sábado, 7 de maio de 2011

Planos de saúde, escolas privadas

Parece que os planos de saúde e os estabelecimentos de ensino privados, no modelo que temos hoje, possui um paradoxo com um sistema que pretende ampliar o acesso razoável de toda a população a estes serviços.


Porque sempre me pareceu o óbvio que alguém que possua estes serviços, de graça, não vai optar por pagar para tê-los. É a economia.


Mas, então, como é que na realidade coexistem este sistema duplo, de ensino e saúde, no Brasil? Temos escola pública e hospitais públicos, mas são, em regra, um lixo.


Um lugar onde é corriqueiro o desrespeito ao cidadão, que tem de pegar uma fila às 4 horas da manhã para marcar uma consulta.


Quem pode, não quer se submeter a isso, e pága pelo serviço privado. Na verdade, pága dobrado, pois não deixa de pagar seus impostos.


A mesma coisa no ensino público, o aluno pode passar anos e sair sabendo muito pouco. Correm pais para o serviço privado. Págam duas vezes, mas ninguém é louco de desconhecer a realidade.


Agora, e se houvesse bons serviços públicos? Um bom médico, um bom colégio, onde os alunos vão aprender tudo que é o básico, igualitariamente por todo o Brasil, do Oiapoque ao Chuí.


Não seria essa a nossa intenção, como sociedade? Atingir a igualdade, a liberdade, com todos os alunos estudando as mesmas matérias, com a mesma qualidade?


Seria, mas não é a nossa realidade. Nossa realidade é: quem pága mais recebe melhores serviços. Ferreamente a lógica. A lógica do mercado.


Pága mais, um melhor ensino, uma casta de doutores. Que estão lá, muitas vezes sem grande mérito próprio, mas num país de tantos miseráveis, acabam ganhando seu posto. E aí, sendo um destes senhores, vai garantir para o seu filho (pagar) o melhor hospital e a melhor escola, e perpetuar o seu ciclo.


Um país igualitário e livre passa necessariamente, portanto, pela oferta a cada homem e mulher de uma chance, ou seja, de um serviço adequado de ensino e saúde.


Pois como pode alcançar seus sonhos, desenvolver seus potenciais, se não há uma chance? Se uma doença, que podia ter sido sarada cedo, se converteu em grave comprometimento da saúde? Ou se passam anos na escola, e ninguém lhes ensine a ler de verdade, ou a fazer contas, ou ter as aulas de história.


Na verdade, gastam-se bilhões por ano de dinheiro público com estes sistemas de saúde e de ensino. Mas, como todo brasileiro sabe (menos o ex-presidente Lula, para quem nosso sistema de saúde estava “próximo da perfeição”), o nosso sistema de saúde é tão precário que pessoas em emergências ficam amontoadas pelo chão. Fora todas as barbaridades, toda a corrupção, todo o dinheiro gasto em supostos hospitais que ficaram na construção do esqueleto, e depois abandonados.


É um lixo, e um lixo é pouco. É um lixo impregnado de ratos e podridão.


Mas, se está claro que este nosso sistema é falido, como fazer um sistema que atendesse a população?


Não há uma resposta simples, embora fosse boa aquela idéia: fazer com que cada político e sua família usasse o sistema público de saúde, e matriculasse os filhos em escolas públicas. É simpática a idéia, mas não funciona assim. Aliás, existem os centros de excelência nos sistemas de ensino e saúde públicos. E nestes, nosso políticos vão, de graça, sem enfrentar filas ou atrasos no atendimento. Talvez por isso pensem que tudo é tão cor de rosa.


Mas esta é a nossa realidade. E, agora, como seria o sistema igualitário?


No sistema igualitário, haveria a divisão igualitária dos recursos. É o óbvio, mas precisa ser repetido. Primeiro, haveria uma organização: temos duzentos milhões de habitantes. Para cada 200 mil (digamos), precisamos ter um centro médico, com o seguinte quantitativo de pessoal: tantos médicos, disso e daquilo, clínicos gerais, enfermeiros, assistentes, etc. etc.


Então, seria o DIREITO daqueles 200 mil brasileiros ter o tal centro médico, com tantos médicos, com tantos enfermeiros, etc. etc.


Por que deixar ao arbítrio do político que decide se vai dar ou não um hospital para o povo? Ah, porque ele soube mexer os pauzinhos, ganhar a grana pra fazer a obra com a empreiteira x. Ah, este é o bom político, que consegue atender bem ao povo? Pobre povo...


este é um presente de grego. Ganhar um hospital, uma escola, sem que tivesse o direito, e em detrimento do direito de outras pessoas. Este presente jamais lhe fará bem. Pode fazer bem ao político e ao empreiteiro, que vão lucrar bastante no meio da confusão.


Serve a eles a desorganização. A organização, definindo o direito pela divisão igualitária, serviria ao povo, e à liberdade.


Com a organização, seriam definidos os serviços básicos. Cada criança, em cada escola, teria o direito a consultas, a acompanhamento, para ter o desenvolvimento seguro (ou o mais seguro possível).


Claro, você não pode manter um especialista para cada habitante. Mas podemos ter um clínico geral, um para cada, sei lá, cinco mil habitantes. Ele, se constatasse um problema que necessitasse de um centro especializado, poderia simplesmente encaminhar o caso. Um centro especializado para cada, sei lá, cinco milhões de habitantes.


Isto seria apenas o básico. O governo, isto é, a nação organizada, precisaria manter este atendimento mínimo, para cada criança, para cada homem e mulher. Aceitar que alguém morra pela falta de um remédio, que alguém passe mal, perca um membro, uma função, porque não tem dinheiro, é uma barbárie e um egoísmo asqueroso.


No entanto, o Estado prover o básico não significa que TODO MÉDICO, TODO PROFESSOR, tenha de ser um funcionário do Estado. Entrar por este caminho levaria a um totalitarismo tão assassino da liberdade quanto este falso liberalismo que aceita que pessoas fiquem doentes e ignorantes porque não têm muito dinheiro.


Como conciliar o sistema público e o privado, quando eu mesmo iniciei estas considerações dizendo que os planos de saúde e de ensino privados vão à falência, se o sistema público passar a prover tudo de graça.


Os demagogos acenam com esta isca para enganar os tolos. Prometem, porque prometer é fácil. Falam o que soa bem ao ouvido, embora engane o cérebro. Falam porque assim conseguem chegar de fato ao poder. E aí, mesmo que suas mentiras não resolvam o problema do povo, pelo menos resolvem o seu...


Sim, é muito fácil dizer: o melhor tratamento de saúde possível, para CADA cidadão! Aliás, está inscrito na nossa Constituição: “A saúde é direito de todos, dever do Estado, blá-blá-blá, blá-blá-blá”. A saúde, nada menos, e soa tão bonito! Mas na prática o que acontece é que alguns advogados espertalhões conseguem com juízes bonzinhos tratamentos de última geração, às vezes até em outros países, e tudo perfeitamente grátis, para clientes já bem ricos.


E enquanto isso, abra o jornal, assista na televisão, ouça no rádio, na rua, converse, tem gente amontoada no chão de emergências, por todo o país.


Sistema corrupto é pouco. Corrupto e depravado. Nossa realidade de Kafka, realidade insana.


Voltemos ao plano das Idéias. O que seria o sistema igualitário?


Não seria pretender suprimir a realidade, de que os recursos são sempre escassos, de que existe a diferença. Existe o grande, grande, especialista. Será razoável esperar que ele vá atender a todo o mundo? Será que ele vai conseguir atender a 3 milhões de pessoas?


O Estado pode oferecer o tratamento básico a cada pessoa. Mas ele não pode gastar milhões, para atender a uma pessoa, sem que falte milhões para atender a milhões de pessoas.


Então, o Estado pode definir: para cada 5 mil pessoas (hipótese), tantos clínicos gerais. Se já houver diversos clínicos gerais naquela localidade, o Estado não precisa sequer manter a sua estrutura para disponibilizar os clínicos gerais. Basta que pague, um preço tabelado, pela consulta, e cada cidadão vai poder escolher seu próprio médico.


Esta é a solução para o conflito público – privado. Não uma “terceira era”, ou uma “quarta era”, ou o comunismo, ou o novo homem... tudo isto é tergiversar, ópio para intelectuais, ilusão. Tudo isto é fugir do assunto, fugir do problema, se esconder da realidade.


O problema não é metafísico, é político, é construir a tal sociedade igualitária que nossas leis nos dizem que queremos. Sem mentiras, sem enganação.


Vão dizer: “isto não daria certo no Brasil, logo os médicos estariam vendendo consultas inexistentes, recebendo dinheiro para fazer parto em homem (não é piada. Aconteceu mesmo, no nosso sistema). O Brasil é muito corrupto.”


Têm razão, mas este é um outro problema, o problema da fiscalização. Na sociedade que se pretende igualitária não pode haver corrupção impune.


De novo, na sociedade igualitária presume-se que o governo preste contas ao seu cidadão. Se eu tenho o direito de ter o clínico, o direito de ter o hospital, eu tenho o dever de prestar contas, de submeter a minha utilização do dinheiro público ao crivo do público.


Se eu recebi dinheiro público para pagar um clínico, um especialista, o que for, que tenha o registro público. Se o meu filho foi atendido no hospital público, ou estuda na escola pública, que exista o registro do atendimento, o registro da matrícula.


Tudo isto entrará na prestação de contas. Se a minha comunidade, o meu distrito eleitoral, nossos 20 mil cidadãos, têm direito ao número x de médicos, de leitos hospitalares, de matrículas na escola, que se diga exatamente onde o dinheiro destinado a todos estes pagamentos está indo parar. Para que cada cidadão se sinta responsável, e tenha meios de saber, de comparar, de criticar, de cobrar respostas, fiscalização, punição.


Sim, uma coisa interligada com a outra, no verdadeiro sistema igualitário. A República, aquela ideal de Platão, mas governada, não por filósofos, mas pela filosofia, o sistema racional que permite atingir os fins propostos pelos valores do homem: a igualdade. A liberdade.

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