Todo homem tem direito a organizar sua resistência. Ele tem para defender seus direitos legítimos, naturais, individuais, como se queira chamá-los. Sua vida, a vida de sua família, sua liberdade, o fruto de seu trabalho, sua honra. Ele não pode ser roubado, sequestrado, assassinado, nem pelo criminoso, que vive à margem da lei, nem, o que seria muito pior, pela lei de seu Estado.
Nenhum Governo pode se constituir para oprimir o homem. Se o Governo é arbitrário, se confisca seus bens, se invade sua privacidade, se lhe toma a liberdade de votar, se lhe toma a liberdade de reivindicar, de se informar, de protestar, se lhe tortura numa prisão, se lhe faz desaparecer debaixo da terra, torna-se claro o direito de resistir.
Nenhum Governo tem o direito de praticar qualquer ato ilegítimo contra o indivíduo. Não importa que ele se diga da maioria, ou que o Líder tem a aprovação de 80%, ou de 90%, ou de 99%. Ainda que este Líder tivesse a aprovação de TODOS os súditos, exceto daquele contra o qual se quisesses praticar a injustiça e a arbitrariedade, não seria legítimo tal ato.
Quando violado nestes seus direitos, o homem tem o direito de resistir. O homem, o povo. O individual e o coletivo.
Quando um povo sofre uma invasão estrangeira fica bem claro este direito à resistência. Os franceses organizaram a sua contra os nazistas, ainda que uma boa parte da França tivesse aderido, por conveniência ou covardia, aos invasores. E cada povo invadido, ameaçado nos seus direitos de homem, tem organizado sua resistência. Os holandeses tiveram a sua, e os chineses, e os judeus, e os poloneses...
Algumas vezes, as circunstâncias não permitem que um povo se liberte de seus agressores. Povos têm sido, podem ser, dominados por longos anos. Podem introjetar na sua cultura uma justificativa para a dominação. O Sistema de Castas na Índia, desde a invasão ariana, em 1500 a C, pode ser um exemplo.
Culturas foram dominadas, ao longo da História, culturas foram exterminadas. Mas para cada homem nascido renasce o direito de ter respeitado os seus direitos, e de resistir se forem ameaçados.
Na época da ditadura militar, no Brasil, teve-se claro o inimigo contra o qual lutar. Os militares não permitiam eleições livres, não permitiam a manifestação do pensamento livre, torturaram, fizeram desaparecer inimigos do regime. Caíram, depois de muitos anos, porque se resistiu a eles. Porque vez após vez as pessoas condenavam, ao menos em seus corações, que outro jovem desaparecesse, outro ano se passasse sem que houvesse mudança, com as manchetes censuradas, com o custo de vida aumentando, mas sem poder reclamar, com aqueles generais que se sucediam na Presidência.
Foi bom que caíssem. O direito ao voto está de novo conosco.
Mas será que se pode descansar sobre os louros da vitória? Não, porque o preço da liberdade é a eterna vigilância, e porque se queres a paz, deves preparar-te para a guerra.
Quando o inimigo deixa de estar bem claro, o perigo se torna maior. O maior engodo do diabo foi fazer acreditar que ele não existia.
Viver em um regime em que se pode votar é indispensável. Mas sempre, sempre, haverá espaço para melhoras, no sentido de se alcançar maior liberdade, maior garantia para os direitos de cada indivíduo na sociedade.
E daí que permanece o direito à resistência, mesmo no regime democrático. Mas se converte em um direito mais sutil, de aprofundar a democracia, torná-la mais real, não apenas uma palavra, mas um fato, para mais e mais indivíduos.
É verdade que não se tratará mais de uma resistência com armas, como a que se faz contra um invasor, ou contra um ditador. Numa democracia a resistência se faz pela reunião pacífica, pela defesa de propostas, através do voto, através da divulgação livre, através do convencimento.
Mas não se dispensa, de forma alguma, esta resistência. A resistência de criticar os corruptos, e exigir sua prisão, e exigir o respeito com a coisa pública, e exigir que os prestadores de serviços públicos atendam bem o público, e que as leis funcionem para garantir a paz, a segurança, o respeito
aos direitos de todos.
Não se iludam: se não houver a resistência constante, a busca constante da melhoria, em qualquer que seja o regime, haverá a perda constante das liberdades e dos direitos. O Poder estará sempre exercendo suas tentações naqueles que o exercem, e se não forem vigiados, questionados, tolhidos, em breve um novo regime de força servirá para suprimir os direitos e as liberdades, e estabelecer uma nova forma de opressão.
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