sexta-feira, 13 de maio de 2011

Questão de princípios




“O Brasil continua preso à visão dos tempos do patrimonialismo português, quando as glórias das conquistas ultramarinas conviviam com a concessão de empregos públicos aos nobres, o loteamento do governo pelo estamento burocrático e a confusão do orçamento público com as posses do rei.”


  • Maílson da Nóbrega, economista



Realmente, no Brasil vemos a concessão de empregos públicos aos “nobres”, isto é, à classe privilegiada, dos senhores, à classe dos “incomuns”.


Querem um exemplo? Que tal o desta notícia: “Ex-senador Marco Maciel ganha cargo de Kassab e vai cuidar do trânsito em São Paulo”.


Leia mais sobre esse assunto em
http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011/05/09/ex-senador-marco-maciel-ganha-cargo-de-kassab-vai-cuidar-do-transito-em-sao-paulo-924423228.asp#ixzz1M5m2inwz
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Como sabemos, Marco Maciel não conseguiu se reeleger senador nas últimas eleições. Bom, tudo bem, Maciel já tem 72 anos, pode se retirar para cuidar de seu jardim, curtir sua aposentadoria integral de ex-senador, deixar arejar um pouco a vida pública... certo? Errado. Não no nosso Brasil cordial, nosso Brasil bonzinho.


Aqui, logo um dos nossos homens públicos de grande coração logo se lembra de dar um empreguinho pro “cumpanhêro” derrotado nas urnas. Vai que amanhã é ele que perdeu as eleições, ele também gostaria que se lembrassem dele. Claro, é um empreguinho público, deixa pros trouxas a conta do salário e das vantagens... Nada como fazer caridade com o dinheiro alheio!


E, assim, vai Maciel aceitar um carguinho do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Para fazer o quê? Ah, isso não importa... importante é deixar o cumpanhêro acumular sua aposentadoria de senador com os R$ 12 mil mensais que passará a receber pelo carguinho. Diz a reportagem: “Kassab não conseguiu detalhar a função de Maciel no cargo. (...) Maciel não soube explicar sua missão na prefeitura”.


O que importa? Maciel só precisará participar de uma reunião por mês em cada órgão da prefeitura, e aproveitar a viagem para passar no caixa e embolsar seus R$ 12 mil mensais. Maciel será conselheiro da Administração de trânsito em São Paulo. Eu também poderia exercer este cargo: uma vez por mês, passaria na Prefeitura paulista, e daria bons conselhos: “Olha, senhores engenheiros de trânsito, eu aconselho que os senhores diminuam os engarrafamentos na cidade. Eu também aconselho aos senhores que se esforcem bastante para tornar o trânsito mais seguro, menos poluente, melhor sinalizado... o.k., agora deixa eu ir que ainda preciso pegar o avião de volta. Até o mês que vem!”


Seria bom, não seria, caro(a) leitor(a)? Mas pode tirar o cavalinho da chuva, essa história de altos salários por funções mal definidas só para a classe especial de pessoas. Os incomuns, os senhores da alta nobreza. Para Kassab, a contratação de Maciel se explica porque é “uma homenagem a um importante homem público”. Que belo, não? É bom ser rei assim, decidindo gasto público assim, com a maior sem-cerimônia. “Eu quero homenagear. Eu gasto o dinheiro público.”. Simples assim. Sois rei, sois rei! Sois rei-sois rei-sois rei!


Diga-se a verdade, o privilégio não é exclusivo de Kassab não. Pelo país, pululam os muitos reizinhos e rainhazinhas. É a nossa tradição, é a nossa cultura. Triste patrimonialismo, atrasado patrimonialismo, infelicitador de toda uma nação, patrimonialismo.


Esta prova de ineficiência, corrupção, pura e simples, à vista de todos, mas que ninguém realmente vê. Arraigado, disseminado, passando-se por normalidade. A normalidade do bizarro, do ridículo, do estúpido, do anormal.


Não é só Kassab, não, em cada rincão, em cada prefeitura, temos nossos reizinhos, políticos derrotados que simplesmente entram num dos “cabidões” dos empreguinhos. Não precisa ter qualificação, não precisa saber ler ou escrever. Sejamos bem “democráticos”, como dizem os bem cínicos. Todo mundo que tiver o pistolão tem o seu “direito”, inatingível, inalienável, de ter seu próprio leitinho das tetas do Estado. Basta ser obediente, fazer tudo que seu mestre mandar. E vamos distribuir cargos públicos, ficar bem poderosos, nos distinguirmos bastante desta ralé asquerosa! Não queremos dar direitos iguais, isto é da boca pra fora! Queremos, sim, também nos tornarmos distintos, incomuns, companheiros...


Nobres e neo-nobres, tem espaço pra muitos, a vaquinha é bem gorda. Logo vamos estar sugando até o sangue. Ah, vamos nos tornar uns vampiros... Condes Dráculas, Condes, e Viscondes....


Sim, não é só o Kassab, o exemplo é disseminado, e vem do mais alto. Vem da própria presidência da República.


Vejam o caso de José Genoíno. Réu do mensalão, ex-deputado federal pelo PT de São Paulo, foi derrotado na eleição de 2010. “Faz parte do jogo”, disse Genoíno, muito elegante, sobre a derrota http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI4719173-EI6578,00-Faz+parte+do+jogo+diz+Genoino+sobre+derrota+nas+urnas.html


Mas talvez Genoíno já soubesse que também “faz parte do jogo” ganhar um premiozinho de consolação, e rapidinho vai receber um convite para assumir um cargo de assessor especial do Ministério da Defesa. http://blogs.estadao.com.br/radar-politico/2011/01/12/ex-gerruilheiro-genoino-aceita-convite-para-assessorar-jobim/


Sim, todo mundo “joga o jogo”. Nobres e neo-nobres. Vamos distribuir o dinheiro da patuléia, distribuir da melhor forma: muitos cargos pros meus bolsos, pros bolsos dos meus amigos...


Ah, que imenso roubo... O Estado é o roubo? Pois o Estado brasileiro é o roubíssimo. O maior roubo da face da Terra. Bra-zil-zil-zil! Somos os campeões!


Alguns milhares de cargos públicos, para distribuir pros amigos. Centenas de milhares de cargos públicos. Viram as assessoras do Romário? Belas assessoras, baixinho. Multiplique por milhares de Romários, Kassabs, Dilmas, e cada vereador do interior... multiplique agora estes milhares de assessores especiais, conselheiros, etc., pelos milhares de reais que cada um recebe.


E aí começa a se ter uma idéia da sangria: milhões e bilhões de reais gastos, todo mês, religiosamente, para muito pouco serviço em troca. Tudo dentro da nossa lei, a lei que rege a nação. É esta lei que prevê estes milhões de cargos com funções indefinidas, propositadamente indefinidas, para serem preenchidos ao bel-prazer do sr. Poderoso. Juiz, político, desembargador, ministro, alto comissariado. Todos têm o direito legal (inatacável e inalienável) de ter muitos cargos para distribuição, cargos de livre nomeação e exoneração.



É dinheiro público, mas vá o distinto público questionar a adequação e a validade de uma nomeação. “Eu tenho a lei do meu lado! É de livre nomeação e exoneração! Eu não devo explicação à ralé. É de minha livre escolha! Pra favorecer, ou prejudicar, quem eu, só eu, quiser! Eu nomeio, eu exonero. Eu, o poderoso. Com dinheiro alheio, mas quem manda sou eu! O aplicador da lei também me entende, ele está do meu lado, ele almoça comigo, ele também tem seus cargos.”


E assim não se faz uma nação. Nação dividida, nação desunida, com exploradores e explorados? Não é nação, é roubo.






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