
"Embora somente poucos possam dar origem a uma política, somos todos capazes de julgá-la." - Péricles, estadista ateniense, c. 430 a.C.
Esta aí a justificativa para a democracia. O poder que cada um tem para julgar a política adotada. Afinal, de acordo com a variação da política, varia a própria condição de vida de cada um.
Existem Estados governados sob as mais diversas leis, as mais diversas políticas. Todos os Estados enfrentam sua taxa de crimes, sua taxa de corrupção, sua taxa de desemprego, e também sua taxa de produção, sua inflação, seu índice geral de vida, índice de desenvolvimento humano.
E mais quantos índices desejarem, relacionados a cada aspecto da vida de um povo. A taxa de satisfação com os serviços públicos. O tempo médio de espera para ver uma queixa na Justiça resolvida.
Tais índices vão variar, de um povo para o outro, de uma época para outra. Mas a cada momento, na medida em que estes diversos aspectos da vida de um povo são diretamente condicionados pelas políticas adotadas, cada cidadão estará sofrendo as consequências, favoráveis ou desfavoráveis, destas políticas.
A justificativa para a democracia é que nela, e só nela, todos aqueles afetados pelas políticas públicas, ou seja, todos da comunidade, poderão influir na própria qualidade de vida. A exceção é justamente os que não possuam um discernimento suficiente, e que, embora também afetados pelas políticas públicas, estarão excluídos de participação na sua elaboração (esta exclusão deve se dar de uma forma objetiva e igualitária: basicamente, o limite é de idade).
E como é que os cidadãos participarão da elaboração das políticas? Mostrando seu assentimento ou seu repúdio à estas políticas. Podendo alterá-las, ou cobrando sua aplicação. Tudo, claro, de acordo com os processos pertinentes, eleitorais, judiciais...
Todos são os destinatários da norma, todos são os afetados pela norma. Há uma correspondência direta na conveniência de ouvir a opinião de todos. Para saber se as normas são boas ou não, só perguntando, ou aceitando a resposta, daqueles que as experimentam. Daqueles que as sentem na própria carne. Que todos tenham o direito de se manifestar.
Os processos eleitorais devem prever justamente a forma de assegurar esta participação popular, ordenando a maneira de se elaborar a norma, com a apresentação do projeto, e a sua discussão, e a votação, que traz à luz a norma, mas que não acaba por aí. Porque toda norma deve conviver, sempre, com o direito à sua própria crítica.
Não existe uma política “fechada”, “imutável”. Todas devem estar (ou deveriam estar) submetidas ao contínuo escrutínio dos cidadãos. Toda lei deveria prestar contas de seus objetivos, aceitar a revisão, quando se mostrasse inadequada.
Eu faço uma lei, por exemplo, para criar uma multa, ou aumentar uma multa, para um certo comportamento no trânsito? Pois deve ser esclarecido o que se pretende alcançar, com tal norma. Diminuir o risco de acidentes? Ótimo, pois que se preveja a maneira de se fazer a fiscalização de tal norma. Que se monitore os acidentes de trânsito. De cada dez acidentes, constatou-se, 5 aconteciam porque, digamos, os motoristas falavam no celular. Muito bem, isto justificou que se aprovasse uma norma, para multar, ou para aumentar a multa, de quem falava ao celular guiando.
E dali a 6 meses, diminuiu o número de acidentes? E dali a um ano? Dali a dois? Sim? Que bom, foi uma boa norma. Alcançou seu objetivo.
Como se vê, o monitoramento das situações fornece dados racionais tanto para se pensar uma norma, como para criticá-la, depois de feita. A coleta de dados, portanto, com critérios bem definidos, objetivos, e ainda a divulgação de dados, é essencial para permitir à sociedade discutir suas normas.
Se os dados forem falseados, escamoteados, restringidos, ou simplesmente se não foram colhidos, os cidadãos ficarão sem elementos para discutir e elaborar suas políticas. Será um modo indireto de restringir a democracia.
Sim, as leis não podem ser feitas como as salsichas, não se pode aceitar esta idéia. Quem fez esta comparação foi um tirano e servente de tirano, o senhor da guerra Otto von Bismarck.
As leis possuem uma dignidade, ao menos neste nível, de Idéia, de Lei Justa, que não permite comparações com salsichas. Os homens discutindo, com liberdade, com honestidade, num Parlamento, é uma idéia civilizada, bela, grandiosa, e deve ser levada a sério.
Este relativismo que proclama que tudo é igual, democracia ou tirania, é o relativismo de quem já está pronto para entregar o pescoço à canga. Enquanto os homens não valorizarem a liberdade, valorizarem a democracia, permanecerão castigados, sem liberdade ou democracia.
Enquanto o homem aceitar que há homens diferentes de todos os homens. Diferentes em dignidade ou direitos. Nada de democracia para estes homens.
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