43.Tendes ouvido o que foi dito: Amarás o teu próximo e poderás odiar teu inimigo.
44.Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos [maltratam e] perseguem.
45.Deste modo sereis os filhos de vosso Pai do céu, pois ele faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os injustos.
46.Se amais somente os que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem assim os próprios publicanos?
47.Se saudais apenas vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não fazem isto também os pagãos?
48.Portanto, sede perfeitos, assim como vosso Pai celeste é perfeito.
do Evangelho Segundo São Mateus, capítulo 5, versículos 43-48
O tema de que iremos tratar é o Estado, a maneira pela qual deve se configurar, as leis que devem reger a nação.
Trata-se de um exercício de pensamento, idealizado ou utópico, à maneira de outras obras políticas, como A República, e As Leis, de Platão, O Espírito das Leis, de Montesquieu, O Leviatã, de Hobbes, A Utopia, de Thomas Morus, Os Dois Tratados Sobre o Governo, de John Locke, Os Analectos, de Confúcio.
Como cada um destes trabalhos, espero que este também traga elementos úteis à elaboração de ordenamentos e estruturas mais capazes de atender ao cidadão, em seus legítimos anseios. Deve o Estado servir ao cidadão, e não o cidadão servir ao Estado.
Como obra de pensamento, idealizada, serve como guia para nortear as discussões, não como camisa de força, leito de Procusto para a realidade. Estará sempre aberta às críticas, aos desenvolvimentos. Estarei feliz se uma ou outra idéia se mostrar útil.
Como as obras que mencionei, dentre outras, espero que esta também sirva de inspiração, mas não espero uma concordância cega com os pensamentos de nenhuma delas. Por mais que se admire Platão, Rousseau, Marx, Santo Agostinho, Locke, Confúcio, ou qualquer outro gênio, não abro mão do direito de crítica, e de reconhecer que falavam dentro de um contexto de tempo e lugar, devendo-se refletir sobre seus pensamentos à luz de todo o desenvolvimento histórico.
Não faço mais parte de grupos ou panelinhas. Não sou pró ou anti Marx, pró ou anti Platão. Procuro meu pensamento próprio, inspirando-me, eventualmente, em Marx ou Platão. Defendo a liberdade para o pensamento e para a manifestação do pensamento, então preciso considerar válido que Platão ou Marx tenham escrito o que escreveram. Defendo a minha liberdade, também, de conhecer seus pensamentos, e de criticá-los. Ou de até desconhecê-los. São muitas as leituras, pouco o tempo. Eu não li as Obras Completas de Marx, ou as Obras Completas de Platão. Não sou enciclopédico, não sou talvez sequer erudito. Não vou aqui esmiuçar as grandes obras políticas escritas pela Humanidade. Analisá-las em profundidade, destacando seus prós e seus contras.
Já li algumas delas, já li trechos de outras. Já li algumas obras de referência, já tenho uma certa idéia do desenvolvimento do pensamento político. Mas, repito, esta aqui não é uma obra primariamente dedicada a debater o que foi dito a respeito da organização do Estado; é uma obra que, inspirada por alguns destes pensadores do Estado, pretende desenvolver sua própria idéia de organização estatal.
Parece muito pretensioso, talvez seja mesmo, querer navegar neste mesmo barco das “feras”. Caramba, Montesquieu, Hobbes, esses cabeçudos???!!!!!!?? E Platão, e Aristóteles???????????????!!!!!!!!!!!!!!!!??????????????????????? E Confúcio????????????????????????????!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!???????????????????
Realmente, parece rematada loucura. E no entanto, é necessária uma dose de loucura para se levar a cabo este intento de fazer uma obra de pensamento sobre a organização Estatal para os nossos tempos.
Estes nossos tempos que parecem ter abdicado desta pretensão e desta loucura. Parece que preferimos viver hoje um outro tipo de pretensão e loucura: a pretensão e loucura da decadência, do ceticismo e do cinismo.
Vivemos isto porque abdicamos de refletir e criticar os mecanismos de poder e de organização da nossa sociedade. Engolimos aquela besteira de fim da História, de tudo resolvido e feito, e que agora só precisaríamos nos preocupar em aproveitar ao máximo, com sombra e água fresca, ou melhor ainda, um sol escaldante numa praia cheia de mulheres, e muito álcool e muitas outras coisas na cabeça, num Jardim de Epicuro, que tudo estaria feito para nós...
Tratava-se apenas de conseguir o melhor neste cenário dado, e nada de questionar o cenário. A democracia é que o sistema de governo, mas ninguém se pergunta se de fato o poder está nas mãos dos cidadãos, ou se nos contentamos apenas com a propaganda, com as aparências. O liberalismo é a sistema econômico, mas ninguém se preocupa com as grandes corrupções, com as grandes injustiças.
O socialismo mantém seu prestígio no discurso dos contestadores, mas também é um sistema doutrinário, acrítico, pró-forma. Um mero desejo, distante, que serve apenas para o sujeito que o possui se sentir bem consigo mesmo. Ele vive neste mundo das competições e injustiças, ele faz todas as jogadas sujas, mas, oh, ele suspira por este amor platônico, algum dia, socialismo, algum dia... o melhor é que fazer esta profissão de fé, além de não custar qualquer sacrifício, ainda lhe abre muitas portas com a patotinha, reúne os adeptos da mesma fé, dá aplausos e prestígio em certos meios, além de verbas e cargos importantes...
Em suma, tudo muito estável, tudo muito confortável, tudo muito parado... embora talvez tudo esteja parado à beira de um abismo.
O jogo se estabeleceu fortemente, cada um com seus lugares marcados, com suas cartas marcadas. Liberais de um lado, socialistas do outro, democracia pró-forma, muita hipocrisia, muito dinheiro inexplicável rolando pelos altos bolsos, muito hedonismo, muito escapismo
E parecemos muito satisfeitos com isso. “Não teria sido melhor permanecer no teu fofo e morno leito e arrastar a vida de um verme, já que é a única de que te julgas digno?” - Epicteto. Muita injustiça, muita corrupção, muita miséria acontecendo? Ah, mas isto é do jogo... faz parte da vida... melhor com eles do que comigo...
Imprudentes que edificam sobre areia, se me é permitida uma comparação bíblica.
Pois, então, louco por louco, prefiro a minha loucura que me vai ao menos permitir realizar esta minha obra. A sua fortuna, claro, não depende de mim, depende das circunstâncias históricas. Se ela falar aos tempos, e se uma revolução americana for feita com base nela, como a obra de Locke, ou se uma revolução russa for feita com base nela, como a obra de Marx, então ganharei fama imorredoura. Embora eu mesmo, certamente, já terei há muito morrido. E embora, se ela inspirasse a violência e a intolerância que a obra de Marx inspiraram, então não me agradaria em nada esta fama.
Minha obra busca, justamente, desvincular-se do pensamento autoritário que caracterizou tantas Utopias escritas anteriormente. A República, de Platão, era totalitária. A Utopia, de Morus, era totalitária. O Capital, de Marx, era totalitário. Mas é aqui que, com base nestas obras, e nos acontecimentos históricos que lhes sucederam, que eu busco inserir uma novidade nestes pensamentos utópicos: uma Utopia não totalitária, uma Utopia que reconheça e mais, respeite e até celebre as diferenças.
Não justifico, está visto, qualquer violência ou qualquer perseguição em meu nome ou de minha obra. Embora reconheça que também não tenho domínio sobre isto. Ora, a própria Bíblia, o próprio Jesus, não foram e são usados para justificar perseguição e violência?
Mas mantenho que é válido pensar, é válido exprimir, torcendo pelo bem e pelas boas consequências. No caso do que escrevo, minha melhor esperança é que sirva para formar o núcleo de alguma resistência pacífica, democrática, em que algumas propostas de reforma sejam desenvolvidas, comunicadas, e pelo convencimento da maioria venham a ser implantadas, beneficiando o desenvolvimento de condições gerais dignas.
Embora não tenhamos atingido nenhuma perfeição sobre a qual podemos descansar, é fato que fizemos avanços e conquistas democráticas. Não é também que estejam seguras, que não se possam perder. A luta deve ser para manter o terreno, e conquistar novas posições.
Por exemplo, os EUA, país-símbolo maior das conquistas democráticas, chegou, após o 11.9 e com o governo Bush, ao retrocesso absurdo de ressuscitar a idéia de tortura como instrumento válido. Vimos isso, inacreditável. Mas a exploração dos medos de muitos, associada à ganância de alguns, mantém sob constante tensão o ideal democrático. A eleição de um negro na sociedade americana profundamente racista, com um nome muçulmano ainda por cima, foi um novo sopro de vida para a democracia nos EUA, mostrando a imensa força deste sistema de governo. Mas, como eu disse, nada nunca está resolvido, e o tempo não pára, não espera por ninguém. É preciso combater a cada dia, para não experimentar da verdade do verso de Hesíodo: “Desgraçado o que dorme no amanhã”. É aquela história, o preço da liberdade é a eterna vigilância.
Dito isto, podemos reconhecer que em algumas sociedades, hoje, é possível organizar um partido político, discutir e apresentar propostas, disputar eleições. Em tal sociedade, a resistência deve se dar pela via pacífica, ainda que demorada, do convencimento. Não significa que a maior parte de toda a sociedade precisa estar no partido, precisa conhecer e endossar cada proposta. Não é assim que acontece.
Mas um número crítico de cidadãos honrados, com uma proposta coerente, transparente, precisa se unir em torno de alguns pontos fundamentais, e conseguir o voto de confiança da maioria, nas urnas, para implantação dessas propostas.
Sob um inimigo, externo ou interno, que retire a liberdade dos cidadãos, impeça este caminho pacífico para a mudança, fica justificada a resistência pelo uso da força, apenas até que se recupere esta liberdade política roubada, nunca para que se implante uma outra ditadura, sob nova justificativa.
A resistência se impõe a cada membro consciente da sociedade. Pacífica, ou armada, quando não se tem a liberdade política. Neste último caso, ainda que não se aceite tirar vidas pela defesa da liberdade, algum tipo de apoio aos que resistem deve ser oferecido. Ou vai se conseguir informações, ou vai se conseguir remédios para os combatentes, ou vai se dar abrigo, ou vai se organizar um protesto, ou vai se dar algum apoio, de alguma forma, à causa da liberdade. Ainda que sob o risco da própria vida. Não se vai compactuar de maneira alguma com o sistema.
É esta a resistência que se impõe, a todos os que são conscientes, e que amam a liberdade.
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