"Ele me humilhou, impediu-me de ganhar meio milhão, riu de meus prejuízos, zombou de meus lucros, escarneceu de minha nação, atravessou-se-me nos negócios, fez que meus amigos se arrefecessem, encorajou meus inimigos. E tudo, por quê? Por eu ser judeu. Os judeus não têm olhos? Os judeus não têm mãos, órgãos, dimensões, sentidos, inclinações, paixões? Não ingerem os mesmos alimentos, não se ferem com as armas, não estão sujeitos às mesmas doenças, não se curam com os mesmos remédios, não se aquecem e refrescam com o mesmo verão e o mesmo inverno que aquecem e refrescam os cristãos? Se nos espetardes, não sangramos? Se nos fizerdes cócegas, não rimos? Se nos derdes veneno, não morremos? E se nos ofenderdes, não devemos vingar-nos? Se em tudo o mais somos iguais a vós, teremos de ser iguais também a esse respeito. Se um judeu ofende a um cristão, qual é a humildade deste? Vingança. Se um cristão ofender a um judeu, qual deve ser a paciência deste, de acordo com o exemplo do cristão? Ora, vingança. Hei de por em prática a maldade que me ensinastes, sendo de censurar se eu não fizer melhor do que a encomenda".
- Shylock, in O Mercador de Veneza, ato III, cena I
Prosseguindo na resistência contra o politicamente correto, vamos escutar a voz do judeu Shylock, personagem de William Shakespeare na peça O Mercador de Veneza.
Embora Shakespeare construa Shylock como um vilão cruel, vingativo, mesquinho, covarde e repugnante, e reproduza nas falas de suas personagens preconceitos correntes em seu tempo e espaço contra os judeus, ele ainda assim consegue, por obra e graça de sua Arte sublime, revelar aquilo que Shylock possui de humano, demasiado humano, por dentro de toda a sua vilania.
Shylock acabou se tornando um personagem destacado na imensa e genial galeria do Bardo, e é justamente celebrado seu monólogo no ato III, cena I, o chamado Discurso da Vingança, reproduzido no início deste artigo.
Note que mesmo judeus, pelo menos os mais esclarecidos, ou os mais capazes de levar a vida com leveza, puderam admirar o gênio de Shakespeare, e aceitar Shylock, e reconhecer a grande verdade em suas palavras. Escritas no século XVI, mas que poderiam ser usadas para amaldiçoar Hitler e os nazistas em 1942, por exemplo.
O ator/diretor/humorista judeu Mel Brooks refilmou em 1983 a clássica comédia de Ernst Lubitsch, "To be or not to be" (1942), fazendo uma sátira implacável ao ditadorzinho da Alemanha:
Pois bem. O judeu Mel Brooks quis refilmar este clássico, mantendo ainda o clímax do original, em que um personagem judeu declama o monólogo de Shylock para os nazistas. Um belo exemplo de como os judeus inteligentes puderam reverter em seu favor uma peça e uma personagem que lhes eram francamente desfavoráveis, colocando-se acima dos feios preconceitos que vitimaram até o pensamento de um grande gênio como Shakespeare, em seu tempo.
Pode-se conferir a cena de Shylock no filme de Mel Brooks aqui:
Também do You Tube, temos as interpretações de dois monstros sagrados dos palcos, Al Pacino e Orson Welles, para o monólogo de Shylock:
Por fim, um link para a peça traduzida, na íntegra: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/mercador.pdf
segunda-feira, 15 de novembro de 2010
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