quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Retrato e História de uma impossibilidade possível

Paulo Maluf, político brasileiro famoso, ex-Governador da cidade mais populosa do país, a terceira maior do mundo, São Paulo. Imenso PIB. Maluf se mantém político, com mandato de deputado federal. Empresário bem sucedido, suas empresas lhe renderam milhões. Já foi até candidato à Presidência da República, na eleição indireta que finalmente tirava os militares do Poder, vencida por Tancredo Neves, assumida por José Sarney.


Paulo Maluf acaba de ser inocentado num processo criminal pela nossa Justiça, o que lhe dá direito de ocupar o cargo público de deputado federal, para o qual se reelegeu.

Sarney do congelamento de preços, do domínio político do PMDB nas eleições feitas sob a intensa propaganda do plano “miraculoso”. Um plano que acabou em desastre, um período de hiper-inflação prolongado, este imposto sobre o pobre, a inflação. Desorganização completa das contas nacionais.


O inusitado do fracasso colossal fez com que, nas eleições para suceder Sarney não houvesse candidato da situação. TODOS os candidatos estavam ali pra falar mal da situação. Na disputa final, entre Lula e Collor. Era a primeira de tantas tentativas de eleição do Lulinha. Nessa ele perdeu pro Collor, o aventureiro caçador de marajás, com seu plano de modernizar o Brasil, foi assim que ele levou, na época.


Collor dos seus jatinhos, dos seus laços familiares na bala. Um cunhado que dava tiro, ah, a vida na Corte! Collor voluntarista, que acabaria amargando o único impeachment da História do Brasil. Collor falava que “tinha um tiro pra dar cabo do tigre da inflação”. Deu um tiro foi na cara do país, simplesmente o confisco da poupança. Milhões de poupadores, pra quem se disse, “dá cá o seu dinheirinho!”, no talvez mais brutal confisco que se tem na História moderna. Milhões de poupadores pra quem se deu compulsoriamente um título de que o Governo pagaria aquilo ali, um dia, bem devagarinho.


Esta é a nossa nação, esta é a qualidade da nossa governança. O Judiciário, é claro, embolsou isso. Prestou seu beneplácito de interpretação jurídica, autorizou tudo isso. A Lei Maior dizia que ninguém seria desapossado de seus bens sem prévio processo judicial. Mas a Lei Maior pode ser uma besteirinha, não é mesmo?


O Congresso? Que Congresso? O Congresso não estava ali para defender nenhum representado. Os discursos de sempre. Depois teria sua vingança, quando o presidente eleito pensasse que podia mandar muito sozinho. Ninguém manda sozinho, e o Congresso queria seus muitos interesses atendidos. Além disso, contava já com o desgaste popular das políticas equivocadas.


O Brasil via aquela porrada econômica inacreditável, o descontrole econômico resultante, tudo por uma “tese” a ser “testada” no laboratório da realidade. A ministra da Economia era uma inacreditável Zelia Cardoso de Mello, nas entrevistas explicando seus “planos”. “Vamos tirar o dinheiro da economia que vamos parar de ter inflação”. Daí se misturando no noticiário as “cantadas” do Ministro da Justiça, amor de folhetim. E daí o monstro da inflação aparecendo com força, de novo. O segundo fracasso retumbante seguido na tentativa de controlar o monstro.


Politicamente, Collor invocou o suicídio. Um desgosto popular muito grande, e a esquerda, festiva mas eficaz, botou todo o seu bloco na rua. Era a hora de derrubar o adversário, e finalmente emplacar o seu velho símbolo: Lulinha.


Collor sangrou, um talho fundo provocado por uma infernal disputa familiar. Entrevista retumbante do seu irmão para a revista Veja, o exemplar que sumiu das bancas. E havia uma cunhada gostosa. Escândalo. O apelo desesperado de Collor: “Não me deixem só!”. Uma grande ópera bufa, onde atores jogavam grande visando os poderes.


Mas o Brasil manteve o pé na racionalidade. Acabou o mandato desse cara, o que deve ser feito? Deve-se cumprir o que está na lei, e convocar o seu vice.


Houve até um papo golpista de certos setores, tipo: “quem é este vice? Vamos tirá-lo dali.” Mas a aspiração de um golpe não deu certo. Itamar seguia princípios mais simples. Passava na vida despreocupado, com seus fusquinhas e seus camarotes de Carnaval. Sem radicalismos, escolheu Fernando Henrique Cardoso, que lhe apresentava um plano formado por cabeças pensantes, para dominar a inflação.


Fernando Henrique articulou este plano nas Casas Legislativas. O Real foi implantado em 1994. A queda da inflação foi gritante, rápida, durável. O Brasil deixava de ter inflação de 300 % ao mês, para passar a 2% ao ano. Este número tão baixo, que existia nos países do então chamado primeiro mundo, e que para nós era um sonho distante.


Mas Fernando Henrique era um menino vaidoso. Fez suas jogadas políticas. O clássico acordo, feito por Itamar com seu ministro, era de ele usufruiria da presidência por um mandato, e devolveria a bola a Itamar. Na época, a presidência só se podia exercer por um mandato.


E o que FHC fez? Negociou com o Congresso um segundo mandato, beneficiando aos próprios ocupantes do poder, ele mesmo, claro, e todos os outros governadores. Numa reportagem muito boa da Revista Veja, nessa época, mostrava que o Governo foi atrás de cada parlamentar para fechar este grande negócio: a reeleição do chefe. Por exemplo, lembro dessa reportagem que nosso ex-deputado federal carioca, ex-presidente do clube Vasco da Gama, negociara então, dentre otras cosas, um belo campo de treinamento do Vasco. Me chamou a atenção sua justificativa para o negócio do voto: “tenho de pensar primeiro nos interesses vascaínos”. Parece piada. Não é não. É retrato, é história.


FH conseguiu seu mandatinho. Pra coroar tanta esperteza, depois de já ter investido tanto, investiu-se muito mais em segurar um problema do plano que estava fazendo água até depois da eleição. O momento era difícil, e a população achou mais seguro ficar onde estava, dando seu voto pra FH, contra Lula, de novo. FH pagaria seus pecados mais tarde, perdendo a sucessão para o candidato da oposição. Quem? Lulinha.


Depois das três derrotas seguidas, nas três eleições disputadas, Lulinha e sua banda vinham por aí. Acabou valendo a pena esperar, porque os espinhos ficaram todos pros adversários que vieram antes pelo caminho. A oposição sempre apoiava os planos econômicos doidos que seus adversários faziam, combatiam cada batalha pra sabotar as iniciativas boas.


Claro, à oposição não contenta que uma política que apóia seja adotada. Ela dá o seu apoio àquela proposta, porque sabe que o custo político de mantê-la é sempre do partido da situação. À oposição interessa fazê-lo perder apoio, para chegar aos cargos de quem comanda, e assim atender à própria patota.


Foi o que Lula e o PT fizeram bem. A estratégia de guerra de José Dirceu. Ele recusou a aliança com FH. Ele não queria ser o número dois. Ele manteve o seu bloco na oposição, esperando que o bloco da situação fizesse água nos mares da vaidade de FH. A situação não estava boa no Brasil, continuavam os problemas, para muita massa do povo.


E a oposição mantinha os seus trunfos, seus 30% de votos, sua penetração em universidades, movimentos sociais, sindicatos, redações. Os dias de glória do vaidoso FH estavam contados. Ele estava convocado enquanto se arrumava a casa. O desfrute do poder, já vão agora oito anos, mais quatro que virão, pelo menos, está com a ex-oposição.


Eles é que indicam os cargos, que destinam as verbas, que detêm os planos.



No governo Lula, muitas corrupções apareceram. Já nas eleições de 2002 um rumoroso caso de assassinato abalou a imprensa. Um prefeito do PT, Celso Daniel. Nas investigações que se seguiram, muita podridão jorrou, de esquemas de corrupção, chantagem de empresas de ônibus, coisa muito grande, envolvendo muitos nomes grandes. O irmão de Celso Daniel fez uma acusação totalmente comprometedora por trás do assassinato, e teve de sair do país, e oito pessoas envolvidas pelo caso, principalmente testemunhas, foram assassinados em sequência, sem que nada se concluísse, até hoje. Aliás, recentemente, passados uns oito anos do caso, foi condenada uma pessoa por envolvimento no assassinato. Todas as questões envolvendo as grandes corrupções dos bastidores deram em nada. Todas vítimas testemunhas não tiveram direito a qualquer reparação.


Foi sob este signo que a oposição venceu as eleições de 2002. Economicamente, o nome do jogo era: “manter tudo como está, do que se passou a vida atacando ontem”. Ora, tática tão simples, tão eficaz, Lenin já tinha ensinado tudo antes. Ou então O Grande Irmão, de George Orwell. Terra e Liberdade? Ora, significam Espoliação e Prisão.


Maquiavel tinha ensinado isso. Collor tinha ensinado isso. Mas Lenin era um mestre: “Acuse-os de fazer o que você vai fazer!” Tão genial no seu paradoxo. Lulinha teria sua versão, que contou rindo como de uma piada: “na oposição a gente faz bravata mesmo!”. Bravata, e tava explicado.


Ainda mais que Lulinha, o mago, fez chover pelo mundo. Choveram chineses comprando no mercado, um mercado inacreditavelmente ligado pela inovação tecnológica, no fenômeno da Globalização.


E o Brasil, com todos os problemas que tem, com toda a falta de educação, é um gigante com ilhas de excelência por todos os cantos. A produção de matérias primas básicas se dá num ritmo acelerado, para atender a demanda internacional. A grande fome por madeiras, minérios, energia, petróleo. Tudo o que faz o mundo girar, dinheiro. Trigo. Carne. Soja. Laranja. Maçã. Tudo que o Brasil tem tanta capacidade de produzir.


Mas como anda o nosso lado político? Continuando com as corrupções, logo no primeiro ano aparece um vídeo, nada menos que um vídeo, com um grande assessor de um dos sujeitos mais poderosos da República, o chefe da Casa Civil, José Dirceu. Pois não é que esse assessor aparecia no vídeo recebendo propina de um bicheiro, negociando situações camaradas do governo? Era uma “captação de dinheiro para a causa, companheiro”. E ficou por isso mesmo. O assessor até foi afastado, mas não precisou nem o José Dirceu cair, não. A oposição ali, bem calminha. Foi uma primeira demonstração do que estava pra vir.


O mensalão caiu como bomba. Ainda era o segundo ano de Lulinha, e agora parecia que a coisa ia. Só que a oposição fingia que não tinha dentes porque de fato não tinha. Um líder dos Democratas, Jorge Bornhausen, disse à época que “iam exterminar essa raça” da oposição. Delírio de empolgação. Ninguém foi questionar aquilo, então todos viraram cúmplices. Não tinha movimento social, de estudante, de advogados, de cidadãos, contra. Não tinha sindicato, ou pelo menos sindicalista, contra.


Tudo dominado, e a população não viu vantagens em querer mudar aquele que já estava por ali, que falava, falava, mas com quem, afinal, a economia caminhava bem. E o Lulinha aproveitava essa situação tão favorável que lhe caía no colo. Descobriu-se que não se tinha oposição.


José Dirceu realmente caiu no escândalo, junto com Roberto Jefferson, o deputado canastrão, cantor de ópera, mas velha raposa da política. Roberto Jefferson com as frases bombásticas, no depoimento falou olhando pro José Dirceu, entre sorrisos: “o senhor me provoca os mais primitivos instintos”. Depois disso Jefferson aparece nas primeiras páginas com uma porrada no rosto, fatos inexplicáveis como um pesadelo humorístico.


Caíram os dois, e no clima de surpresa envolvente não vou dizer que Lulinha não sentiu os arrepios de ser destituído do poder. Já começavam os discursos de vítima, mas aí é que se viu que a oposição não tinha dentes. Umas espanadas, umas bordoadas, e ficava tudo igual. Lula fazia mais um discurso, e aumentava o bolsa família, e o operário podia comprar mais um pouquinho. Estava bom demais pra nós brasileiros, nunca tínhamos experimentado de tanta fartura!


A aprovação de Lula atingiria níveis obscenos, 80%, 88%, o escambau! Naquele momento de dúvida, ainda, a ex-oposição, agora partido no poder, se fortalecia na crença de ser imbatível, junto com seu Mestre e Guia. Aí os discursos já eram de comparação com o Todo Poderoso. Lulinha se aproximou de modo definitivo dos velhos donos do poder, que lhe asseguraram que ele não ia cair nunca. Só era preciso garantir-lhes poder eterno em seus feudos. Sabe como é, uma mão lava a outra...


E foi assim que assistimos à Volta dos Mortos Vivos. Sarney, Jader Barbalho, Collor (é, Collor, senador de Alagoas. Sarney, senador do Amapá. Jader, senador do Pará. Todos de volta à cena, abraçados por Lulinha em palanques do Brasil.


“É a economia, estúpido”. É o bolsa família. Mas o Brasil não ia tão bem, crescendo menos que vizinhos, com os juros mais altos do mundo, com o sistema de saúde um esgoto, com a indústria da multa, a indústria do crime, os milhares de assassinatos não resolvidos, os super-salários, e os super-super salários, as farras e as mordomias, a corrupção em tudo que é canto, tantos e tantos contratos, bilhões e bilhões para sustentar a farra.


Mas o povo não via outra opção, e era mantido em espessa ignorância, e não podia fazer essa comparação com o resto do mundo. Olhava apenas pro seu presente, pro seu passado recente, e a renda cresceu um pouco, então a satisfação se instala. Em termos, porque mesmo a aprovação recorde do presidente garantiu uma eleição fácil para a situação. Contou, outra vez, com os muitos erros da oposição, o seu temor místico de enfrentar o poder, e se dobrou fácil.


Acabamos elegendo a mulher do Cara. Uma ópera bufa. Novamente José Dirceu dá as caras, agora meio escondido, mas tá por lá. Pallocci é outro que aparece. Já falei dele em outros artigos, não vou me agastar repetindo. Sarney, já atendido com dois Ministérios. O poderoso das Minas e Energia, e o atual ministério sensação atual na obtenção de recursos por emendas de parlamentares, o ministério do Turismo. Um senhor de 80 anos, muito amigo de Sarney, sem outras grandes qualificações relevantes, é o escolhido pela nossa presidente, Dilma Rousseff.


Para o Infinito, e além!



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