quinta-feira, 26 de maio de 2011

Eric Voegelin e Sólon




Eric Voegelin observa com precisão o fenômeno revolucionário, fazendo uma radiografia fina do tipo de homem envolvido neste contexto. Faz uso de uma vasta e selecionada bibliografia, resgatando documentos importantes do passado. Fora que conhece em profundidade os grandes autores que conduziram o pensamento: Aristóteles, Platão, Hesíodo, Santo Agostinho, Rousseau, Marx, Hegel, Heráclito... antigos ou modernos, ele conhece bem a obra e traz interpretações interessantes, destas obras.


Compara-as, relaciona-as. Possui elementos para compor seu estudo. Realmente, um homem de muita leitura. De muito pensamento.


Sobre os gregos, ele nos diz que, através da vivência de seu teatro, eles adquiriram uma capacidade coletiva de tomar decisões coletivas. Usa o exemplo da peça de Ésquilo (séc. V a.C.), “As suplicantes”: eram mulheres que fugiam dos egípcios, que as queriam forçar a dormir com eles. Vão pedir abrigo em uma cidade Estado grega, e o seu rei tem o dilema: deve aceitar o pleito que lhe é dirigido, como a voz de sua consciência ordena? Ou deve ponderar que oferecer abrigo às fugitivas seria desafiar a guerra com o Egito, custosa para toda a cidade de que é o representante?


Num mergulho em sua consciência, ele percebe que deve afrontar o perigo, e fazer o que sua consciência manda. Mas ele não pode tomar sozinho uma decisão que afeta a vida de todos. Por isso ele vai reunir o povo em Assembléia para decidir o seu destino, usando da persuasão para que a decisão coletiva seguisse aquele ditame de sua consciência. De fato, a cidade Estado termina por abrigar as fugitivas.


Tal desenvolvimento do teatro grego permitia que os cidadãos concebessem com clareza seu papel de participação na vida pública. E vice-versa, o desenvolvimento político de algumas cidades Estados gregas permitia que o teatro refletisse este desenvolvimento.


O grande legislador Sólon, de Atenas, no séc. VI a.C., conseguira uma transição pacífica do governo da aristocracia para o governo democrático, o primeiro do mundo. E ele era capaz de formular um tal pensamento: “é muito dificil conhecer a medida invisível do julgamento justo; e, no entanto, esta é a única maneira de conhecer os limites corretos de todas as coisas”.


Tal capacidade fez dos gregos um farol do mundo. Uma de nossas raízes, como civilização ocidental, sendo as outras, a romana, e a judaico-cristã.


Sólon aboliu as dívidas, que faziam de uns gregos escravos de outros. Não pode haver tal desigualdade entre os cidadãos. Ou não haverá cidadãos, mas senhores e escravos. E a guerra civil.


Sólon aboliu a exclusividade do poder político para os antigos senhores de terras, os membros da aristocracia. Havia outros gregos que possuíam a capacidade de discutir e decidir suas leis e seus futuros. Havia comerciantes, industriários, que enriqueciam, mas não podiam exercer direitos políticos. Guerra civil à vista.


E Sólon espantou o fantasma de mais esta guerra civil, dividindo os poderes políticos entre todos os cidadãos gregos. Tornando-os mais iguais, uns aos outros.


Sólon, que era um filho da aristocracia, mas que aprendera a ganhar a vida como comerciante. Ele era a pessoa indicada para unir aristocratas e comerciantes, senhores de terras e burgueses, pois ele tinha a mente de cada um deles. Entendia suas queixas, suas esperanças.


Sólon, um homem culto, instruído nos poemas antigos, um homem viajado, conhecedor dos costumes dos povos.


Sobre ele diz Voegelin:


“Como estadista, ele viveu em tensão entre a medida invisível e a necessidade de encarná-la na ordem social concreta; por outro lado, “a mente dos imortais é totalmente invisível para os homens” e, por outro lado, “instado pelos deuses fiz o que fiz”. Por sua vez, Heráclito, que sempre aparece como uma grande sombra por detrás das idéias de Platão, aprofundou-se mais nas experiências que levam à medida invisível. Reconheceu sua validade suprema: “A harmonia invisível é melhor (ou maior, ou mais poderosa) que a visível”.


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