segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Era Lula 2






“Eu estou me lixando pra opinião pública” - deputado federal Sergio Moraes (PTB – RS)


Como será, afinal, caracterizada esta era Lula? Qual terá sido o grande marco distintivo deste Governo que se encerrou recentemente, aquilo pelo que será lembrado pelas gerações futuras, seu lugar na História?


Sim, foi o momento em que uma pessoa vinda dos estratos sociais mais baixos atingiu o principal cargo público do país. Lula, muito jovem, com sua família, foi um retirante do sertão nordestino, engrossou as correntes de trabalhadores braçais nas indústrias do Estado de São Paulo, um destino de outros tantos milhões de brasileiros pobres. Lula se distinguiu, então, por seus talentos de liderança e de comunicação, como sindicalista e uma das vozes de oposição ao regime militar, que então já mostrava sinais de desgaste.


Lula foi então adotado pela forte e aguerrida tradição de pensamento esquerdista do país, como figura principal deste movimento. Setores da igreja católica dita progressista, intelectuais e formadores de opinião pública, professores, funcionários públicos, estudantes, e todos aqueles que, mesmo sob a repressão dos militares, mantinham a esperança de uma mudança no país, rumo ao socialismo.


Estas forças “ideológicas” da sociedade garantiam a Lula e seu partido, o PT, 30% dos votos nas eleições que disputavam, a partir da redemocratização do país. Por três eleições (Collor, e duas vezes Fernando Henrique), Lula e o partido do “contra tudo isto que está aí”, o partido que, ao chegar ao poder, acabaria com a corrupção, e refundaria a República sobre bases de Justiça para todos, foram derrotados.


Na disputa pela sucessão de Fernando Henrique, porém, a “Situação” encontrava-se desgastada nos seus doze anos de Poder. Collor caíra no primeiro e único impeachment da História do Brasil. O país lutara longos anos contra a inflação e um imenso desequilíbrio nas contas públicas, lutara contra crises externas, e escândalos de corrupção variados. O Governo, embora enfrentasse com sucesso problemas graves que afligiam os brasileiros, como a inflação, acumulava sua cota de erros, sua cota de arrogâncias, sua cota de mãos sujas... além do desgaste natural sentido pelos brasileiros num período em que o país lutava essas diversas guerras econômicas, políticas, e sociais.


Enquanto isso, o principal partido de oposição mantinha seu discurso de “nós somos diferentes”, “nós não aceitaremos a corrupção”, e, “nós implantaremos o Reino da Justiça Social, Comunista, com Abundância para Todos, o que só não acontece por culpa deste Governo Neo-Liberal, egoísta”.


Era fácil, para Lula e o PT, manter este discurso da “pureza”. Eles eram a pedra, e o Governo era a vidraça. O Governo ostentava os pecados genéricos de ser “corrupto”, “neo-liberal”, “entreguista”, “conservador”. É verdade que pelo país se colecionavam escândalos e abusos em lugares onde o PT era Governo, e nos financiamentos de campanha... mas, primeiro, não parecia nada muito diferente de nossas “tradições ancestrais”; segundo, quem é que lê jornal, ainda mais as seções de política, de economia, num país com tanta porcentagem de analfabetos, e semi-analfabetos? O que vale para a maioria são as linhas gerais, a Grande Figura, e não os detalhes complicados, que se precisa analisar e discutir. Para a maioria, Governo é o “cara” de Brasília, Oposição é o “cara” do outro lado. É nesse nível que a propaganda vai trabalhar, e Lula, o “cara” do outro lado, nunca tinha ocupado efetivamente um cargo público, para ter seu trabalho avaliado. Mantinha-se no seu papel exclusivo de opositor ao regime, fazendo discursos, fazendo denúncias e bravatas. Talk is cheap.


Além dos 30% de fiéis, muitos até letrados, e alguns com títulos disso e daquilo. Mas para esses é questão de fé, a Forma Pura do Socialismo, o Reino da Justiça e da Liberdade, o Reino da Pureza, o Reino da Abundância e da Fraternidade...


Como se vê, não é possível baixar os crentes dos seus sonhos felizes para a discussão de detalhes neste feio Mundo da Realidade, para a discussão de detalhes... quem tenta isso consegue apenas se tornar objeto de ódio, porque é um careta que não compartilha do Sonho... paredón, para estes, é até medida misericordiosa...


Mas falava de Lula. A sua foi uma história de ascensão pessoal, sem dúvida, rara e impressionante, proporcionada pela democracia. Palmas para a democracia, único regime que permite esta mobilidade política.


Agora, palmas também para Lula e seu Governo? Bem, aqui caímos de novo no dualismo mito/realidade. Para os que cultuam o mito, o símbolo, deve-se aplaudir automaticamente o pobrezinho que “chegou lá”. Para nós outros, miseráveis incrédulos, homens de pouca fé, é o conteúdo das decisões do seu Governo, e os resultados, positivos ou negativos, decorrentes destas decisões, que farão a diferença entre uma avaliação favorável ou desfavorável.


Sim, já disse e repito: Lula tem qualidades de comunicador, qualidades de liderança. Mas, sejamos francos, tais qualidades o Silvio Santos tem. Sejamos ainda mais francos: tais qualidades Hitler possuía. E o Governo de Hitler, foi bom ou ruim?


Para esclarecer: não estou dizendo que o Brasil de Lulinha seja igual à Alemanha de Hitler. Estou dizendo que qualidades pessoais do líder não necessariamente fazem bem ao país.


Outro esclarecimento: não posso ser definido como um opositor de Lulinha devido a suas origens pobres, como se apressam a classificar seus fiéis qualquer crítica ao Seu Mestre e Guia. Aliás, um aparte: deu no jornal de hoje que Gilberto Carvalho, ex-Secretário Geral da Presidência de Lulinha, atual de Dilminha, no seu discurso ao reassumir a Secretaria, disse que morreria por Lulinha... antes, o horror... o horror... Agora, o ridículo... o ridículo... Sem saber o que é mais horrível e o que é mais ridículo.


Mas, dizia, não posso ser definido como um desses inimigos figadais e radicais de Lulinha, um membro dessas amaldiçoadas “elites”, que não suportam ver o Povo no Poder, não suportam o suuuucesso do Filho do Brasil. Isto porque, na disputa presidencial de 1989, entre Collor e Lulinha, eu era totalmente pró-Lulinha! Oooooh, revelação... eu confesso... tinha meus 16 anos. Não cheguei a votar no ômi, porque ter o título era facultativo para menores de 18 anos, e porque tinha achado demagógica a campanha para diminuir o limite de idade para o voto... sim, já era contestador e rebelde na época, e me orgulho de sê-lo até hoje. Mas na época, com muitos ideais no coração, com poucos fatos na cabeça, eu também pensava que o Socialismo era o Mundo Melhor. Hoje, fico feliz de não ter votado em Lulinha. Mas eu era um de seus defensores, contra Collor. Mea culpa, mea maxima culpa... Se bem que do outro lado estava o Collor. Se tivéssemos uma nova disputa entre Collor e Lula pra presidência... nossa, que pesadelo! Mas eu acho que teria de voltar a defender o molusco. Embora, provavelmente, eu anulasse meu voto.


Apresentadas minhas credenciais para a crítica (coisa que precisamos fazer, neste país tão pouco afeito à crítica dos Donos do Poder), volto à questão inicial de definir o que, neste Governo Lula, se mostrou como fato distintivo, evento representativo, marcante.


Para facilitar, vamos compará-lo com o de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, coisa que Lula e os petistas tanto temem/anseiam por fazer. No Governo FHC, com início antes, no Governo Itamar, planejou-se e executou-se a política econômica que conseguiu amansar o dragão da hiper-inflação crônica. Este foi o evento marcante de FH, apesar de problemas, apesar dos pesares. Juros altos, alianças espúrias, indexação excessivamente prolongada do Real ao dólar, desgaste político para aprovação da reeleição, etc. etc.


Também houve outros sucessos, outros avanços. Praticamente universalizou-se o acesso das crianças à escola. Instituiu-se uma Lei de Responsabilidade Fiscal. Saneou-se dívidas de Bancos e Estados. Desestatizou-se, em alguma medida, a economia. Manteve-se o país navegando, em meio a diversas crises, externas (México, Rússia, Leste Asiático, Argentina...), e interna, provocada pelos temores de uma virada radical nos fundamentos econômicos do país após a vitória eleitoral de Lulinha. Etc. etc.


Mas o fato marcante, emblemático, a coroar o Governo FHC, foi sua vitória sobre a inflação.


E quanto ao Governo Lula?


Primeiro, vamos ouvir o que dizem seus defensores: o Governo Lula foi coroado pela saída da miséria de milhões de brasileiros. Foi coroado por uma taxa de desemprego baixíssima, uma economia que avançou, com novas oportunidades de negócios para os brasileiros. Também urram que “nunca antes, na História deste país”, quiçá deste Mundo, o presidente chegou ao final de seu mandato com uma aprovação de 87%.


Pois vamos à análise destes argumentos, ou melhor, destas invocações.


(continua)


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