segurança da sociedade. Utilizar os recursos, utilizar os esforços, na prisão de assassinos, estupradores, ameaças. Para estes, a cadeia, e até um monitoramento posterior, para garantir ao máximo que a sociedade não pague com suas vidas, com as vidas de seus filhos, pelos comportamentos anti-sociais que comportam certos indivíduos.


Existem também outras penas a serem aplicadas em indivíduos que cometem crimes sem violência, ou crimes não intencionais. Fraudadores, batedores de carteira, vândalos, atropeladores, podem receber outro tipo de punição, e outro tipo de monitoramento, menos gravoso que a prisão, baseado na natureza de seus crimes. Por exemplo, prestação de serviços à comunidade, restrição temporária de direitos, por exemplo, de dirigir, ou de frequentar certos ambientes, obrigação de prestar contas das atividades, etc. etc.


Além disso, deve-se evitar a criminalização de número excessivo de atividades, principalmente procurando regulá-las para que diminua a possibilidade de risco social. Por exemplo, a prostituição. Mantidas certas regras, certos limites, não é útil à sociedade colocar na prisão, por exemplo, pessoas que busquem esta satisfação. Os EUA fazem isso, por exemplo.


A questão da droga também tem se mostrado causa para uma Guerra Santa e Insana, bêbados, viciados em remédios, metendo em canas prolongadas um jovem porque estava fumando um cigarrinho de maconha. Os EUA, que também puxaram esta política de guerra anti-droga pelo mundo, com custos imensos, e com um ganho permanente e crescente para a economia subterrânea, agora vem testando alguns métodos louváveis de regulação deste comércio de substâncias psico-ativas. Este é comércio é uma realidade, um fato da vida. Existiram, existem, existirão, pessoas procurando por alguma (s) destas substâncias, dispostos a pagar por elas. E existiram, existem, existirão, pessoas dispostas a obter lucro pela venda de tais substâncias.


Também existiram, existem, existirão, políticas feitas com base em idéias erradas, com base em sentimentos de ódio e de medo, irracionais, irrefletidas, que não resolvem o problema que se dispõem a resolver, e às vezes inclusive gera outros mais, inadvertidamente.


O que importa é reconhecer estas políticas, e reformá-las, numa tentativa de conquistar benefícios à sociedade. A tarefa mais difícil talvez seja enfrentar os interesses, organizados ou não, que têm seu benefício particular atrelado à situação. Estes não vão querer a mudança que beneficia a sociedade. Outros vão continuar sem desejá-la por puro irracionalismo, às vezes manipulado por interesses inconfessáveis.


Lembrem-se que um país que encarcera milhões, que agride os seus presos, é um país que demonstra não ter apreço pela Liberdade do indivíduo, pela Dignidade do indivíduo, não importam seus discursos auto-congratulatórios, à direita ou à esquerda do espectro político.


Os EUA encarceram uma grande quantidade de sua população. Cuba também (alguns podem dizer que Cuba toda é uma prisão). A China não dá o direito de expressão. A Rússia continua manipulando processos judiciais. O louco Bush quer reeditar a tortura. Na França suspendem-se direitos para alguns "tipos" de cidadãos. No Brasil, como se disse, prossegue o abarrotamento de presidios inqualificáveis. A lógica dos Estados que jogam seu peso sobre os seus indivíduos atravessa da esquerda à direita, podendo crescer e se expandir ao longo do tempo, em qualquer país. Não há indivíduo ou nação que se possa proclamar imune.


Mas todos podem tentar expandir e manter o campo da liberdade humana. Para nós mesmos, para nossos filhos.



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