segunda-feira, 16 de maio de 2011

OSAMA EXECUTADO SEM JULGAMENTO - 2


Das “Máximas e Reflexões” de Epicteto:


Vence teus desejos e teus temores, e terás vencido teus tiranos.


Duas coisas há que devem ser tiradas aos homens: a vaidade e a desconfiança.


Diógenes disse, e muito bem, que o único meio de conquistar a liberdade é estar pronto para a morte.


Esperas ser feliz uma vez que tenhas obtido o que solicitas. Enganas-te; terás as mesmas inquietações, os mesmos cuidados, os mesmos aborrecimentos, os mesmos temores, os mesmos desejos. A felicidade não consiste em adquirir e desfrutar do adquirido, mas em não desejar, porque consiste em ser livre.


Nada temas, e não haverá para ti homem terrível nem formidável, assim como não há cavalo terrível para outro cavalo, nem abelha para outra abelha. Não vês que os teus desejos e temores são a guarda que os tiranos mantêm dentro de ti, como numa fortaleza, para escravizar-te? Expulsa essa guarda, recobra a posse do teu forte, e serás livre.


Recebeste o consulado e és governador de província. Por quem? Por Felício. Asseguro-te que eu não quereria viver, se tivesse de viver pelo prestígio de Felício, e suportar-lhe a soberba e insolência de escravo, porque sei o que é o escravo que se julga feliz e julga cega a sua sorte. – Mas, tu és livre? – Não. Lido por o ser, mas ainda não atingi tão venturoso estado; não me é dado ainda fitar os olhos firme e serenamente nos meus amos; ainda estou agrilhoado ao corpo, e, embora alquebrado, pretendo conservá-lo; confesso a minha fraqueza. Se queres, porém, que te mostre homem verdadeiramente livre, menciono-te Diógenes. – E de que modo chegou a ser livre? – Destruindo, em si, tudo aquilo de que poderia a servidão apossar-se; desligado de tudo, isolado por toda parte, nada possuía; pedíeis-lhe o seu bem-estar, e ele o dava; pedíeis-lhe o pé, dava-o; todo o corpo, dava-o; mas estava fortemente ligado aos deuses e a ninguém cedia em obediência, em respeito, em submissão para com essa soberania. Ali estava a origem da sua liberdade. – Mas, replicas, esse exemplo é o de um único homem, a quem nada ligava ao mundo. – Queres, então, exemplo de homem que não estivesse sozinho? Sócrates tinha mulher e filhos, e não era menos livre que Diógenes, porque, tal qual Diógenes, tudo submetera aos deuses e à obediência devida à lei.


Se quisermos ser verdadeiros filósofos, tratemos antes de fazer que a nossa vontade se ajuste e acomode aos fatos consumados, para estarmos sempre contentes com o que suceder e o que não suceder. Assim, teremos a grande vantagem de jamais deixar de obter o que desejarmos e jamais cair no que motiva os nossos temores. Passaremos a vida com o próximo sem temor nem perturbação, e conservaremos todos os nossos laços naturais, cumprindo perfeitamente o nosso dever de pais, de filhos, de irmãos, de cidadãos, de esposos, de vizinhos, de associados, de magistrados e de súbditos.


Sócrates amava os filhos, mas amava-os como homem livre, e lembrado de que, em primeiro lugar, devia amar os deuses. Assim, jamais proferiu palavra que não fosse digna de homem de bem, nem quando se defendeu perante os juizes, nem quando foi senador, nem quando esteve na guerra. Nós, porém, em tudo achamos pretexto de baixeza e covardia; no filho, na mãe, no irmão. Não obstante, deveríamos não fazer-nos desgraçados por ninguém, e, pelo contrário, fazer de todas as criaturas meios da nossa felicidade, e, principalmente, servidores dos deuses que nos criaram, a fim de sermos venturosos.



Sacode, afinal, o jugo, e, liberto da escravidão, ergue para o céu o teu rosto, dizendo ao teu Deus: "Utilizai-vos de mim como vos pareça melhor. Nenhuma tarefa me será odiosa, se justificar Vossa misericórdia para com os homens".





Alguns artigos na mídia justificaram o assassinato de Osama Bin Laden pela tropa de elite americana, sendo que a base dos argumentos seria uma suposta inexigibilidade de conduta diversa do governo americano, diante da situação concreta.



Leia-se, por exemplo, o artigo de Arthur Dapieve no Segundo Caderno do jornal O Globo, de 13.05.2011: “Bin Laden venceu” http://sergyovitro.blogspot.com/2011/05/bin-laden-venceu-arthur-dapieve.html



Ou o artigo de Merval Pereira “A cabeça de Obama”, e seu complemento, dentro do artigo “Base Rachada”, no Globo dos dias 11 e 12 de maio de 2011: http://gilvanmelo.blogspot.com/2011/05/cabeca-de-obama-merval-pereira.html



e



http://arquivoetc.blogspot.com/2011/05/base-rachada-merval-pereira.html





Todos estes argumentos pareceram muito “realistas” e “pragmáticos”. Osama poderia ter explodido uma bomba, matando a si próprio e também aos soldados que foram capturá-lo. E, se Osama fosse capturado, onde seria julgado? Iria para uma prisão em solo americano? Mas aí os EUA não ficariam mais expostos a um ataque terrorista, a uma tentativa de libertação de Bin Laden? E será que militantes pró-vida fariam protestos contra a pena de morte, como pergunta Dapieve, ironicamente, em seu artigo?



São todas questões muito relevantes, mas é bom lembrar que sempre encontramos questões muito relevantes, e muito racionais, pertinentes, quando se trata de justificar nossos desejos de executar um bode expiatório, ou nossa covardia para fazer frente aos desafios.



E o desafio, aqui, é: enfrentar nossos desejos e nossos temores para não abrir mão dos nossos valores.



Para abrir mão dos nossos valores, é fácil: podemos escrever toda uma teoria, publicar livros, fazer palestras, invocar Rousseau, Fichte e Kant. A propósito, Merval Pereira menciona um jurista alemão, Günter Jakobs, autor de uma teoria do Direito Penal do Inimigo, que faria um contraponto ao Direito Penal do Cidadão, com as garantias clássicas.



Já para manter os valores, as “garantias clássicas”, a liberdade, é bem mais difícil: requer coragem.



Notem que as tiranias estão sempre prontas a invocar horrores, para nos convencer a abrir mão de nossa liberdade. Manipulam nossos temores, nossos desejos de soluções fáceis, e rápidas. Soluções finais.



“Deixem-nos fazer do nosso jeito, ao arrepio da lei, sem respeitar as garantias! É o único jeito! Se tivermos de respeitar as regras não vai dar certo, um grande mal recairá sobre todos!”



Ainda douram a pílula, para tornar mais fácil tragá-la: “não é só a SUA segurança que está em jogo! É a dos seus filhos, das nossas criancinhas, quem vai proteger as criancinhas?”



E a própria covardia vira um ato heróico! Além disso, não é comigo, Cidadão, que vai esquentar a chapa... é sempre com o Outro, o Inimigo, o Terrorista, o Traficante, o Favelado, o Judeu, o Cigano, o Preto, a Bruxa, o Burguês, sei lá mais quem, o Mal Encarnado...



Pode torturar pra obter informação? Pode, os fins justificam os meios. Não se faz um omelete sem quebrar alguns ovos. Pode simular afogamento, saco plástico na cabeça, Tropa de Elite, uh-uh, pega um, pega geral, Capitão Nascimento, uôu! Também vai pegar você...



Este é o verdadeiro preço da liberdade, da democracia: a coragem. Não a corrupção, não a putaria, não a impunidade.



Os soldados americanos podiam ser mortos caso Osama detonasse uma bomba? Podiam, isto é trabalhar com hipóteses. Podia também acontecer de algum dos seguidores de Osama detonar os explosivos. E podia ser que Osama tivesse um seguidor instalado numa casa vizinha, que detonasse os explosivos quando visse os helicópteros pousando.



São infinitas as possibilidades. E o que fazer para lidar com elas? Quem sabe, jogar um míssil? Jogar uma bomba atômica? Haveria, então, bastante segurança de matar Osama, sem que houvesse baixas entre os soldados americanos.



Um soldado, quando vai cumprir uma missão, sabe que pode ser capturado, sabe que pode ser morto. Claro, não é desejável que isto aconteça, mas os soldados de um Estado livre, soldados que não sejam máquinas, que sejam também homens livres, não podem receber missões de assassinos. Sim, são guerreiros, e vão precisar matar, em legítima defesa, ou quando não houver outro meio.



Parece uma sutileza indiferente, mas não é: é a diferença entre a escravidão e a liberdade. Matar, quando não havia outro meio, e matar, quando havia outro meio.



Porque numa missão, em que o helicóptero entra e sai, em que alguns são capturados, em que alguns são transportados, em que o próprio corpo de Osama é transportado, o objetivo não pode ser a morte de um homem.



O objetivo tem de ser sua captura, e a morte apenas um acidente involuntário. Como eu já disse no primeiro artigo, o ataque tendo sido planejado com antecedência, que se usasse gás, que se usasse um forte tranquilizante, armas de choque, o que fosse, para garantir o melhor possível a segurança dos soldados, mas sem abdicar do objetivo de capturar Osama vivo, para julgamento.



Caso o pior acontecesse, caso Osama se explodisse, explodisse junto os soldados, estes seriam heróis, bravos guerreiros, mortos em combate, pela segurança de seu povo.



E Osama teria morrido como viveu, ou seja, como um criminoso covarde. Que melhor propaganda para a virtude, para a coragem, para o valor?



Do jeito que aconteceu, tudo leva a crer que o objetivo tivesse sido, sempre, o extermínio de Osama, objetivo que, repito, numa operação em que se entra e sai de helicóptero, e em que inclusive se carrega o corpo do inimigo, não poderia ser dado.



Do jeito que aconteceu, com tortura, assassinato, supressão de valores, tudo entra numa zona cinzenta, indistinta, o mocinho e o vilão usando os mesmos métodos. E aí, a propaganda e a vitória são do mal, jamais da virtude.



Também a nação americana precisaria se mostrar valorosa, para aprisionar o inimigo, dar-lhe o julgamento justo e a sentença. Se tivessem de enfrentar um ataque terrorista, que o enfrentassem. Utilizem seus aparatos de defesa, seus agentes policiais, seus soldados, seus controles. Isto é o óbvio, não quero que me confundam com o extremista que prega “flores contra bombas”, ou algo assim.


Defendam-se do mal. Não fabriquem o mal, não pratiquem o mal. Combata o mal com o bem.



Os extremos acabam se tocando, se confundindo. O radical de direita, fazendo chacota dos defensores de direitos humanos, que para eles são todos uns lunáticos que pretendem amarrar e amordaçar a sociedade, entregando-a depois ao punhal do carrasco. E o radical de esquerda, escondido numa Torre de Marfim, achando que o monstro vai embora se fechar os olhos com força.



Estes dois extremistas enxergam, um no outro, como num espelho distorcido, a própria imagem de seus piores fantasmas inconscientes, e se odeiam num ódio de morte.



Estes dois extremistas sequestram todo o debate, enxergando em cada um que se afasta, ou que ousa criticar, os seus preconceitos queridos, a imagem daquele opositor que tanto odeia, que tanto teme, e que inevitavelmente acaba por se tornar.



Então, para que não me confundam, para que não sequestrem o debate, para que o não esterilizem: rejeito qualquer extremo, qualquer sistema pronto, qualquer explicação fácil. São todos meras desculpas para a covardia, para esconder a cabeça na areia, e abrir mão da própria responsabilidade, e, junto, da própria liberdade.



Qual é então o antídoto para o veneno do extremismo, do ideologismo escapista? É aceitar a crítica, aceitar o debate, abrir mão da presunção de que tudo sabe, só porque se tem meia dúzia de fórmulas fáceis na cabeça. Meia dúzia de slogans, de frases feitas. Morte a estes... Morte àqueles...





Dizer como Sócrates, na sua frase famosa, genial: “Tudo que sei é que nada sei”. Paradoxal, sim, mas abracemos o paradoxo. Nós somos paradoxais, homens, anjos e demônios, santos e pecadores.



Abracemos o debate, abracemos o diálogo, a dialética, o questionamento. Não nos satisfaçamos com nossas pequenas certezas.



E, acima de tudo, isto: tenhamos a coragem de descobrir nossos valores, e de defendê-los a todo custo, defendê-los com nossa vida e com nossa alma. Não aceitemos abrir mão deles, qualquer que seja a promessa de facilidades, ou a ameaça de coisas terríveis.



E, acima de tudo, isto: seja fiel a ti mesmo (William Shakespeare, no Hamlet).



E, como estou com a febre das citações, aqui vai mais uma: o segredo da felicidade está na liberdade; e o segredo da liberdade está na coragem (Péricles).



E, visto que comecei este artigo com uma seleção das máximas e reflexões de Epicteto, devo terminá-lo da mesma maneira, abrindo espaço, com reverência, a um pensamento tão sublime, e tão melhor expresso que o meu:



O que perturba os homens não são as coisas, mas as opiniões que delas tem. Por exemplo, a morte não é um mal; pelo menos foi essa a opinião de Sócrates. A idéia que da morte se tem é que dela faz um mal. Quando estamos cabisbaixos, perturbados ou tristes, não acusemos ninguém, a não ser a nós próprios, isto é, às nossas opiniões.



Tens febre, mas se a tens, como deves, tens tudo o que podes ter melhor com ela. Que é ter a febre como se deve? Não queixar-se dos deuses nem dos homens, não alarmar-se com a idéia do que pode acontecer, esperar valorosamente a morte, não regozijar-se excessivamente quando o médico diz que há melhora, e não afligir-se quando diz que se está pior. Pois, que é estar pior? Aproximar-se do termo e do instante em que a alma se há de separar do corpo. Chamas a essa separação um mal? Ainda que a morte não sobrevenha hoje, deixará, por acaso, de vir amanhã? E contigo terminará o mundo? Permanece, pois, tranqüilo tanto na febre como na saúde.



Componho belíssimos e saborosos diálogos e escrevo livros interessantes. – Meu amigo, preferiria que me dissesses que dominava as paixões, que compunhas os desejos, que seguias a verdade nos juízos. Assegura-me que não temes a prisão, nem o desterro, nem a dor, nem a miséria, nem a morte. Sem isso, por belos que sejam os livros que escreves, podes estar certo de que és apenas um ignorante.



Cedo ou tarde, virá necessariamente a morte surpreender-nos. Em que ocupação nos surpreenderá? O lavrador será surpreendido nos cuidados da lavoura; o jardineiro nos do jardim; o comerciante nos do comércio. E tu, em que cuidados serás surpreendido? No que me diz respeito, desejo com toda a alma que o derradeiro instante me encontre atarefado em governar a vontade, a fim de que, sem turbação, nem obstáculo, nem temor, possa morrer como homem livre, dizendo aos deuses: violei, acaso, os vossos mandamentos? Terei abusado dos dons que me outorgaste? Não vos submeti os meus sentidos, as minhas faculdades, as minhas opiniões? Queixei-me de vós? Acusei a vossa Providência? Estive doente, porque assim o quisestes vós e eu também o quis. Fui pobre, porque tal foi a vossa vontade, e permaneci contente na pobreza. Fiquei na miséria, porque quisestes que eu seja miserável, e dela não desejei sair. Vistes-me triste pelo meu estado? Surpreendestes-me no abatimento e na queixa? Agora mesmo estou pronto a fazer o que vos aprouver mandar-me. O menor sinal de vossa parte é para mim uma ordem inviolável. Quereis que abandone este magnífico espetáculo? Abandoná-lo-ei e vos apresentarei os meus humildes agradecimentos por vos terdes dignado admitir-me a ele, por me haverdes feito ver todas as vossas obras e apresentado aos meus olhos a admirável ordem com a qual dirigis o universo.



Quando fores consultar o adivinho, lembra-te de que ignoras o que deve suceder, e que vais sabê-lo. Mas lembra-te ao mesmo tempo que, se fores filósofo, vais consultá-lo, muito bem sabendo de que natureza é o que deve suceder; porque se for coisa que de nós não dependa não poderá ser seguramente nem um bem nem um mal para ti. Não leves, pois, contigo, ao adivinho, inclinação ou aversão por coisa nenhuma; de outro modo, tremerás sempre; persuade-te, pelo contrário, e convence-te de que tudo quanto suceder será indiferente, não te dirá respeito, e que de qualquer natureza que seja, de ti depende fazer dele bom uso, sem que ninguém consiga impedir-to. Vai, pois, com confiança, como quem se aproxima de deuses que se dignam aconselhar e, ademais, quando te houverem sido dados alguns conselhos, lembra-te do que são os conselheiros aos quais recorreste, e que a tua desobediência será menosprezo das suas ordens. Não vás ao oráculo se não como Sócrates queria se fosse, isto é, não vás senão para as coisas que só podem ser conhecidas pelo acaso, e não podem ser previstas nem pela razão nem pelas regras de qualquer arte. Assim, quando se te deparar oportunidade de te expores a grandes perigos pelo amigo ou pela pátria, não vás consultar o adivinho se tiveres de fazê-lo, porque se te declarar que são más as entranhas das vítimas, serás evidente que o sinal te pressagia a morte, os ferimentos ou o desterro; afirma-te, porém, a razão, em que pese a todas essas coisas, que deves socorrer o amigo e expor-te pela pátria. Apolo Pitiano atirava para fora do seu templo quem, vendo em perigo de morte o amigo, o não ajudava.



Suponho que homem livre é aquele a quem tudo sucede como deseja, disse-me um louco, quero que me suceda tudo quanto me aprouver. Meu amigo, jamais andam juntas a loucura e a liberdade. A liberdade não é uma coisa somente belíssima, senão também racional, e não há nada mais absurdo nem mais irracional que desejar temerariamente e pretender que as coisas se verifiquem do modo pelo qual as pensamos. Quando tenho de escrever o nome próprio Díon, devo escrevê-lo não como me agradaria, mas tal qual é, sem a mudança de uma única letra. Sucede o mesmo em todas as artes e ciências. E queres que na maior e mais importante de todas as coisas, como é a liberdade, impere o capricho e a imaginação? Não, meu amigo, a liberdade consiste em querer que as coisas sucedam não como as desejamos, mas como são.



Até quando diferirás julgar-te digno de grandes feitos e por-te em estado de jamais ferir a reta razão? Recebeste os preceitos aos quais deverias dar o teu consentimento. Deste-o. Por que, pois, postergar a emenda? Não és uma criança, e sim homem feito. Se te descuidares, se te distraíres, se abrigares resolução e mais resolução, se todos os dias assinalares um novo em que haverás de prestar atenção a ti próprio, sucederá finalmente que, sem o perceberes, não terás realizado nenhum progresso, e perseverarás eternamente na ignorância. Valor, portanto; julga-te digno, desde hoje, de viver como homem, e como homem que já realizou alguns progressos na sabedoria; que tudo quanto se te afigure bom e belo seja para ti lei inviolável. Se se te oferecer algo de penoso ou agradável, de glorioso ou vergonhoso, lembra-te de que a luta está aberta, que os jogos olímpicos te chamam, que não convém postergar, e sim, pelo contrário, levar a caba, e enfim que, de um momento a outro de um único ato de valor ou de covardia depende a tua salvação ou a tua perda. Não foi de outro modo que logrou Sócrates chegar à perfeição fazendo com que todas as coisas servissem ao seu fim, e seguindo constantemente a razão. Quanto a ti, embora não sejas Sócrates, deves viver como se tivesses de o ser um dia.


Prefiro sempre o que acontece, por estar convencido de que a vontade dos deuses é superior à minha. Atenho-me, pois, a ela, sigo-a e a ela conformo os meus desejos, as minhas vontades e os meus atos.


Todos tememos pelo destino do corpo, e na alma ninguém pensa.


De ti depende fazer bom uso de tudo o que se verifica. Não digas, pois: que sucederá? Que te importa o que possa suceder, se de tudo és capaz de tirar proveito, se de tudo podes fazer bom uso, e qualquer coisa que se realize pode chegar a ser para ti felicidade enorme? Se aos olhos se te apresenta medonha fera, ou tens que sustentar um feroz combate contra homens implacáveis e terríveis, de que te afliges? Se te antolha uma fera, o combate é maior e mais glorioso. Se pelo caminho encontrares homens prodigiosos e intratáveis, terás maior mérito se conseguires, ao vencê-los, livrar deles o mundo. E se eu morrer? Se morreres, morrerás como herói. Que mais podes desejar?



Não te esqueças das palavras de Sócrates: "Críton, sigamos corajosamente a senda pela qual nos conduzem os deuses, e nos chamam. Anito e Melito podem matar-me, mas não podem fazer-me morrer".





P.S. Para notícia biográfica, e o texto completo das “Máximas e Reflexões” de Epicteto, segue um link da internet:

http://pt.scribd.com/doc/36546617/Maximas-de-EPICTETO













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