quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Escárnio




Há oito meses, o grupo Gallway comprou por R$ 6,9 milhões um lote de ações, que a estatal Furnas Centrais Elétricas poderia ter arrematado, pelo mesmo valor. Agora, o grupo Gallway vende pra Furnas o mesmo lote de ações, por 80 milhões. Que tal? Um negócio pra render 1.142 % e uns quebrados, em oito meses? Nem Steve Jobs, nem Bill Gates, têm este toque de Midas; mas aqui, para a nossa sociedade, para a nossa polícia, para a nossa Justiça, é tudo normal. Ninguém deve ir em cana. Sabe com quem estamos falando, não é mesmo? Pessoas incomuns não pegam cana, não por aqui.


Não é à toa que todos os espertos querem embarcar nessa jogada. Trabalhar por mil anos, de sol a sol, para ganhar uma migalha? Tem burro pra isso. Tem burro pra ser explorado. Pra ser roubado na cara, e ficar por isso mesmo. Pra não ter o dinheiro do remédio pro filho, de ir procurar um serviço público e ser humilhado. Ficar na fila do hospital, às 2 da manhã? Ficar na fila pro passaporte às 4? Ficar no chão de um hospital, porque não tinha mais leito? Ser achacado pela polícia, ligar pra polícia e ouvir dizer que a competência é da outra polícia? Tudo isso é normal, no país em que todo mundo pensa que não tem direitos. Que só podem olhar quietos e conformados, seus governantes gozarem de pensões ultra-especiais, para si, para suas mulheres, uma orgia de distribuir dinheiro público, num país que enxerga as mais negras misérias, nas cidades, nos campos...


No caso de Furnas, lemos que o grupo Gallway tem sede em paraísos fiscais; que um dos nomes conhecidos do grupo é o de um doleiro conhecido no mercado financeiro, Lúcio Bolonha Funaro. Este Funaro já fora investigado na CPI dos Correios, e deu explicações para o fato de pagar aluguel, condomínio e outras despesas do apartamento ocupado por um deputado federal, Eduardo Cunha (PMDB – RJ), no flat Blue Tree Tower, em Brasília.


A este Eduardo Cunha é atribuída a indicação do ex-prefeito do Rio de Janeiro, Luiz Paulo Conde, à presidência de Furnas Centrais Elétricas, na época em que houve a transação.


Ou seja, tudo normal, tudo corriqueiro, tudo que lemos no jornal todo dia: indicações políticas, políticos ganhando favores, grandes oportunidades de negócios, ex-políticos ganhando cargos, lucros de 1.142 % sendo feitos, em oito meses... nada pra ninguém perder o sono, a Justiça leva 10 anos pra decidir se um assassino confesso, frio, calculista, covarde, deve ir pra cadeia, e aí, de repente, ih, prescreveu... ah, que chato! Talvez ainda tenhamos de ouvir uma voz empolada, de juiz de alta Corte, dizer que é o preço de se viver numa democracia...


E é só mais um contrato, quantos mais podem ser feitos, basta as pessoas certas, nos lugares certos... e o país vê a briga de foice descarada por comandos de estatais, a discussão em termos de mercado: essa vale 10 bilhões, troco por duas daquela de 5! E nem um centavo a menos! Cães esfaimados brigando por um osso, e acusando-se de gulosos!


Será que estes senhores estão mesmo interessados na maneira pela qual deve funcionar uma escola pública? Ou um hospital?


Ah, pode deixar, já ganhamos nosso seguro de saúde gratuito por toda a nossa vida, para nós e nossos familiares! Reembolso integral, podemos até fazer tratamentos fora do país! É nosso direito adquirido, está nesta lei que votamos. Quem paga é o trouxa, digo, o cidadão.

Um comentário:

irmão do quilombo disse...

Escárnio, zombaria, menosprezo, não há termo que dê a justa medida da tamanha desumanidade que representa negociatas como essa. Cada real subtraído do erário público, cada centavo desviado de seu melhor emprego, de seu uso devido é crime dos mais monstruosos. Deveria ser considerado e punido como crime contra humanidade: hediondo e imprescretível. Mas, lamentavelmente, é apenas mais um grande (embora trivial) negócio dos amigos do Rei (agora rainha). Não passível de cadeia, mas de enriquecimento meteórico e despreocupado dos felizes cortesãos. É por essas e outras que acredito que nossos esforços em Friburgo, precisam ser envidados nessa frente. Por uma Friburgo republicana: liberdade, igualdade, fraternidade. Abraço, grande J.