Chave de ouro, o fecho deste Governo, a era Lulinha. O momento em que o país fez seus experimentos com um poder absolutista, dada a falta de oposição política à vontade do soberano.
Avançamos firmes e confiantes no caminho da servidão. O único partido político do Brasil, estruturado com uma estratégia de ocupação e manutenção dos mecanismos de poder, finalmente ocupou o primeiro posto, numa nação de tradições tão profundamente servis, um país escravocrata, até cento e vinte e dois anos atrás.
Ocupou o primeiro posto, com a figura do carismático. E aproveitou do primeiro posto para implantar firme seu objetivo de poder por muitos anos. O objetivo final, é claro, é o poder eterno. Um reich de mil anos... e só a democracia tem o poder de fazer um projeto assim soçobrar.
E a questão agora é: conseguiremos desenvolver esta democracia, não pró-forma, enganadora, hipócrita. Não perfeita, também, porque não existe o perfeito no nosso mundo. Mas a melhor que possamos conceber e manter.
No poder, Lula e o PT fizeram o que fazem aqueles interessados em se manter definitivamente no poder: aumentaram os cargos de confiança, aumentaram os salários e os privilégios dos poderosos. Encheram de verbas todos os projetos dos amigos. Engavetaram todos os projetos dos adversários, tantos quantos foi possível.
O Governo exerceu sem oposição suas vontades. Qual a única grande derrota política que este Governo teve, em oito anos de mandato? A perda da CPMF, derrota que Lulinha nunca esqueceu, como fazem aqueles obstinados.
No mais, tudo foram flores.
Na verdade, veio um trem de carga pelo caminho, um escândalo de proporções colossais, abomináveis. O mensalão foi uma chaga, na cara tonta da nossa República, a envilecer sua História. Compra de votos de políticos, no balcão de atacados. Grana viva pra encher os bolsinhos, e pra fazer cordeirinhos. Pra comer na minha mão. Percebem: pra não ter oposição.
E isto desmascarado, mostrado a nu, pelos jornais, pela TV, com detalhes macabros.
Mas aí houve o grande momento da inflexão. O país descobria, boquiaberto, que o único partido que havia, pra desejar ocupar o poder, já estava no poder.
O que aconteceu do mensalão: nada. Reeleitos, foram todos, ou quase todos, dos flagrados com a mão na massa. Justiça? Algum dia será julgado um processo. Movimentos de classe, movimentos estudantis, Ordem dos Advogados, Imprensa, Sindicatos, Políticos? Todos satisfeitos com o andar da carruagem, com o cocheiro no comando. Todos esperando que algo fosse cair do céu, que as nuvens se dissipassem. Todos, com as honrosas exceções. Mas as exceções não foram suficientes para modificar as relação de força.
E, algo caiu do céu, realmente, mas foi um raio na cabeça destes devaneadores, destes desocupados. Lulinha se uniu e se metamorfoseou em Sarney, em Collor, em Jader Barbalho, em Renan Calheiros, nos exemplos da turma toda. Distribuía-se dentaduras em troca de votos nos lugares mais miseráveis do Brasil? Pois vamos distribuir dentaduras por votos nos lugares mais miseráveis do Brasil. Vamos dividir este feudo, presa tão gorda, e qual é a parte que lhe cabe deste latifúndio?
Vamos sangrar a vaquinha. Me ajuda aqui, uma mão lava a outra.
E vimos a repartição dos cargos públicos. Como é que Michel Temer colocou, de forma blasfema? Ah, sim, ele disse que ia chegar a hora de repartir o pão. Estão repartindo, está visto. Ministério pra cá, ministério pra lá. É MEU, pra fazer como eu quiser.
E casos de corrupção ocorrendo na nossa cara. Mas o feudo é deles, não é nosso, e a nossa Justiça não podia fazer nada com o feudo deles. Podia só garantir e defender o feudo próprio.
E a tchurma se acomodou bem com isso. A tchurma dos antenados, para eles bastava a mística de que o partido “do bem” estava lá. Às vezes também rolava uma verbinha especial, um empreguinho bom, alguma mamata.
E sem estes canais de ressonância, sem a organização de alguma proposta política distinta, aceitamos passivamente este domínio. Democracia não é pra quem quer. É pra quem pode.
Custa, e custa caro. Já custou muito sangue. Custa responsabilidade, vigilância, solidariedade e coragem. Democracia e liberdade. É o preço justo por ambas, e elas só andam juntas. Mas cabecinhas alienadas estão dispostas a vendê-la por qualquer trocado. Uma bolinha ou um bolão, mas o custo de perdê-las é sempre o mesmo. De que vale ao homem conquistar o mundo e renunciar à alma?
Viver com medo, viver encolhido? Satisfeito com o bar mais próximo e com a televisão depois que lhe tiraram o couro? Satisfeito de ver a corrupção imperar, e de ser roubado a cada dia, e que tantos perdem a vida de maneiras indignas? Satisfeito de ser feito de palhaço o tempo inteiro? Ah, saindo talvez com uma vantagenzinha em alguma feira ou leilão, em algum negocinho bom amparado na desorganização geral de um país. Existem os vendidinhos, e existem os vendidões.
E existe um país campeão de pedofilia, campeão de exploração de miseráveis, campeão em desfaçatez e desgraça.
Para os que remam contra a maré desse clima de euforia propagandeado, imposto, a saída é se organizar, se juntar para a resistência. Para aqueles que preferem se alienar, só se pode fazer aquele desejo dos antigos chineses: “espero que você e seus filhos não vivam os tempos interessantes”.
Mas para os que irão defender uma causa, que esta causa seja aquela da liberdade. Liberdade, que se não é para todos, não é para ninguém.
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